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Almagro: ‘Ninguém quer a Venezuela suspensa da OEA’

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WASHINGTON – A atenção da América do Sul estará voltada esta semana para o edifício da Organização dos Estados Americanos (OEA) em Washington, onde o Conselho Permanente da entidade discutirá, pela primeira vez em anos, a crise na Venezuela. No meio do furacão está o secretário-geral da entidade, Luis Almagro, que em maio pediu a aplicação da Carta Democrática para tratar do que, em sua opinião, é uma quebra da ordem constitucional em um país que precisa de intervenção urgente. A medida provocou a ira do presidente Nicolás Maduro e incomodou vários países da região. Nesta entrevista exclusiva ao Grupo de Diários América (GDA), Almagro diz que não quer a expulsão da Venezuela da OEA (algo que a carta contempla), e sim um diálogo com resultados concretos — entre eles, afirma, que seja estabelecida uma data para o referendo revocatório contra Maduro e uma solução para os presos políticos. O secretário-geral sugere ainda a ampliação do grupo de ex-presidentes que se ofereceram para mediar o debate, com objetivo de equilibrar e dar credibilidade à discussão.

Não há dúvidas de que o artigo 20 da Carta Democrática permite ao secretário-geral invocar seus mecanismos quando a ordem constitucional de um país é alterada. Mas a Venezuela nega esse cenário.

A ordem constitucional do país foi quebrada de diferentes formas. O princípio constitucional de separação de Poderes foi violado, os trabalhos da Assembleia Nacional foram completamente travados, o Poder Judicial foi cooptado, os direitos humanos foram violados de forma sistemática, tanto pela existência de 94 presos políticos como por constantes casos de tortura. Além disso, vários obstáculos se interpuseram à realização do referendo revocatório, previsto na Constituição Bolivariana. Temos um relatório de 132 páginas sobre tudo isso. É imprescindível que o continente facilite a solução da atual situação, para que os venezuelanos possam encontrar as melhores saídas institucionais nos campos político, econômico e social.

Vários países se incomodaram porque o senhor lançou o relatório sobre a Venezuela sem dar a oportunidade de o Conselho se pronunciar e tomar uma atitude. Por que fez assim?

Anunciei que estava preparando um relatório muito tempo antes, e mantive contato com todos os Estados-membros. Já tínhamos avisado a todos qual seria a data de apresentação do relatório. Tudo com transparência, coordenação e cooperação com o Conselho Permanente. Inclusive destaquei em comunicado por escrito ao presidente do Conselho que poderia esperar sua decisão e apresentar o relatório simultaneamente. Entreguei o documento e solicitei uma reunião para discutir o tema entre 10 e 20 de junho para dar tempo aos países-membros de estudar meus argumentos e estabelecer os deles. Dentro das atribuições que a Carta Democrática outorga ao secretário-geral, tive especial cuidado de ser respeitoso. Sua invocação, usada em muitas ocasiões para ajudar os países-membros, inclusive durante o governo do comandante (Hugo) Chávez, produziu ações necessárias no âmbito diplomático e na busca de diálogo. A OEA se transformou em um fórum natural para a discussão sobre a situação do país. Isso além do nosso apoio à iniciativa paraguaia de convocar o Mercosul e das iniciativas de diálogo que aconteceram.

O senhor concorda que o caminho não é expulsar a Venezuela (previsto pela carta). O que espera então conquistar ao denunciar essa situação?

A invocação da Carta Democrática estabelece um processo no qual a suspensão, naturalmente, é o último passo. Ninguém aspira a chegar a esse desenlace. Pelo contrário, buscamos soluções a partir desse processo. Primeiro é preciso determinar que existe uma alteração da ordem democrática, e então realizar as ações diplomáticas cabíveis. Se essas ações empacarem ou se a situação piorar, é convocada uma Assembleia Geral que, por sua vez, pode levar a novas gestões diplomáticas. A suspensão de um país é contemplada no artigo 21 e se aplica em casos de “ruptura da ordem constitucional”. Não chegamos a isso ainda.

Já existe um grupo de ex-presidentes nomeados mediadores pela Unasul. O que opina sobre essa iniciativa? Muitos acreditam que ele deveria ser ampliado para incluir outras vozes, entre elas as da OEA.

A realidade mostra que ainda não existe diálogo. A melhor forma de estruturar isso é pelo artigo 20 da Carta Democrática, porque ele obriga a conquista de resultados concretos. Dialogar não é sentar para conversar. É atender a problemas reais com a perspectiva de alcançar soluções concretas. É por isso que propusemos que, aos esforços de diálogo já iniciados, se somem os da OEA, com um grupo de ex-presidentes que se unam às ações em curso. Assim será possível encontrar saídas para descomprimir a situação e, como já sugerido por um grupo robusto de 15 países, é preciso marcar data ainda este ano para o referendo revocatório, para a libertação dos presos políticos, abrir canais internacionais de assistência humanitária e respeito ao Estado de direito. Sem nada disso, é muito difícil levar a iniciativa adiante.

E o que acontecerá se os países rejeitarem seu relatório?

O informe já foi apresentado. O Conselho Permanente foi convocado. O procedimento do artigo 20 já foi iniciado. Minha expectativa é que seja travado um diálogo sobre os problemas de fundo propostos no informe, e que não se desperdice tempo com outras coisas. O Conselho Permanente tem uma série de normas e regras, e, em última instância, a decisão está nas mãos dos 34 países-membros. O objetivo da reunião de quinta-feira é abordar os temas que afetam a democracia venezuelana e os venezuelanos, como o desrespeito à separação de Poderes, os presos políticos, a negação de um referendo revocatório. É positivo que, desde que apresentei o informe, já tenham sido convocadas duas reuniões do Conselho Permanente para falar da Venezuela. Ninguém esconde mais que existe um problema. Mas agora é preciso começar a achar soluções.

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*O GLOBO faz parte do Grupo de Diários América (GDA), formado também pelos jornais “La Nación” (Argentina), “El Mercurio” (Chile), “El Tiempo” (Colômbia), “La Nación” (Costa Rica), “El Universal” (México), “El Comercio” (Peru), “El Nuevo Día” (Porto Rico), “El País” (Uruguai) e “El Nacional” (Venezuela).


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