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Rio sob risco de dar calote nos bancos públicos

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O Estado do Rio foi o que fechou o ano de 2015 com o maior endividamento junto a bancos federais, segundo dados do Tesouro Nacional. Foram R$ 21 bilhões em dívidas, bem acima do segundo colocado, São Paulo, com débito de R$ 14,5 bilhões. Minas Gerais aparece em terceiro, com R$ 9,4 bilhões. A situação do Rio é tão dramática que há risco de o estado dar calote nos bancos oficiais, a exemplo do que já ocorreu com agências internacionais de fomento.

O secretário de Fazenda do Rio, Júlio Bueno, admite haver parcelas em atraso — mas que ainda não configuram inadimplência — com BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. E diz que o cronograma de quitação dos empréstimos tem sido renegociado dia a dia. Caso o governo fluminense não honre seus compromissos, porém, é a União que vai arcar com a conta: dos R$ 21 bilhões que o Rio deve às três instituições, 97% têm garantia do Tesouro.

Em maio, a Agência Francesa de Fomento e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) executaram R$ 14 milhões em garantias devido a atraso no pagamento pelo governo do Rio. Diante disso, o Tesouro ainda não autorizou o BNDES a liberar uma parcela de R$ 989 milhões, relativa às obras da linha 4 do metrô, um dos compromissos assumidos pelo estado para sediar os Jogos Olímpicos. A diretoria do BNDES aprovou o desembolso em 9 de maio, mas só repassará os recursos ao governo fluminense após o sinal verde da União.

— Nossa prioridade total é pagar ao servidor e aos poderes. Quando eu não pago ao banco, não pago por causa disso — disse Bueno, admitindo a possibilidade de novos casos de inadimplência.

Dívida com bancos públicos saltou 1.391%

O BB responde pela maior parte dos R$ 21 bilhões que o Rio tem pendurados com os bancos públicos. São R$ 12,1 bilhões, praticamente destinados ao ProCidades, programa do governo estadual que contempla projetos de infraestrutura, como o Arco Metropolitano, e urbanização, como pavimentação de ruas e melhorias em comunidades. Um dos empréstimos para esse programa, de R$ 3,6 bilhões em 2012, entrou para a história do banco como o maior crédito concedido a um estado na época. Nesses contratos com o BB, a União garante 99% dos financiamentos.

Com o BNDES, a dívida é de R$ 6,9 bilhões, basicamente referentes à linha 4 do metrô e à reforma do Maracanã. O Tesouro garante 92,8% dos empréstimos. Com a Caixa, R$ 1,9 bilhão, para projetos de saneamento, entre outros, tudo com garantia da União.

Perguntado se temia inadimplência, o BNDES disse que “todas as operações com o Estado do Rio contam com garantias”. E negou que o cronograma de amortização da dívida esteja em negociação. A Caixa afirmou apenas que “os desembolsos são realizados em decorrência do desenvolvimento do empreendimento, conforme cronograma físico-financeiro vigente”. O BB informou que não se manifestaria “devido ao sigilo bancário e comercial”. Nenhum deles revelou se qualquer dos empréstimos tem alguma parcela próxima do vencimento.

O Rio tem de pagar a seus credores R$ 10 bilhões este ano: R$ 2,5 bilhões a bancos públicos, R$ 1 bilhão a organismos internacionais e R$ 6,5 bilhões à União.

Na avaliação de especialistas, a explosão do endividamento dos estados com bancos federais — salto de 1.391,8% na comparação com 2010, no caso do Rio; 568,3%, no de São Paulo; e 1.524,9%, no de Minas Gerais — reflete a política do governo federal de incentivar crédito via bancos públicos e organismos multilaterais, a fim de compensar a queda nos repasses da União. Esse movimento começou em 2009, ano seguinte à eclosão da crise financeira global, e se ampliou a partir de 2012, com forte impacto sobre as finanças públicas estaduais. O discurso oficial, à época, era fomentar investimento para enfrentar a crise.

A secretaria de Fazenda de Minas Gerais afirmou que “a opção pela instituição financeira federal se pautou pelas condições mais favoráveis oferecidas”. O governo de São Paulo não retornou o contato.

