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Capriles:‘Temo que termine em explosão social ou num levante militar’

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BUENOS AIRES — Nos últimos tempos, o governador do estado de Miranda, Henrique Capriles, figura de proa da Mesa de Unidade Democrática (MUD), mudou o tom de suas declarações. À frente da campanha a favor da realização de um referendo sobre a continuidade do presidente Nicolás Maduro no poder (teste ao que o ex-presidente Hugo Chávez se submeteu, e venceu, em agosto de 2004), Capriles abandonou a moderação e tem sido enfático e taxativo em seus alertas aos venezuelanos e à comunidade internacional: o país, diz ele, corre sério risco de sofrer uma revolta social ou até mesmo um levante militar.

Em entrevista exclusiva ao GLOBO, o líder opositor, que confirmou estar organizando uma viagem a vários países da região, entre eles o Brasil, mostrou-se profundamente preocupado: “Não quero que Maduro seja derrubado, quero que ele tenha seu mandato revogado”.

O senhor acha que a mudança de governo no Brasil pode significar um problema para Maduro, pela perda de um respaldo importante na região…

Ainda é cedo para que nós possamos fazer algum comentário sobre o novo governo brasileiro, ainda não vimos ações concretas, digamos, não aconteceu nada. Mas quero dizer que a relação do governo de Dilma com Maduro, apesar da falta de uma sinalização concreta, já era, nos últimos tempos, mais distante. Já não eram os tempos de Lula com Chávez, o relacionamento já vinha esfriando. Dilma já não era uma grande defensora de Maduro.

Mas o Mercosul, até agora, nunca avançou, por exemplo, na aplicação de algum tipo de sanção à Venezuela pelas denúncias de violações dos direitos humanos e da própria carta democrática do bloco…

A grande defensora de Maduro foi Cristina Kirchner, não tanto Dilma. O PT respaldou o governo e Lula até fez campanha por Maduro, coisa que critiquei publicamente. Mas o governo brasileiro já vinha tendo uma visão mais ampla, em termos de ter uma relação com a oposição. O que vai acontecer agora com Temer? Ainda não sabemos, mas estou retomando a possibilidade de fazer uma viagem ao Brasil para defender a necessidade de realizar o referendo revogatório. É importante que o governo do Brasil e o povo do Brasil saibam que o que está acontecendo na Venezuela é muito difícil, muito grave, a situação econômica e social é explosiva. Aqui não existe impeachment, aqui existe referendo e eleição e essa é a solução.

Sua viagem seria somente ao Brasil?

Não, estou pensando em ir também à Colômbia e Argentina. Estamos vivendo uma nova realidade na América Latina, ninguém pode desconhecer isso. E isso não é o imperialismo derrubando os governos de esquerda. Fui defensor do modelo do PT, que não tem nada a ver com a corrupção. O que afundou o PT e seu modelo foi a corrupção, que é como o câncer. Você pode ter um tumor maligno e ele deve ser retirado completamente, porque se ficarem células malignas ele voltará a se reproduzir. A corrupção é o câncer e isso foi, na minha opinião, sem julgar o processo brasileiro, o que provocou a saída de Dilma. No Brasil, como na Venezuela, a corrupção é escandalosa. O que tudo isso confirma é que todos os governantes que ficam muito tempo no poder terminam em abusos de poder e corrupção, por isso é tão importante a alternância na democracia.

A Argentina seria outro exemplo?

O que aconteceu na Argentina foi quase um milagre, ter derrotado essa hegemonia de poder. A luta que estamos dando aqui na Venezuela também é histórica, lutamos contra tudo, aqui não existem regras, é uma maratona que nunca termina. Quero que a América Latinha conheça e respalde a solução do referendo. Eu, pessoalmente, não gosto do impeachment, acho que os governos devem chegar e deixar o poder através do voto, mas o Brasil tem impeachment e, sem querer entrar em detalhes, foi implementado de acordo com as leis brasileiras. Pelo que sei, Dilma queria eleição, algo que Maduro não quer porque ele se mantém no poder através do controle das instituições.

O que o senhor pedirá aos governos da região, a aplicação, por exemplo, da cláusula democrática do Mercosul (o que suspenderia o país do bloco)?

Mais do que a aplicação de qualquer cláusula democrática, quero pedir que façam um pronunciamento de todos os Estados que inste o governo de Maduro a não bloquear a realização de um referendo.

O entrevistei várias vezes e desta vez noto que o senhor está bem menos moderado do que em outras épocas…

(Risos) Não estou agressivo, nem mais guerreiro, o que acontece é que a situação de meu país é complicada demais. Estou muito preocupado e temo que tudo isso termine numa explosão social ou num levante militar.

O senhor acha que existem setores das Forças Armadas dispostos a um levante?

Não tenho dúvidas disso. Na Venezuela existe um clima de descontentamento generalizado. Você não imagina a diferença entre o país de alguns atrás e o de hoje, é impressionante. Tenho uma grande responsabilidade e não quero que meu país termine numa revolta social, nem numa rebelião militar. Temos de parir uma solução democrática. Foi o que disse ao ex-presidente da Espanha, José Luis Rodríguez Zapatero. O diálogo na Venezuela é o revogatório, aqui não existe cultura de diálogo político, Chávez destruiu isso. Vivemos um totalitarismo, temos um governo que impõe, atropela e viola as leis. Maduro agora quer aplicar um decreto de estado de exceção que é completamente inconstitucional.

O que o senhor pede às Forças Armadas?

As Forças Armadas estão chegando a um cenário complexo, porque Maduro, com este decreto, quer abertamente se colocar à margem da Constituição. O estado de exceção, as leis habilitantes, antes tudo isso era aprovado por uma Assembleia Nacional (AN) que era controlada por eles (o governo). Mas isso acabou, hoje eles são minoria e a AN rechaçou o decreto, o que o tornou nulo. O estado de exceção permite qualquer coisa, por isso chegará um momento em que Maduro pretenderá aplicar um decreto inconstitucional e as Forças Armadas deverão decidir o que fazer.

As diferenças e debates dentro da oposição também o preocupam? O senhor tem trocado acusações com a ex-deputada Maria Corina Machado…

Não, a verdade é que não. Vejo a oposição muito mais unida do que o governo.

Numa futura eleição presidencial, a oposição teria um único candidato?

Sim, mas na minha opinião não devemos, neste momento, perder energia nisso. Para chegar a uma eleição, temos de realizar o revogatório. Nisso estou trabalhando.

A população não parece estar tão mobilizada como em outras épocas?

Ainda não, sua leitura é correta, mas não porque as pessoas não queiram o revogatório. Hoje mais de 70% dos venezuelanos respaldam a iniciativa. Por que as pessoas não estão nas ruas? Porque estão nas filas comprando comida. Mas a mobilização está crescendo e o revogatório está virando um clamor nacional, essa é nossa meta.

Quais seriam os tempos deste processo?

Acho que o revogatório poderia ser realizado em outubro. Mas o governo deverá ceder e para isso é importante a participação da comunidade internacional. Sou otimista, acho que Maduro não terá mais remédio, o que temos de evitar é que ele seja derrubado antes.

Por um golpe?

Sim, porque Maduro sabe que o revogatório o tirará do poder, mas diante de um levante militar ele poderá se vitimizar. Eu não quero que Maduro seja derrubado, quero que ele tenha seu mandato revogado. Não queremos golpe, nem explosão social.


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