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Guerra Fria ressurge no Mar Báltico

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KALININGRADO, Rússia – O museu marítimo dessa área russa no Mar Báltico fica cheio todos os anos com a Assembleia Internacional da Água, uma parada que reúne embarcações históricas de toda a região, tripuladas por marinheiros com roupas de época navegando nas águas do Rio Pregolya. Mas, este ano, segundo a diretora-fundadora do Museu Mundial do Oceano de Kaliningrado, Svetlana Sivkova, participantes que sempre vinham da Lituânia e da Polônia ameaçaram ficar em casa.

— Eles disseram que não poderiam vir porque poloneses e lituanos estão apanhando nas ruas de Kaliningrado — disse Svetlana, que está assustada com o que afirma ser uma mudança brusca e inesperada nos ânimos. — Estamos falando de pessoas inteligentes e bem formadas. Essa é uma propaganda terrível. Precisamos explicar que isso não é verdade, que somos pessoas abertas.

Kaliningrado — tanto a cidade, quanto a região de mesmo nome — era o coração da Prússia Oriental e um reduto alemão por 500 anos, antes que o Exército Vermelho tomasse a cidade do Terceiro Reich em 1945. Nos primeiros 25 anos desde o colapso da União Soviética, Moscou trabalhou duro para que Kaliningrado perdesse a reputação de uma área armada e fechada aos estrangeiros.

Atualmente, o Kremlin parece determinado a fazer exatamente o contrário, e autoridades militares ocidentais veem o Mar Báltico como uma das principais áreas de conflito com o ressurgimento das tensões entre Ocidente e Oriente. Um dos incidentes mais graves dos últimos anos ocorreu no dia 12 de abril, a cerca de 130 quilômetros de Kaliningrado, onde dois aviões russos Su-24 passaram perto do destróier norte-americano Donald Cook, simulando um ataque. Um dos aviões rugiu a apenas 9 metros da embarcação, de acordo com autoridades do Pentágono, levando a protestos em Washington.

Logo após o fim da União Soviética, Moscou tentou transformar Kaliningrado, que fica a pouco mais de 322 quilômetros da Rússia, em uma espécie de zona franca como Hong Kong. Fábricas de carros, produtos eletrônicos e móveis surgiram aos montes. Depois que o governo da província negociou viagens sem necessidade de visto para áreas na fronteira com a Polônia, um outlet da Ikea em Gdansk se tornou praticamente uma colônia russa.

— Mais pessoas iam à Europa do que para a Rússia — afirmou Ilya Shumanov, representante local da Transparência Internacional, uma organização anticorrupção com sede em Berlim.

Contudo, nos último anos Moscou encheu Kaliningrado de armas pesadas, de acordo com analistas, equipando bases secretas com o avançado sistema de mísseis antiaéreos S-400, além de mísseis móveis terra-mar. A Rússia também realizou manobras militares com o uso de Iskanders, um míssil balístico de curto alcance capaz de carregar ogivas nucleares.

Durante um depoimento no congresso americano em fevereiro, o General Philip Breedlove, comandante da Otan, descreveu Kaliningrado como uma “propriedade fortemente armada” e uma “bolha completa” capaz de impedir ataques por ar, terra e mar. Com as recentes incursões militares russas na Crimeia, no leste da Ucrânia, e na Síria, o Presidente Vladimir Putin fez o mundo todo se perguntar onde mais seu governo vai interferir.

‘Equilíbrio geral é negativo para a Otan’

Em vista de sua política de salvaguardar populações de etnia russa que foram separadas da pátria após o fim da União Soviética, muitos temem que o próximo alvo sejam os Estados bálticos: Estônia, Letônia e Lituânia — todas as três ex-repúblicas soviéticas e atuais membros da União Europeia e da OTAN.

Um ataque contra esses países faria entrar em ação o tratado de defesa mútua dos países da Otan. Qualquer tentativa de defender essas nações exigira a passagem por Kaliningrado, incrustado entre a Polônia e a Lituânia.

Nos poucos conflitos em que a Otan interveio, a organização sempre demonstrou uma enorme força, mas em Kaliningrado a situação poderia ser diferente.

— O equilíbrio geral é bem negativo para a otan — afirmou David A. Shlapak, principal autor do novo estudo da RAND Corp. sobre os países bálticos.

Os russos da região concordam, embora não acreditem na possibilidade de uma guerra. Em Baltiysk, lar da Frota Báltica e do posto militar mais ocidental da Rússia, pescadores grisalhos se alinhavam à beira do mar, ignorando as corvetas modernas que singravam.

