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Artigo: Como sobreviver a Trump?

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RIO — Há seis meses, a ideia de o bilionário megalomaníaco americano Donald Trump ser o candidato do Partido Republicano à Presidência dos EUA era risível. Após a Super Terça, está praticamente cristalizada. Isso impõe um grande desafio à sigla que sonha voltar à Casa Branca após 8 anos de governo democrata. Ela está diante de uma luta pela sobrevivência.

O fato de Trump ter emergido da Super Terça como franco favorito à nomeação reflete mais do que erro de diagnóstico. Reflete a arrogância e a cegueira do chamado establishment.

Arrogância porque acreditou tanto em seu taco que não agiu com recursos e retórica quando podia para tentar domar a fera — insistiu que o empresário era um fait divers, um número de esquenta para o show principal, uma celebridade que, como tal, sucumbiria à efemeridade.

Cegueira porque as vitórias sucessivas de Trump escancaram que os dirigentes do partido que Ronald Reagan, na década de 80, tornou imbatível por 12 anos seguidos ignoravam a revolução em marcha em sua base desde 2010, quando o Tea Party mostrou seus dentes em reação à gestão progressista de Barack Obama.

O movimento que há seis anos serviu de virada após o abalo provocado pela chegada de Obama à Casa Branca deixou de ser apenas um catalisador de votos nas primárias. Impulsionado pelo próprio comportamento virulento e obstrucionista do establishment em sua cruzada anti-obamista nos últimos seis anos e meio, o movimento virou uma estrutura permanente e poderosa.

Esta estrutura une os cristãos evangélicos e ultraconservadores militantes da base de 2010 a uma massa de trabalhadores brancos remediados e de escolarização básica, que estava alienada do processo político, mas despertou ao discurso “contra tudo isso que está aí”, sobretudo a política profissional, esganiçado por Trump.

Essa nova base expandida é xenófoba e racista como Trump. Não aceita a nova cara dos Estados Unidos, onde já nascem mais bebês latinos do que brancos, e onde o presidente, a procuradora-geral e a chefe do Conselho Nacional de Segurança (pra ficar em três cargos de ponta) são negros. E acha que, se muçulmanos derrubaram as Torres Gêmeas, já passou em muito da hora de barrá-los no aeroporto.

A nova base também já não crê na doutrina liberal de cabo a rabo. Tornou-se razoavelmente protecionista, como Trump, após três décadas de exportação de empregos americanos de classe média e média baixa (olhem eles aí!) para o exterior. China, nem pintada de ouro!

E essa base expandida é também isolacionista. Acha que, após as guerras de Afeganistão e Iraque, os EUA devem deixar de ser polícia do mundo e não abandonar o multilateralismo. Quando alguém incomodar os interesses americanos, simplesmente a América deve rosnar e por o incômodo em seu lugar.

A candidatura de Trump nada de braçada neste oceano de anseios. Sua vitória vai representar o triunfo do populismo, do radicalismo e da intolerância. Esta é uma combinação que pode aparecer bem nas pesquisas hoje no confronto com Hillary Clinton, mas é difícil de imaginar democratas conservadores, republicanos conservadores de centro e independentes mergulhando neste conto da carochinha.

A pergunta então é: se derrotado nas eleições gerais, pode o Partido Republicano sobreviver à guinada populista em curso?

O establishment — os principais e mais preparados nomes do partido, as grandes corporações, os grandes doadores e a rede de organizações e centros de pesquisa de direita — está apavorado com a ascensão de Trump porque acredita que não. Basta ver a reluzente constelação de estrelas republicanas (como o presidente da Câmara, Paul Ryan, e o presidenciável de 2012, Mitt Romney) que publicamente achincalharam Trump recentemente.

Mas qual a saída?

Pensando ainda no ciclo de 2016, a saída seria uma terceira candidatura, avulsa, que galvanizasse o dinheiro e o apoio “de primeira linha” do partido. Mas, se fosse fácil, haveria já hoje um candidato que rivalizasse com Trump.

Adiante, pós-novembro, o partido pode chegar à conclusão de que precisa se dividir. Deixar a nova base com o que se conhece pela alcunha Grand Old Party (GOP, Velho Grande Partido) e criar uma nova sigla, fincada nos princípios conservadores, sobretudo na economia e no militarismo, com seus “nomes sérios”. Mas, nos EUA, viabilizar um novo partido não é fácil.

A saída mais viável, e a mais difícil, é se reorganizar. Oferecer um discurso, uma proposta além do “derrubar tudo que o Obama faz”, captar e trabalhar a mensagem da base, num projeto de governo que seja viável. O Partido Republicano precisa voltar a negociar no Congresso, a ceder para obter vitórias, tem de contribuir para que a política volte a ser inspiradora. Só assim aqueles que usam a política como instrumento de transformação – e não a ilusão de um palco iluminado e frases de efeito — poderão voltar a prevalecer.


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