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Único bar gay de Jerusalém tem convivência étnica pacífica

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JERUSALÉM – Quando a festa ao som de músicas em árabe e hebraico termina, Aarón e Ahmed seguem para lados opostos da cidade. O judeu israelense e o palestino são dois dos frequentadores do único bar gay de Jerusalém, uma cidade sem muros, mas com fortes marcas das diferenças entre árabes e judeus. No bar Video, essas diferenças parecem ficar do lado de fora.

Nascido nos Estados Unidos, Aarón emigrou para Israel há quatro anos e tem dois passaportes, enquanto Ahmed mora na Cidade Velha de Jerusalém e precisa de diversos procedimentos burocráticos para viajar ao exterior, uma vez que não pode tirar passaporte.

— É fascinante ver e ouvir as histórias. Alguns viveram enrustidos por toda vida até chegar aqui e ainda enfrentam os problemas do Oriente Médio — diz o canadense Benjamin Morgan, que faz intercâmbio em Jerusalém.

Essas diferentes realidades se encontram há cinco anos no pub. Todos os dias, o Video abre as portas dos quatro ambientes apertados numa construção de pedras de mais de cem anos. O bar parece reunir todos: judeus, cristãos, muçulmanos, etíopes, drusos, turistas e estrangeiros que vivem ou trabalham em Jerusalém.

— A falta de espaço faz com que as pessoas tenham mais contato ainda — afirma, rindo, Oren Levi, de 23 anos, que de frequentador passou a trabalhar nas noites de apresentações.

Igreja como vizinha

Não há identificação do bar nem bandeira gay do lado de fora. Porém, com o movimento no Video, outras casas noturnas foram atraídas para a região, a poucos minutos da Cidade Velha, onde estão o Santo Sepulcro, o Muro das Lamentações e a Esplanada das Mesquitas.

— Não me sinto confortável na cidade onde moro, Beit Shemesh (entre Jerusalém e Tel Aviv). Meus pais não têm problemas comigo por ser gay. Só que cresci numa casa onde nunca falamos sobre as diferenças do país. Só fui ter este diálogo aqui — confessa Binyamin Berman, de 18 anos.

Quem passa pela rua nem percebe a animação no prédio vizinho a uma pequena igreja ortodoxa. Os religiosos e os frequentadores do bar, a quase todo momento, se encontram nas escadas e corredores rodeados de metais e tubos. Afirmam nunca entrar em atrito. Talvez esta seja a única referência à religião.

É neste ambiente que um morador do Monte das Oliveiras, na parte árabe de Jerusalém, chega.

— Talvez, um dia, eu ache um namorado aqui e não importa de onde ele venha! — afirma Khaled Alkam, 33, que trabalha num hospital para soldados israelenses.

Quando os frequentadores se apresentam na paquera, logo fica claro quem é judeu, cristão, muçulmano ou sem religião. Ahmed e Aarón não sentem atração sexual um pelo outro, mas consideram importante o fato de poderem se encontrar, saber o que o outro pensa.

Já para um palestino católico, de 48 anos, que prefere ser identificado como Elias, Jerusalém está se tornando mais religiosa apesar da conexão promovida por lugares como o Video ou ONGs que apoiam homossexuais. O palestino, morador de Jerusalém Oriental, se lembra de outros três bares que fecharam nos últimos anos.

— Mas é bom ver que não enfraquecemos num todo — conta.

O Video tem atraído também quem não é homossexual. Moritz Zachhuber, 19 anos, destaca a boa música e chegou a tocar lá como DJ. Para ele, a atmosfera é melhor do que em Tel Aviv. Os três donos também não são gays.

— Percebi que, além de ser um bom negócio, eu iria me divertir — explica Avi Goldberger, um dos sócios.

Avi chegou a pensar que poderia ser alvo de ataques. Por isso, tomou medidas de segurança, como câmeras.

— Felizmente, foi tudo desnecessário. A mistura de diferentes pessoas só tem crescido. É fácil encontrar rabinos, padres, outros religiosos e políticos ferrenhos que pregam outro tipo de moral pelas ruas — detalha.

Ahmed, de 23 anos, participou da seleção para interpretar um garoto que mora na cidade palestina de Ramallah e conhece um rapaz de Tel Aviv. Porém, estudante de arquitetura, preferiu não se expor no cinema.

— E acabei virando frequentador do Video, onde as coisas acontecem na vida real! Aqui você é gay e não religioso, você retira as outras identidades — completa o palestino.

Reação a facadas em parada gay

Tal Ninyo, de 27 anos, estuda cinema e é bartender em algumas noites. Ele começou a trabalhar no local após as facadas contra os participantes da Parada Gay de Jerusalém, em 2015.

— O mais curioso aqui é que tudo acontece sem a chamada normalização. Estamos cientes de que a política está deteriorada. Só queremos um momento para relaxar, pensar que o diálogo pode ser possível — desabafa.

Um jovem palestino afirma bater todos os recordes contra estereótipos. Ele é policial em Ramallah e, em noites de shows, se veste de drag queen. Rami não tem vergonha de se identificar, mas quer começar a se tornar conhecido pelo nome da drag que vive: Supernova, sempre indicando com as mãos que o nome significa uma explosão.

Há dois anos, Jerusalém começou a ter apresentação de drag queens e drag kings. Os shows têm batido na questão política com cartazes, músicas criticando governantes, não só na questão entre palestinos e israelenses, mas também de medidas duvidosas tomadas pelos ministérios da Educação e da Defesa.

Yossale veio de um ambiente religioso ultraconservador. Nervoso porque o show está prestes a começar, explica que foi mais fácil se abrir com a mãe.

— Não é fácil, mas eu amo ser drag, especificamente aqui, porque é uma cidade que todos estão buscando. As pessoas vêm para conhecer o Domo da Rocha e acabam se surpreendendo conosco no palco!


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