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Artigo: O que aconteceu com o ‘modelo liberal’ da Turquia?

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Há cerca de cinco anos, todos estavam falando sobre o “modelo turco”. Gente no Ocidente e no mundo muçulmano louvava a Turquia como um exemplo iluminado da compatibilidade do Islã com a democracia. Recep Tayyip Erdogan, na época primeiro-ministro e hoje presidente, era elogiado como um reformista que tornara seu país mais livre, mais rico e mais pacífico.

Atualmente, a retórica da abertura liberal deu lugar ao autoritarismo, o processo de paz com os nacionalistas curdos desmoronou, a liberdade de imprensa é cada vez menor, e os ataques terroristas são cada vez mais frequentes.

Para entender por que o modelo turco decepcionou o mundo, temos que voltar a 2001, ano de fundação do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, na sigla em turco), legenda de Erdogan. Na época, a Turquia estava sob o poder de generais seculares que derrubavam qualquer governo que não pudessem controlar. Afirmando ter abandonado a ideologia islamista, os fundadores do AKP tinham como prioridades a entrada da Turquia na União Europeia e o direcionamento do país para a democracia liberal.

Em seus primeiros oito anos no poder, o AKP aprovou reformas e manteve um discurso liberal. O principal problema da Turquia, afirmava o partido, estava no Estado inchado que limitava os direitos dos cidadãos. A oposição ao Estado, como o movimento nacionalista curdo, deveria ser entendida como reações ao autoritarismo, e não como tramas de traidores ou imperialistas. A estabilidade viria com mais direitos e mais liberdade. Isso transformou o AKP no queridinho do Ocidente e dos liberais turcos.

Mas, após vitórias no referendo constitucional de 2010 e nas eleições do ano seguinte, a retórica liberal se esvaiu. Depois, quando o AKP se sentiu desafiado, primeiro por protestos populares e depois por uma investigação sobre corrupção que muitos acreditaram ter motivação política, a legenda adotou os mesmos hábitos autoritários aos quais se opunha. Aqueles que tentaram se manter fiéis aos princípios da fundação do partido foram ostracizados.

Secularistas turcos enxergam uma conspiração por trás da mudança: o AKP teria escondido sua verdadeira natureza até o momento certo. Creio que houve menos planejamento envolvido. A legenda adotou um discurso liberal por mera necessidade e, uma vez no poder, seus integrantes foram corrompidos por ele.

Mas só porque o AKP falhou como modelo de islamismo liberal, isso não significa que todos os islamistas ameacem a democracia liberal. Além disso, o grande problema não está no autoritarismo do AKP, mas sim na cultura política cínica, combativa e divisiva que permitiu que Erdogan prosperasse.

Para que nos tornemos um “modelo” genuíno e possamos garantir a paz no país, os turcos precisam concordar com os valores liberais que o AKP costumava promover: não há inimigos em nossa nação, apenas cidadãos com opiniões diversas. E todos merecem direitos e liberdades iguais, sob um Estado cuja função seja servir e não ditar.


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