Aprovada, lei de anistia é já espera veto na Venezuela
BUENOS AIRES – A esperada Lei de Anistia para os presos políticos venezuelanos, aprovada na madrugada de ontem pela Assembleia Nacional (AN), deflagrou um novo conflito de Poderes no país. A reação do presidente Nicolás Maduro, que antecipou sua decisão de “não deixar passar” a iniciativa da majoritária bancada opositora foi, segundo juristas e analistas locais ouvidos pelo GLOBO, a crônica de uma morte anunciada. O próximo capítulo da disputa será, coincidem todos, o pedido do chefe de Estado à Sala Constitucional do Tribunal Superior de Justiça (TSJ) para que seja declarada a inconstitucionalidade da lei. Mais uma vez, a atuação da AN empossada em janeiro passado corre o risco de ser apenas simbólica.
— Estamos num cenário complicado, porque o governo decidiu iniciar um choque de Poderes. Trata-se de um erro gravíssimo, porque a anistia é respaldada por 80% da população — afirmou o deputado Enrique Márquez, da Mesa de Unidade Democrática (MUD).
Foram sete horas de debate antes do sinal verde à medida, que permitiria a libertação dos 76 presos políticos que, segundo oposição e ONGs, existem atualmente na Venezuela. A lista inclui nomes da MUD, como o líder do partido Vontade Popular, Leopoldo López, e o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, além de outros dirigentes e estudantes. Exilados também seriam amparados.
— O governo controla a Sala Constitucional, e sabemos que se a jogada for apelar ao TSJ, a lei não será aplicada. O governo, se fizer isso, estará cavando seu próprio túmulo — enfatizou Márquez.
‘Sala é controlada pelo Executivo’
Maduro já derrubou qualquer possibilidade de permitir a promulgação de uma lei considerada essencial pela oposição, que, segundo confirmou o deputado da MUD, “está trabalhando duro” para avançar no processo de convocação de um eventual referendo revogatório sobre o mandato do presidente. A aliança opositora já projeta a realização da consulta popular para o próximo mês de outubro e uma eventual eleição presidencial em dezembro.
— Estão aprovando uma lei para proteger assassinos, criminosos, narcotraficantes e terroristas… Tenham a certeza de que essa lei por aqui não passa, cavalheiros, que o saiba a direita nacional e internacional: leis para amparar terroristas e criminosos não passarão, por aqui não passam — declarou o chefe de Estado.
Na discussão parlamentar, a bancada do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) acusou a proposta da MUD de ser uma “lei de amnésia criminal”.
A ex-magistrada do TSJ Blanca Rosa Mármol de León ressalta que não existe veto presidencial no país. O que Maduro pode fazer é solicitar que a Sala Constitucional declare a inconstitucionalidade da lei, num prazo máximo de 15 dias.
— Esse é o eterno drama venezuelano, porque todos sabemos que essa sala é controlada pelo Executivo — lamentou a jurista, afirmando que esta é a quarta vez que a AN tenta atuar dentro de sua competência e “é boicotada pelo governo de Maduro”. — A AN já anulou um decreto de emergência econômica que, mesmo assim, o presidente aplicou. Nossos parlamentares estão legislando de forma simbólica.
O deputado da MUD Luis Florido apresentou esta semana um projeto de lei de reforma da Carta Orgânica do TSJ, que prevê ampliar o número de magistrados.
Na opinião do analista Luis Vicente León, diretor do Datanálisis, “cada vez que o TSJ impede que as leis aprovadas pela AN sejam implementadas, se deteriora sua credibilidade institucional”.
— O tribunal está arriscando seu prestígio. É muito importante que a AN continue cumprindo seu papel, sua função natural — comentou.
Para o ministro de Relações Exteriores espanhol, José Manuel Garcia-Margallo, o Palácio de Miraflores está a ponto de cometer uma “desobediência da ordem institucional”.
— Desconhecer uma lei leva à desordem, ao despotismo ou à ditadura — frisou o ministro.
O conflito de Poderes se agrava num momento em que a situação social e econômica da Venezuela vive um drama. Inflação e escassez de alimentos e medicamentos têm alcançado níveis trágicos, segundo economistas e analistas.
Anteontem, o estado de Táchira viveu uma tragédia em protestos contra o aumento do valor das passagens de transporte público. Manifestantes tomaram um ônibus num terminal em San Cristóbal e tentaram passar por um cordão policial para uma universidade onde cerca de 70 pessoas protestavam. Seis policiais foram atropelados, e dois morreram.