— A indução ao endividamento estadual promovida pelo governo federal falhou nos seus objetivos. Os estados mantiveram os investimentos, porém deslocaram recursos próprios antes aí aplicados para outras finalidades, como aumento da folha salarial e do custeio. Os estados já sofreriam crise por razões estruturais, como a Previdência desequilibrada e o ICMS obsoleto. Quando o país mergulhou em depressão, desabou a arrecadação. Formou-se a tempestade perfeita — avalia o especialista em contas públicas José Roberto Afonso, do Ibre/FGV e do Instituto Brasiliense de Direito Público.

Tesouro: responsabilidade do gestor

Para Raul Velloso, também especialista em finanças públicas, os empréstimos funcionaram, na prática, como um repasse indireto da União aos estados, já que o Tesouro garante a maioria dos contratos. A diferença, diz o economista, é contábil:.

— A União preferiu que esse déficit aparecesse nos estados. Na época, o governo ainda tinha que lidar com as pedaladas.

O secretário Julio Bueno também critica o governo federal:

— Não existe no mundo uma obra como o metrô do Rio sem a participação do governo federal. O que a União fez foi nos dar crédito, não entrar com dinheiro.

Procurado, o Tesouro afirmou que todas as operações foram feitas segundo as normas previstas pela Lei de Responsabilidade Fiscal, além das regras previstas em duas resoluções do Senado, de 2001. E destacou que a palavra final sobre a contratação de empréstimos deve ser de cada estado: “Deve-se ressaltar que nada substitui a responsabilidade individual do gestor público, cuja decisão de contratar envolve não somente os aspectos formais, mas, sobretudo, ótica permanente voltada à responsabilidade na gestão fiscal, em sentido amplo”.

O problema é que os estados têm pouca margem para investir do próprio bolso. De acordo com levantamento feito por Velloso e pelo assessor técnico do PSDB no Senado Pedro Jucá, o dinheiro disponível para que os governos estaduais financiem projetos com recursos do próprio caixa chegou a representar 12,7% das receitas primárias totais em 2008. Em 2014, último dado disponível, o percentual era de apenas 5,4%. A redução dessa margem, afirma Velloso, está ligada à queda da arrecadação e ao aumento de despesas com pessoal e pagamento de dívida.

mau planejamento de obras

Forma-se, então, um círculo vicioso. Quanto mais precisam investir, mais os estados se endividam, encolhendo o volume de recursos livres. A pesquisadora do Ipea Mônica Mora destaca que o problema se agrava quando se analisa a relação entre a dívida consolidada líquida — o que o estado deve menos o que ele tem em caixa e outros recursos, como aplicações financeiras — e a receita corrente líquida. Esta é a arrecadação com tributos e repasses, menos deduções previstas em lei, como transferências constitucionais.

No caso do Rio, essa razão era de 1,98 no fim de 2015. Somente Rio Grande do Sul (2,27) e Minas Gerais (1,99) estavam em situação pior. O limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal é 2.

— No refinanciamento de 1997 da dívida com a União, foi estabelecido teto de 13% para o comprometimento da receita real com o pagamento do débito. Como o que não está contemplado nessa renegociação não tem teto e o Rio teve que se adequar para a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos, a situação fiscal do estado ficou muito vulnerável — diz Mônica.

O mau planejamento das obras necessárias aos eventos, que acabaram inflando os orçamentos, também explicam o salto da dívida do Rio, diz o especialista em economia fluminense da Uerj Bruno Sobral:

— O Rio tem que recuperar a cultura do planejamento dos grandes projetos, para que os saltos nos orçamentos não levem a essa explosão do endividamento e à paralisia da máquina pública em áreas prioritárias como educação e saúde.

A linha 4 do metrô, por exemplo, tinha orçamento original de R$ 7,5 bilhões, segundo a Secretaria estadual dos Transportes. Hoje, o projeto é estimado em R$ 9,7 bilhões, considerando obras civis, infraestrutura operacional e material rodante.


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