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Miséria e sofrimento em um campo de refugiados grego

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IDOMENI, GRÉCIA — A família de Taha al-Ahmad está dormindo na lama. Sua filha mais nova, de um ano, está deitada sobre cobertores molhados, tossindo dentro de uma tenda encharcada. Chove há dias. Os banheiros portáteis estão transbordando. Os homens queimam lenha para se aquecer. Um drone circula acima de suas cabeças. Caminhões da televisão mostram imagens da miséria para o mundo.

O acampamento de fronteira, improvisado e degradado, hoje com 12 mil refugiados, é uma sala de espera trancada para entrar no resto da Europa. Al-Ahmad, há apenas duas semanas fora da Síria, não entende por que sua família não pode cruzar a fronteira com a Macedônia — a cerca de 110 metros – e continuar até a Alemanha. Centenas de milhares de migrantes conseguiram no ano passado, mas agora a Macedônia está bloqueada. A porta da Europa está se fechando.

— Estou em um alto grau de miséria — contou al-Ahmad, falando no parco inglês que aprendeu na Síria, enquanto nossos sapatos afundavam na lama. — Pergunto para meus amigos na Alemanha e na Turquia: “O que está acontecendo? Contem-me”. Não sabemos o que acontece lá fora.

Para al-Ahmad, “lá fora” é o mundo da política e das leis além da miséria do campo de Idomeni. Ali, os refugiados existem em uma animação suspensa decrépita. As doenças se espalham. Velhinhas dormem ao lado dos trilhos do trem.

— Impossível — afirmou al-Ahmad, surpreso com a sugestão de que sua família, que fugiu da guerra na Síria, atravessou a Turquia e pagou um contrabandista para chegar à Grécia em uma jangada, possa ser forçada a voltar. — Não consigo aceitar essa ideia.

Por enquanto, Idomeni é um portão fechado, onde os refugiados esperam ansiosamente, desejando que a fronteira reabra. A Grécia, quase falida, está correndo o risco de se tornar uma prisão de refugiados, com mais de 44 mil pessoas em acampamentos no país, um número que cresce todos os dias, enquanto grupos de ajuda alertam para uma potencial crise humanitária no verão.

EMERGÊNCIA HUMANITÁRIA

Autoridades gregas advertem que os refugiados podem ficar retidos no país por dois anos. Tantos estão trancados no porto de Pireu, perto de Atenas, que os terminais de passageiros — – onde normalmente os turistas esperam pelas balsas para ir às ilhas — estão repletos de sírios e outros que dormem por ali.

A questão é quando a frustração vai explodir: se do lado dos gregos, amargurados pela crise econômica, ou dos refugiados, irritados por estarem trancados.

— Não dá para imaginar isso acontecendo na Europa — disse Babar Baloch, porta-voz do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, dias antes em Idomeni. — Esta é uma emergência humanitária.

Antes que a migração sobrecarregasse a Europa no ano passado, Idomeni era uma pequena vila com 154 pessoas no último censo, do outro lado da fronteira do Flamingo Casino, cujas luzes chamam os gregos para uma noite de jogos de azar. De vez em quando, um trem de carga fazia tremer os trilhos. Mas a rota da ferrovia para o Norte logo atraiu os refugiados que se dirigiam à Áustria e à Alemanha. Para lidar com a ofensiva, as autoridades e grupos de apoio montaram um centro de trânsito rudimentar em setembro. Mais de 507 mil migrantes passaram por ali nas 12 semanas seguintes.

Irritados, países dos Bálcãs logo começaram a construir cercas e filtrar os refugiados. No meio de novembro, a Sérvia tinha peneirado uma lista de aprovados para os afegãos, iraquianos e sírios, e a Macedônia rapidamente fez o mesmo, deixando os proscritos encalhados na Grécia. Então, em 22 de fevereiro, oficiais da Macedônia bloquearam os afegãos e reduziram a quantidade diária de sírios e iraquianos.

Idomeni transbordou. No começo de março, as multidões chegaram a 12 mil pessoas. Na manhã em que conversei com al-Ahmad, a Macedônia havia oficialmente fechado as fronteiras, mas poucos refugiados entenderam o que estava acontecendo. Era difícil conseguir alguma informação verdadeira. Encontrei um grupo de famílias afegãs vivendo em um aglomerado de tendas ensopadas. Um homem chamado Zalmas Ghulam Haider conseguiu um cartão de identificação por trabalhar como tradutor para o Exército americano.

