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Deposição de armas se torna entrave em acordo de paz com as Farc

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O esperado acordo de paz entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que encerraria meio século de confronto armado, ficou para depois. Passada a data — 23 de março — anunciada em setembro pelo líder das Farc, Rodrigo Londoño Echeverri, o Timochenko, analistas agora tentam explicar o que está dando errado. O grande impasse é em relação ao quinto e último ponto das negociações, que inclui a desmobilização e a entrega das armas por parte dos guerrilheiros. Enquanto o governo de Juan Manuel Santos exige uma data precisa para o desarmamento final, a guerrilha dá apenas o dia de início: 31 de dezembro deste ano.

— Apesar de haver declarado o cessar unilateral de fogo e de hostilidades, as Farc continuam intimidando, perseguindo e extorquindo. Além disso, impõem sua agenda e manipulam recorrentemente o governo — explica Vicente Torrijos, professor de Ciência Política da Universidade do Rosário. — Sim, as Farc acabarão assinando um acordo. Mas só o farão quando o governo concordar com todas suas pretensões, o que ele vem fazendo para preservar o diálogo como seu grande ganho histórico. Precisamente, por essa delicada equação, haverá um acordo. Mas não será um acordo de paz.

Na semana passada, o secretário de Estado americano, John Kerry, teve um “histórico encontro” com as Farc, em Havana, onde o acordo está sendo negociado. “A paz da Colômbia avança”, comemorou no Twitter o chefe da equipe negociadora dos rebeldes, Iván Márquez. Mas parte da população ainda rejeita o processo. A última pesquisa mostra que 57% dos colombianos estão céticos sobre o sucesso das negociações e 70% culpam Juan Manuel Santos, visto por muitos como um presidente complacente com a guerrilha. A desconfiança é, para analistas, uma das sequelas mais profundas do conflito, que matou 200 mil pessoas, 80% civis, e fez milhões de refugiados internos.

— Depois de tanto tempo, depois de tanto esforço, se as negociações de paz não chegarem ao fim dia 23 de março pois que se marque outra data: não quero oferecer ao povo colombiano um acordo fraco só para cumprir prazos — justificou o presidente colombiano, ao anunciar que o acerto não seria alcançado na data prevista.

No começo do ano, as Farc se dividiram com relação ao último passo a ser dado. Trata-se do ponto que trata do desarmamento, do destino físico dos guerrilheiros condenados e do que será feito das áreas hoje em poder das Farc. Recentemente, a Organização dos Estados Americanos (OEA) pediu garantias de segurança aos desmobilizados no processo de reintegração — ou seja, para ex-combatentes em geral. Em seu último informe, o presidente geral da organização, expressou sua preocupação após mais de 3.500 mortes violentas registradas.

— Isso indica que estamos frente a uma população altamente vulnerável — disse ao GLOBO Roberto Menéndez, chefe da Missão de Apoio ao processo de paz na Colômbia. — Deixar as armas colocará em estado de vulnerabilidade integrantes das Farc e do ELN (Exército de Libertação Nacional), o que mostra a necessidade de um esquema de segurança que abarque não apenas a proteção, mas especialmente a prevenção. Deverá ser parte de um mecanismo mais amplo que garanta, de maneira oportuna e eficaz, os direitos das vítimas, defensores de direitos humanos, líderes comunitários e sociais e a população em geral.

ELN E FARC REPARTEM FUNÇÕES

A desconfiança é, segundo analistas, uma das sequelas mais profundas do longo conflito, que vitimou quase um quarto de milhão de pessoas, 80% delas civis, e fez milhões de refugiados internos, tornando o país um dos três com mais refugiados internos do mundo, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os refugiados (Acnur).

— Para tentar reverter essa situação, é preciso, como questão inicial, conhecer e entender este fenômeno em um contexto em que os danos pós-traumáticos são generalizados. É necessária dar uma leitura correta, dimensionada e contextualizada da realidade colombiana, e estabelecer uma política institucional e social para sua abordagem — acredita Menéndez.

Outro entrave é a atuação do Exército de Libertação Nacional. Especialistas afirmam que as guerrilhas estão repartindo funções, como narcotráfico, mineração ilegal, sequestros e extorsões, para que, no pós-conflito possam cumprir antigos objetivos em comum.

O presidente, que mantém diálogos preliminares de paz com o ELN, já advertiu, em várias oportunidades, que a guerrilha não pode sentar na mesa de negociações enquanto mantiver reféns. A resposta veio na semana passada, quando o grupo libertou um funcionário público sequestrado em setembro de 2015.

— É uma inteligente associação simbiótica que agiliza o cumprimento dos objetivos previstos. Ao fim e ao cabo, a negociação com o governo, incluída aqui a violência como mecanismo de pressão sistemática, não é mais que uma ferramenta da luta revolucionária das Farc-ELN.


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