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Espanha: Justiça mira organização anticorrupção por extorsão

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MADRI – A princesa Cristina poderia se livrar de seus problemas com a Justiça espanhola. Depende exclusivamente do autoproclamado “sindicato” Mãos Limpas, que é a única parte na ação popular contra a irmã do rei Felipe VI. O líder da associação, Miguel Bernard, foi preso há uma semana, sem direito a fiança, por extorsão, ameaça e formação de organização criminosa. Estaria chantageando, indiretamente, a irmã do monarca espanhol: queria € 3 milhões em troca de retirar a denúncia. Cristina foi indiciada por crimes fiscais num escândalo de corrupção do qual seu marido, Iñaki Urdangarín, é o protagonista, mas não renunciou aos seus direitos dinásticos: é a sexta na linha de sucessão ao trono. No entanto, segundo as investigações, o que ocorreu com a princesa não é caso isolado.

Bernard estaria “com o moral arrasado”, segundo uma matéria exclusiva do “El País”, e, por isso, teria comentado a pessoas próximas sua vontade de fechar a organização e retirar todas as acusações que tramitam atualmente nos tribunais espanhóis. Não são poucas. O Mãos Limpas, com um discurso de combate implacável à corrupção, é uma máquina de produzir queixas-crime: cerca de 80 por ano. Assim tem sido nas últimas duas décadas. Seu afã justiceiro, no entanto, esconderia uma trama baseada em extorsões.

— Se o Mãos Limpas mantiver a denúncia, o julgamento da princesa segue seu curso normal. Ainda há muito caminho pela frente até que Miguel Bernard seja julgado — explica Laura Pozuelo, professora de Direito Penal da Universidade Autônoma de Madri.

Extorsão a bancos

Bernard, que afirmou recentemente que “a corrupção na Espanha é um câncer com metástase”, estaria mancomunado com o advogado Luis Pineda, presidente da Associação de Usuários de Serviços Bancários (Ausbanc). Pineda também foi preso e sobre ele recaem as mesmas acusações, além de fraude e administração desleal. O Mãos Limpas e a Ausbanc são entidades, teoricamente, sem fins lucrativos. No entanto, nos últimos cinco anos, a organização de Pineda teria embolsado € 7,1 milhões, supostamente cobrados por anúncios em suas revistas corporativas — fórmula, segundo as denúncias, adotada para encobrir as extorsões.

Bernard, de 74 anos, e Pineda, de 53, fariam parte, há anos, de uma trama que conta com ramificações internacionais na Colômbia, na Venezuela e nos Estados Unidos, dedicada a achacar bancos em troca de não iniciar ou de arquivar ações penais contra eles, ou terceiros, e, também, de não difundir informações negativas. Estes são os indícios recolhidos pelo Ministério Público. Durante as investigações, surgiram sinais de pressão contra implicados em vários escândalos de corrupção.

— Isso é uma grande montagem das cloacas do Estado — defendeu-se Bernard numa entrevista ao “El País”, referindo-se às acusações. — Não digeriram o assunto (indiciamento) da princesa. Estavam se preparando para agir contra nós.

No caso da irmã do rei da Espanha, a chantagem foi denunciada por Miguel Roca, advogado da princesa. Segundo o jornal digital “El Español”, fontes policiais afirmam que, nas negociações iniciais, o valor pedido era de € 10 milhões. O jornal ainda ressalta que, de acordo com o advogado, a princesa não foi informada da chantagem, sobre a qual teria ficado sabendo pela imprensa.

Bandeiras de ultradireita

Mas a corrupção não é a única bandeira do Mãos Limpas, cujo líder já fora indiciado em 2013 por chantagem e fraude. Contrário ao aborto e defensor da pena de morte, o ultradireitista Bernard declarou recentemente que tudo o que fez “foi pela Espanha”. Sua mira é especialmente intolerante com os movimentos separatistas, o laicismo e os gays.

— O Mãos Limpas tem uma linha ideológica de extrema-direita e muitas de suas ações são questionadas. Mas quando a Justiça admite a trâmite uma queixa-crime, inicia um procedimento judicial e acaba com uma sentença firme, as práticas boas ou ruins do Mãos Limpas não afetam. Se há matéria penal, há matéria penal, independente de quem faz a acusação — explica Pozuelo.

Muitas de suas denúncias são arquivadas, como a que acusava a Televisão Espanhola (TVE) de “transgredir o direito de honra e privacidade dos menores” ao emitir um capítulo do programa infantil Los Lunnis, no qual duas “marionetes do mesmo sexo” se casavam. Ou como a queixa-crime apresentada contra os indignados do Movimento 15 de maio de 2011 por “associação ilícita”.

Outras, se transformam em uma espécie de obsessão. Desde 1997, por exemplo, o Manos Limpias apresentou 17 queixas-crimes contra o juiz Baltazar Garzón, todas elas rejeitadas pela Justiça. Em 2009, no entanto, conseguiu que uma acusação — por prevaricação por investigar os crimes franquistas – contra o midiático magistrado fosse admitida a trâmite. O tiro acabou saindo pela culatra. Garzón foi absolvido, por maioria, pelo Tribunal Supremo, e o Mãos Limpas passou a ser observado com mais atenção.


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