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Experiência ‘fora do ninho’ antes da firma da família

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RIO – Foi-se o tempo em que o filho do dono aprendia sobre os negócios tocando a empresa da família. Com o processo de profissionalização das companhias familiares brasileiras, 73% dos integrantes da nova geração de sócios tiveram passagem por outras companhias antes de ingressarem na firma dos pais e avós, segundo pesquisa inédita da PwC. Na média de 31 países pesquisados, a taxa foi de 70%. Essa experiência profissional fora do ninho já é uma exigência prevista nos acordos societários de 30% das empresas dessa categoria no Brasil, segundo estimativa da consultoria especializada Werner Bornholdt.

A pesquisa também mostrou que o jovem executivo brasileiro, comparado com o restante do mundo, ingressa no negócio familiar mais jovem e em postos de menor peso. Na média dos países pesquisados, 6% começaram já no alto escalão da companhia, o que não aconteceu em nenhum dos 40 casos analisados no Brasil. Hoje, apenas 23% da nova geração brasileira atuam nessa faixa, contra 42% no mundo. Por outro lado, a presença dos brasileiros nos conselhos de administração das companhias familiares é um traço marcante do aumento da conscientização sobre governança corporativa: 53% estão nos conselhos por aqui, contra 48% no universo total de países pesquisados.

‘AMBIENTE MENOS PROTEGIDO’

No Brasil, 55% da nova geração têm entre 25 e 34 anos, contra 47% no mundo. Aqui, 30% têm entre 35 e 44 anos, próximo aos 31% da média mundial.

— Trabalhando fora da empresa da família, o jovem terá a chance de receber o feedback real sobre seu desempenho. No negócio familiar, ele nunca terá isso, pois será sempre visto como o filho do dono. O ambiente corporativo fora do seio familiar é menos protegido, permitindo que ele chegue ao negócio com capacitação maior —avaliou Wagner Teixeira, sócio da Höft, consultoria especializada na transição geracional de empresas familiares.

Camila Dias, de 47 anos, é uma das filhas de Armindo Dias, imigrante português que fundou os biscoitos Triunfo. Dias vendeu o negócio à gigante Danone em 1997, quando era a terceira maior marca do mercado e faturava estimados US$ 150 milhões ao ano. Com o dinheiro, criou em Campinas (SP) o Grupo Arcel, hoje dono do hotel Royal Palm, da rede de 11 concessionárias de veículos Tempo, entre outros negócios. Aos 83 anos, o pai segue como presidente do grupo, mas Camila e seus três irmãos ocupam diretorias. Antes de ingressar no Arcel, há quatro anos, a executiva fez MBA em Boston, nos Estados Unidos, e atuou em duas multinacionais, na própria Danone e na Motorola.

— Há alguns anos, fizemos um acordo de acionistas e ele prevê hoje regras para que as novas gerações entrem na empresa. Uma delas é a necessidade de ter experiência em outras companhias — contou Camila, que ocupa um dos sete assentos do conselho de administração do Grupo Arcel, ao lado de quatro parentes e dois conselheiros externos, outra tendência das firmas profissionalizadas.

DESAFIO PARA SUCESSÃO

Na Apsa, empresa familiar carioca que administra 85 mil imóveis por todo o país, o conselho de administração também estabeleceu a exigência de experiência em outros negócios para novos sócios. Mas o diretor executivo e neto do fundador, Fernando Schneider, de 41 anos, admite que a empresa está revendo a exigência.

— Sabemos de casos de empresas familiares em que os sócios fazem carreira própria e depois não querem voltar para a empresa da família. Aí não tem sucessão. Vemos com bons olhos a experiência externa, mas não queremos mais que isso seja definitivo — disse Schneider, que nunca trabalhou em outra empresa e atua no comando da Apsa ao lado do primo Leonardo.

Os dois são da terceira geração. Seguindo as recomendações de um consultor, a geração anterior está desde 2012 concentrada no conselho societário, fora do dia a dia da empresa e focada exclusivamente no patrimônio da família. A próxima soma 13 jovens com até 18 anos. A quarta geração tem sido o foco dos encontros anuais da família Schneider, quando se reúne em um hotel por alguns dias e promove dinâmicas de grupo e palestras sobre os desafios da sociedade familiar.

O consultor Werner Bornholdt também acredita que a carreira interna é mais valiosa do que a experiência externa, embora julgue que ela é válida em alguns casos:

— Cerca de 40% dos herdeiros não querem assumir a empresa da família pois cresceram vendo a carga enorme de trabalho e os muitos conflitos entre pais e tios. Por causa dessa resistência, defendemos que o jovem comece o mais cedo possível, já aos 15 anos, para despertar o sentimento de pertencimento à empresa.

GOVERNANÇA ENTRE PARENTES

Se as empresas familiares avançaram em termos de governança corporativa nas últimas décadas, o desafio agora é implementar a governança da própria família, afirmou Carlos Mendonça, sócio responsável pela área de empresas familiares no Brasil da PwC. Isso inclui, segundo o especialista, estipular regras bem definidas sobre quem pode trabalhar na empresa e até mesmo escolher um regime de casamento para os sócios que herdarão a empresa.

— No Brasil, somente no momento de transição as pessoas começam a olhar isso. Ninguém se prepara porque as pessoas têm dificuldade de tocar no assunto — observou.

A profissionalização da empresa familiar, que muitas vezes possui dezenas de sócios, exige a criação de uma quantidade maior de instâncias de gestão.

Segundo Wagner Teixeira, da Höft, é recomendável que as companhias criem conselhos de família, responsáveis pela preparação dos herdeiros e pela construção do legado da empresa. Esse grupo, acrescentou, deve se reunir com frequência, até uma vez ao mês, se for necessário.

Em 90% dos casos, o consultor Werner Bornholdt indica que se estabeleça um conselho societário, que ele compara a uma assembleia de acionistas em escala menor, com composição que espelhe a detenção de ações da empresa e reuniões a cada dois meses. Seu objetivo é zelar pelo patrimônio da família e indicar objetivos de longo prazo.

No conselho de administração, instância mais comuns entre as empresas, Bornholdt recomenda que pelo menos dois assentos sejam ocupados por gestores externos. Quanto a parentes no restante das vagas, ele aconselha que a escolha seja feita com base na competência e não na representatividade no capital da empresa. Outra recomendação é que haja jovens no conselho, para diversificar o olhar.

A Apsa criou o conselho de administração em 1998, mas só em 2012 criaria um conselho societário robusto e a figura do conselho de família. No conselho de administração, há quatro anos, a presidência é ocupada por um dos dois membros externos.

— Essa composição de conselho reunia as características ideais para comandar a transição para o projeto de futuro da companhia —afirmou o diretor Fernando Schneider.

Apesar de esforços como esses, a pesquisa da PwC identificou que o embate entre gerações é comum. São 33% os jovens sócios que se sentem frustrados ao buscar aceitação para suas ideia.

— A geração que está no poder sempre olha para baixo, pensando que o jovem não sabe tocar o negócio. O sistema familiar é altamente emocional — disse Mendonça, da PwC.


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