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Parlamento palestino serve de esconderijo para políticos

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RAMALLAH – No prédio do Parlamento palestino, Najat Abu Baker, legisladora da facção Fatah, fazia um discurso. Suas filhas adultas transformaram um suporte para livros com o selo do Estado palestino em mesinha. Na noite anterior, o irmão trouxera comida do KFC, cujo cheiro se misturava ao de cigarros e do forte desinfetante que Najat usara para limpar o banheiro. Um bando de funcionários ociosos, que ainda batem cartão todos os dias embora a Assembleia não se reúna há quase uma década, se instalou em poltronas, esperando por conselhos. O assunto não envolvia política, mas relacionamentos. Arrancando as folhas de ervas recém-colhidas, uma funcionária, que não quis se identificar por temer problemas, reclamou que seu marido, belo e namorador, vivia pedindo dinheiro a ela.

“Arrume uma mulher rica para o seu marido, assim ele pode lhe mandar dinheiro de vez em quando”, aconselhou Najat, que se revelou uma espécie de conselheira sentimental dos funcionários apaixonados.

“Ele diz que me ama”, a mulher insistiu, mas logo usou um tom brincalhão – mais ou menos – dizendo que faria o marido ser preso pelas forças israelenses, assim, pelo menos, ela não teria de pagar as refeições dele. A funcionária e a deputada caíram na gargalhada.

E assim foi durante 17 dias, enquanto Najat se escondia no prédio legislativo abandonado para não ser presa pelo próprio governo. Convocada pelos promotores por conta de supostas acusações de que teria insultado o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, ela procurou refúgio no prédio de três andares, que se tornou um exemplo de como a política palestina não funciona.

O Parlamento com 132 membros foi extinto em 2007 após uma divisão entre o Fatah, que domina a Autoridade Palestina e a Organização para a Libertação da Palestina, e o Hamas, a fação islâmica que governa a Faixa de Gaza. Contudo existem três prédios do Legislativo: um aqui em Ramallah, a sede da Autoridade Palestina, outro na Faixa de Gaza, onde deputados do Hamas ocasionalmente tomam decisões cuja legalidade é dúbia, e outro semiconstruído em Abu Dis, nos arredores de Jerusalém, antes imaginada como a capital do futuro Estado independente da Palestina.

“Onde mais no mundo uma parlamentar que, ao fazer seu trabalho denunciando a corrupção, se torna prisioneira, enquanto os corruptos estão livres?”, questionou Najat durante entrevista. “É doloroso estar aqui assim. Este é um lugar que deveria estar cheio de diálogo, pessoas, justiça, não um lugar de detenção para uma parlamentar.”

Ela saiu do prédio após fechar um acordo com os promotores para evitar sua prisão. Najat está entre os quarto deputados palestinos que passaram por problemas e se esconderam no que é visto como um espaço protegido onde as forças de segurança, palestinas ou israelenses, não podem entrar.

A funcionária que se queixou do marido namorador disse que 400 pessoas recebiam salários por empregos ligados ao Parlamento na Cisjordânia e em Gaza, 120 das quais empregadas no grande prédio de Ramallah. Às vezes, eles recebem delegações estrangeiras, mais recentemente um grupo de deputados poloneses, em visitas oficiais.

Uma funcionária de nome Haifa, que não quis dar o sobrenome por não estar autorizada a conversar com jornalistas, descreveu sua rotina diária.

“Eu me sento aqui. Entro no Facebook. Leio o noticiário”, contou Haifa, de 32 anos. Ela faz algum tipo de trabalho? Deu de ombros: “Às vezes, passo faxes”.

Ela disse que não gosta de ficar tão ociosa, mas não podia largar um emprego com salário quando precisava de dinheiro para sustentar os pais. Em fevereiro, legisladores palestinos se reuniram no edifício para discutir a greve dos professores. Antes disso? Haifa penou para se lembrar. Talvez no ano passado?

Tem sido mais ou menos assim desde 2007, um ano depois que o Hamas ganhou a maioria dos assentos nas últimas eleições legislativas palestinas. O governo de união formado pelo Hamas e pelo Fatah se dividiu, seguido por um conflito violento no qual o Hamas tomou o controle de Gaza. Desde então, Abbas tem governado basicamente por decreto.

“O presidente deveria sair sem tumultos” e marcar novas eleições, disse Najat durante entrevista, ecoando seu discurso polêmico aos professores. Ela também descreveu o primeiro-ministro, Rami Hamdallah, como um “ditador” que não suporta críticas.

Najat cresceu em uma família abastada de comerciantes. As filhas contaram que ela era uma garota inteligente e rebelde que jogava pedras nos soldados israelenses e entrou para o Fatah na adolescência. Ela mentiu para o pai sobre estudar em um seminário muçulmano em Hebron e, em vez disso, frequentou a Universidade Najah, onde se formou em Ciências Políticas.

Ela se casou contra a vontade dos pais, depois se separou do marido também os contrariando. Ela foi eleita em 2005 para representar Nablus, parte da cota do Fatah para deputadas, depois de trabalhar na Autoridade Palestina, em um departamento de controle de qualidade, multando comerciantes por venderem produtos vencidos e anti-higiênicos.

“Eu era a filha do Fatah. Agora, digo que sou uma filha da Palestina.”

Najat deixou a vigília no Parlamento em dez de março e foi escoltada à Promotoria Pública, que concordara em cancelar o mandado de prisão. O prédio voltou à tranquilidade habitual.

Até a semana seguinte, na verdade, quando 600 mulheres se reuniram do lado de fora acenando com bandeiras palestinas e pedindo o fim da amarga divisão entre Hamas e Fatah, o que poderia restaurar o papel do Parlamento. Em pé na escada do prédio legislativo, supervisionando a cena, estava Najat.


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