As forças da Otan que resolverem atacar Kaliningrado “sairão com os dentes quebrados”, afirmou um pescador mal encarado. Veterano da marinha, ele estava aos pés de um símbolo do poder e da glória da Rússia: uma gigantesca estátua equestre da Imperatriz Elizabeth Petrovna voltada para o Ocidente.

Os habitantes de Kaliningrado, observando as forças se aproximando cada vez mais da Rússia nos últimos anos, geralmente parecem apoiar o reforço militar.

— Se você é meu vizinho e fica lá sentado com um machado nas mãos, eu também vou pegar meu machado. Isso é estúpido, mas muita gente anda dizendo que armas foram trazidas pela fronteira russa, então é preciso ter alguma paridade — afirmou Svetlana, a diretora do museu.

Ainda assim, as pessoas afirmam que ver a cidade como uma fortaleza russa causa muita confusão. No centro de Kaliningrado, o Vorota Cafe e uma galeria enchem o Portão Sackheim, que sobrou dos muros neo-góticos construídos no século XVII. Partes da cidade ainda se parecem com a Alemanha, incluindo alguns subúrbios cheios de casas ao estilo Grunderzeit.

Os jovens donos do café queriam um espaço artístico como os de Amsterdã e Berlim e ficaram surpresos com uma pergunta sobre o novo conflito entre Ocidente e Oriente.

— Essa é uma pergunta estranha, porque nos vemos como uma ponte, não como uma zona de conflito — afirmou Eugene Makarkhin, um engenheiro de computadores de 26 anos.

Ainda assim, é possível perceber o resultado da deterioração das relações entre a Rússia e o Ocidente em toda Kaliningrado.

A BMW, uma das principais empregadoras da província, abriu mão dos recentes planos de expansão em vista da queda de 40 por cento na venda de veículos na Rússia. A ajuda econômica dada pela Suécia foi interrompida depois de décadas e os intercâmbios culturais foram limitados.

Até a crise da Ucrânia, a flotilha mais perigosa que havia saído de Kaliningrado em direção à Suécia era o esgoto não tratado jogado no Mar Báltico.

– Kaliningrado é um dos últimos pontos de conflito — afirmou Anna Tufvesson, coordenadora regional de projetos ambientais da Agência Sueca de Cooperação para o Desenvolvimento Internacional.

Kaliningrado, lar de quase metade do um milhão de habitantes da província, foi a última grande cidade báltica sem uma estação de tratamento de água moderna. A Suécia ajudou a cidade a construir 30 estações no sul da região báltica desde o colapso da União Soviética. O sistema alemão de Kaliningrado, construído em 1928 e ainda em uso, filtrava apenas bicicletas velhas, cachorros mortos e quase nada mais, afirmou Anna.

A estação de tratamento de esgoto moderna deve entrar em operação até o fim de 2016, depois de anos de atrasos. Anna espera que toda a ajuda econômica sueca seja interrompida em 2018.

A ajuda é mais uma das vítimas das penalidades econômicas impostas após o conflito na Ucrânia. As sanções também proibiram empréstimos por parte dos bancos de desenvolvimento europeus.

— A cooperação com os países europeus foi uma boa fonte de dinheiro barato e agora não temos mais essa possibilidade. Graças às sanções, os projetos estão congelados — disse Alexander N. Ivaschenko, responsável pela rede de abastecimento de água de Kaliningrado.

Os confrontos estão dando fim à cooperação. Putin alimentou as preocupações do Ocidente em relação a um conflito báltico ao ordenar a realização de exercícios militares no noroeste da Rússia, em violação deliberada do espaço aéreo da OTAN. Embora as autoridades militares e especialistas de ambos os lados afirmem que uma guerra seja improvável, planos de contingência continuam a ser realizados. A Suécia e a Finlândia, vizinhas da Rússia que já juraram neutralidade, estão começando a pensar no impensável prospecto de se unirem à OTAN.

O rublo desvalorizado fez os russos pararem de comprar na Polônia ou de ir a shows na Lituânia. Agora eles não se sentam bem vindos.

Albert Prokhorchuk, diretor-geral da Baltma Tours, que no ano passado perdeu cerca de 25 por cento dos visitantes vindos da Alemanha, afirmou: — Se você ouve o noticiário da Letônia ou da Lituânia, dá vontade de rir. O presidente da Lituânia anda dizendo que as pessoas têm que se esconder nos porões porque os russos estão chegando.


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