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Celeiro de terroristas luta contra estigmaa muçulmanos

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BRUXELAS — Molenbeek, o distrito de Bruxelas onde se refugiaram radicais islâmicos envolvidos em vários atentados na Europa, luta para se reerguer. O ataque terrorista na capital belga, que matou 31 pessoas e deixou mais de 270 feridos, reforçou o estigma contra muçulmanos e a fama de “ninho de terroristas” — expressão do próprio primeiro-ministro da Bélgica. Um peso insuportável para muitos moradores honestos que não têm meios para sair dali:

— Não aguento mais. Se tivesse dinheiro, iria para qualquer outro país, até para a China. Não importa, desde que seja um lugar tranquilo — desabafou Karim, belga-marroquino nascido no distrito, que sobrevive vendendo e comprando carros velhos.

Nousa Naciri, 54 anos, marroquina radicada há 29 anos em Molenbeek, concorda:

— Isso aqui é um gueto. Se tivesse os meios financeiros, não viveria aqui. Não temos segurança.

Mãe separada com três filhos, Nousa cobriu a cabeça com o véu islâmico e saiu às ruas “para mostrar que sou árabe-muçulmana e não estou no mesmo saco que estes bastardos (os terroristas)”. Ela não entende como Mohamed, um dos irmãos de Salah Abdeslam, autor dos atentados de Paris capturado em Bruxelas semana passada, trabalha ainda como funcionário da prefeitura do distrito.

— Meu filho mais velho, que só faz o bem e nunca se meteu em confusão, não consegue trabalho. É pai de um bebê de 3 meses. Como o outro consegue? Molenbeek é como no Terceiro Mundo: só com pistolão — compara Nousa.

Molenbeek não é sequer periferia. O distrito fica no Centro de Bruxelas, a apenas um quilômetro de distância da Praça da Bolsa de Valores, onde belgas estão fazendo vigília com velas e flores em homenagem às vítimas dos atentados. O canal que atravessa Bruxelas, entretanto, separou fisicamente dois mundos na capital: o rico, onde estão as instituições europeias, e o pobre, Molenbeek, com sua população diversa e colorida e seus comércios no estilo de um bazar árabe, repletos de vestidos a € 10. Ali, num perímetro de seis quilômetros, vivem quase cem mil pessoas de muitas nacionalidades. Há mais de 40 anos, quando o metrô de Bruxelas começou a ser construído, belgas importaram mão de obra barata do Marrocos. Eles se instalaram ali.

— Nesta época, não tinha nada para crianças, nem para as mulheres. Não era interessante para políticos, porque as pessoas que moravam aqui não tinham direito ao voto — conta Rita, que trabalha há 20 anos para o Le Foyer, organização de Molenbeek que ajuda na integração dos imigrantes.

Muçulmanos são boa parte dos habitantes do distrito: 40%, nas estatísticas oficiais, 60%, nas estimativas. Quase todos do Marrocos. Hoje, o desemprego beira 30%. Uma lista de terroristas passou por Molenbeek: Hassan El Haski, um dos participantes dos atentados de 2004 de Madri, e Mehdi Nemmouche, autor do ataque ao Museu Judaico em Bruxelas. Ali também cresceu Abdelhamid Abaaoud, tido como cérebro dos atentados de Paris em novembro. Indicar Molenbeek como endereço é garantia de não conseguir emprego. Na principal praça do distrito, mora a família dos irmãos Brahim e Salah, autores dos ataques em Paris. O primeiro se explodiu, o segundo foi capturado semana passada.

Imãs não conseguem diálogo com jovens

Jamal Habbachich, presidente do Conselho das Mesquitas de Molenbeek e imigrante marroquino, garante que radicais não frequentam as mesquitas locais. Segundo ele, jovens são recrutados pelas redes sociais. Habbachich culpa a mídia europeia pela “publicidade gratuita para os radicais”. Os governos europeus também estariam, diz ele, contribuindo para o problema ao se aliarem a países do Golfo Pérsico que alimentam o radicalismo no Oriente Médio. O que os imãs locais podem fazer?

— Não temos meios para enquadrar estes jovens. Não frequentam a mesquita. Nas ruas, falamos com eles, mas nos evitam, porque sabem que o que vamos dizer não vai agradar — conta Habbachich.

Karim Dazah, 37 anos, outro filho da imigração marroquina, luta contra o estigma a sua maneira. Abriu em Molenbeek um bar hipster, só com comida orgânica, inclusive salsichas (de vitela, no lugar do porco, que é proibido na religião muçulmana): 80% de sua clientela não é muçulmana. Os clientes diminuíram depois dos atentados, mas ele não perde a esperança. E diz em alto e bom som:

— O maior inimigo do Islã não é o judeu ou o católico: é o muçulmano ignorante.


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