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Artigo: Em Londres, vitória de prefeito muçulmano é o anti-Trump

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O evento político mais importante das últimas semanas não foi a emergência de Donald Trump como provável candidato presidencial pelo Partido Republicano, mas a vitória eleitoral de Sadiq Khan, o filho muçulmano de um motorista de ônibus de Londres, que se tornará o próximo prefeito da cidade. Trump não conseguiu nenhum cargo político ainda, mas Khan, candidato do Partido Trabalhista, esmagou o conservador Zac Goldsmith e vai assumir o comando de uma das maiores cidades do mundo, uma metrópole vibrante, onde todas as línguas são ouvidas.

Na vitória, um triunfo sobre os insultos que tentaram atá-lo ao extremismo, Khan defendeu a abertura contra o isolacionismo, a integração contra o confronto, a oportunidade para todos contra o racismo e a misoginia. Um anti-Trump.

— Sou londrino, sou europeu, sou britânico, sou inglês, sou islâmico, de origem asiática, de descendência paquistanesa, pai e marido — disse, antes da eleição, ao colega Stephen Castle.

O mundo do século XXI será moldado por essas identidades multifacetadas, e por cidades em expansão que celebram a diversidade, não por um assediador, impetuoso, que defende os “EUA primeiro”, branco e intolerante que quer erigir muros.

Vale notar que, com a proibição de não residentes muçulmanos de entrarem no país, proposta por Trump, Khan não teria permissão para visitar os EUA. Para usar uma das expressões favoritas de Trump, seria um “desastre total e completo”. Faria dos EUA um escárnio aos olhos de um mundo já horrorizado com a ascensão do republicano.

A eleição de Khan é importante porque mostra a mentira da retórica fácil de que a Europa está sendo tomada por jihadistas islâmicos. E ressalta o fato de que os atos terroristas escondem um milhão de histórias de sucesso nas comunidades muçulmanas europeias. Um dos sete filhos de uma família de imigrantes paquistaneses, Khan cresceu num conjunto habitacional público e se tornou um advogado de direitos humanos e ministro do governo. E ganhou mais de 1,3 milhão de votos na eleição em Londres, um mandato pessoal insuperável por qualquer político na história britânica.

Sua eleição é importante porque as vozes mais eficazes contra o terrorismo islâmico vêm de muçulmanos, e Khan foi preparado para isso. Após o ataque de Paris, disse num discurso que os muçulmanos têm um “papel especial” a desempenhar na luta contra o terrorismo “não porque somos mais responsáveis que outros, como alguns erroneamente afirmam, mas porque podemos ser mais eficazes no combate ao extremismo que qualquer outra pessoa”.

Khan ainda se dirigiu à comunidade judaica, vigorosamente renunciando ao antissemitismo entre trabalhistas que, no mês passado, fez com que Ken Livingstone, ex-prefeito, fosse suspenso da legenda.

— Khan terá importância global. Sua eleição é uma repreensão aos extremistas de todos os matizes, de Trump a Abu Bakr al-Baghdadi, que dizem que as religiões não podem coexistir pacificamente — disse George Eaton ao “The New Statesman”.

Trump como político é produto do medo e da raiva dos americanos, acima de tudo. Nas últimas semanas, um estudante de Berkeley foi retirado de um voo da Southwest Airlines porque falava árabe, e um economista italiano de uma universidade de elite dos EUA, moreno e de cabelos ondulados, teve que deixar um avião da American Airlines porque foi flagrado rabiscando cálculos matemáticos que sua vizinha de assento achou suspeitos. Trump — descrito pelo cientista político Norm Ornstein como “a pessoa mais insegura e egocêntrica do país” — é o porta-voz desses EUA assustados que veem ameaças em todo lugar (mesmo num matemático italiano).

Quando Trump declara: “Os EUA Primeiro serão o tema primordial do meu governo”, o resto do mundo ouve uma nação com raiva contraindo os músculos. A ascensão de Khan, ao contrário, é uma história de vitória sobre os temores gerados pelo 11 de Setembro, uma repreensão à Osama bin Laden, ao Estado Islâmico, à ideologia jihadista de todas as estirpes — e aos políticos que destilam ódio como Trump que optam por esse jogo perigoso de nós contra eles.

Junte um egoísta valentão, um imenso poder e um gosto pela imprevisibilidade e você terá uma perigosa mistura que poderia colocar em risco a a civilização.


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