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Aumento de crianças-soldado cria geração perdida pelo Estado Islâmico

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RIO – O já conhecido drama das crianças-soldado ganhou uma nova dimensão com o avanço do Estado Islâmico (EI) — num ritmo muito mais veloz do que se esperava. Um relatório divulgado ontem pelo Centro de Combate Terrorista, da Academia Militar West Point, nos EUA, revela que o recrutamento infantil para a linha de frente jihadista alcançou níveis sem precedentes no último ano, seguindo a tendência contrária a de outros grupos extremistas pelo mundo. A estimativa é que a taxa mensal de crianças e adolescentes mortos em missões do Estado Islâmico tenha dobrado desde janeiro de 2015.

Neste mês de janeiro a participação de jovens militantes em operações suicidas triplicou em relação ao mesmo mês do ano passado. Tudo isso, segundo especialistas, alimenta a guerra psicológica que sobrevive paralelamente ao avanço do grupo terrorista — em um jogo que envolve demonstração de força, estratégias de defesa e incitação do medo em diferentes países.

A força ideológica do discurso jihadista sobre diferentes gerações é apontada pelo estudo como um dos principais caminhos percorridos pelos menores de 18 anos ao interior dos campos de batalha. Apenas no último ano, 89 “jovens mártires” conquistaram o estatuto de heróis pelas suas operações de guerra nas propagandas da insurgência e foram estudados pelo Centro de Combate Terrorista. Dentre eles, 67% vinham de diferentes regiões na Síria e no Iraque — embora o poder do Estado Islâmico também chegue às camadas mais jovens de países como Iêmen, Arábia Saudita, Tunísia, Líbia, Reino Unido, França, Austrália e Nigéria.

Na opinião de Charlie Winter, um dos autores do estudo e pesquisador de conflitos transculturais na Universidade Estadual da Georgia, o recrutamento para o EI é um projeto muito bem planejado:

— É importante reconhecer que o contexto do Estado Islâmico é muito particular, o que se reflete diretamente na questão do recrutamento infantil. Não é uma surpresa que muitas crianças-soldado venham da Síria, porque é onde há uma vontade de controle muito maior do Estado Islâmico. Mais do que a propaganda, muitos jovens são colocados na guerra pelos pais, pela influência da tradição e pela celebração destes heróis.

FUTURA GERAÇÃO DE MILITANTES

As crianças-soldado percorrem um longo caminho de guerra: não raro, começa nas escolas de treinamento militar, que formam as futuras gerações de militantes, e termina com a sua morte nos conflitos. Dentre os menores de 18 anos estudados pelo relatório, 51% morreram no Iraque, e outros 36% na Síria. Outras baixas aconteceram também no Iêmen, na Líbia e na Nigéria.

Estas crianças e adolescentes são utilizados em todos os tipos de ação, sobretudo explosões de veículos — a causa de cerca de 49% das mortes desde janeiro de 2015. Em seguida, vêm as operações terrestres, em que morreram 33% crianças em combate, e atentados em massa, em que 4% atuaram como terroristas suicidas.

Especialistas alertam, no entanto, que o recrutamento infantil para grupos armados tem outros efeitos sociais. A partir do momento em que entram nesta jornada, militantes enfrentam danos psicológicos, principalmente devido à separação das suas famílias. A organização britânica War Child, que luta em favor das crianças-soldado, observa que, após ir à guerra, muitos não conseguem mais se readaptar às suas comunidades, à educação escolar ou a um emprego.

O risco crescente a infância e adolescência de milhares de crianças e jovens é uma das preocupações do relatório do Centro de Combate Terrorista. A guerra travada pelo Estado Islâmico não separa as ações de crianças, jovens e adultos. Em outros cenários de conflito, o uso de crianças-soldado é o último recurso para repor rapidamente as baixas nos campos de batalha. Mas não para os jihadistas, cuja propaganda raramente chega a mencionar a idade dos seus mártires: todos são celebrados, na mesma medida, como heróis das suas comunidades.

A expectativa dos especialistas é que a coalizão internacional que luta contra o avanço do Estado Islâmico coloque as questões morais e éticas do engajamento de guerra em pauta nas suas principais discussões nos próximos anos. As agências de proteção à criança afirmam já terem conseguido importantes avanços na luta contra o recrutamento infantil — sobretudo com ações de conscientização sobre os direitos das crianças e acordos de comprometimento fechados por grupos armados ansiosos pelo reconhecimento internacional. No entanto, a negociação com o Estado Islâmico traz fatores muito mais complexos, que dificultam a reversão desta guerra psicológica.

— O diálogo com o Estado Islâmico apresenta enormes desafios, já que este grupo desrespeita ativamente a legislação internacional. Por esse motivo, as agências de proteção à criança enfrentam muitas dificuldades nos territórios do EI e até agora têm focado em proteger crianças em risco de recrutamento de países vizinhos. Responsabilizar os autores do recrutamento infantil é crucial, em tribunais nacionais ou internacionais — diz Lianne Minasian, da ONG Child Soldiers International.

* Estagiária sob a supervisão de Sandra Cohen


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