— Agora a América foi embora. Meu negócio com o Exército terminou — contou ele.

Ele disse que fugiu com a mulher e os filhos porque os homens do Talibã queriam matá-lo por ter colaborado com os americanos. Ele não pode entender por que os afegãos não se qualificam mais como refugiados.

— No Afeganistão, tudo ruim.

Contrabandistas prometem fazer com que as pessoas atravessem as fronteiras, mas médicos dizem que os que tentam com frequência voltam depois de ser duramente espancados pela polícia do lado macedônio. A higiene no local é terrível. Casos de hepatite A foram detectados recentemente. Várias mulheres tiveram filhos no hospital local e logo depois voltaram para o acampamento imundo. Uma foto de um recém-nascido sendo lavado com água mineral viralizou nas redes sociais, causando indignação.

— A Europa tem capacidade para lidar com isso. Normalmente, os campos de refugiados são montados em países do terceiro mundo porque eles não têm condições. Estes acampamentos são puramente o resultado de decisões políticas — afirma Tomislav Gijatiz, médico que trabalha em Idomeni com o grupo Médicos Sem Fronteiras.

RESPOSTA DOS GREGOS COMUNS

“O que você quer dizer com ‘um sistema’?” Anetta Karathanasi achou divertido o fato de eu pensar que alguém estava organizando os refugiados que saíam das balsas matutinas que chegavam ao porto de Pireu vindas das ilhas gregas. Eu havia chegado cedo enquanto os refugiados desembarcavam da balsa da ilha de Lesbos. Na escuridão da madrugada, centenas de pessoas esperavam na chuva, tontas e confusas, enquanto poucos jovens gregos distribuíam ponchos rosa. Outros refugiados marcharam em direção ao Terminal de Passageiros 5 — mas vários deles estavam dormindo por ali.

No último verão, Anetta foi passar férias na ilha de Samos e ficou surpresa ao encontrar refugiados dormindo nas ruas. Ela começou uma página no Facebook, Help Samos Refugies (Ajude os Refugiados de Samos), e dinheiro e voluntários inesperadamente começaram a aparecer. Ela se juntou a outros voluntários gregos no Pireus para formar uma espécie de comitê de boas-vindas aos refugiados.

— Corremos de terminal a terminal com leite e chá — contou ela.

Organizações de apoio agora entregam refeições, embora às vezes haja falhas de programação.

— Nessa hora ligamos para dez mães e dez avós.

Assim como muitos alemães comuns que se reuniram para ajudar os refugiados no ano passado (mesmo depois que sua chegada desencadeou uma reação), os gregos também responderam. Em Idomeni, um idoso estacionou o carro e distribuiu doces, comida e fraldas. Uma manifestação pró- refugiados em Atenas conseguiu uma avalanche de doações em uma cidade onde muitas pessoas perderam seus empregos.

Terapeuta ocupacional, Anetta diz que seu trabalho mais difícil é persuadir os refugiados a esquecer de Idomeni e se abrigar em um dos acampamentos do governo pela Grécia.

— Eles acham que os campos são centros de detenção. Saem dos acampamentos e voltam para o porto.

Ainda não eram 7h quando segui Anetta até o Terminal de Passageiros 3. Famílias estavam espalhadas pelo chão enquanto a polícia levava dois refugiados para a estação. Estavam preenchendo uma reclamação contra uma agência de viagens que lhes vendeu passagens de ônibus para Idomeni, mas o ônibus não existia.

Lá dentro, uma avó com um lenço na cabeça balançava uma criança que chorava enquanto outras brincavam com uma casa de bonecas doada. Fui andando por entre as pessoas no chão, e um homem olhou para cima. Doutor?”, ele me perguntou, mostrando sua perna descuidadamente envolta em gaze. Outro homem mostrou o tornozelo muito inchado. Uma jovem com os olhos avermelhados segurava um bebê sob um cobertor.

— Onde está o médico? — perguntou.

Atordoado, sentei-me no chão do lado de uma mulher vestida de burca que cuidadosamente dobrava a roupa de seus filhos. Ela fugiu da cidade Síria devastada de Aleppo com o marido e seis filhos. Sabia que a fronteira da Macedônia estava fechada, mas não ligou.

— Vou para a Alemanha. Para salvar meus filhos — disse em um inglês ruim.


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