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A linha do tempo das leis que punem o assédio contra mulheres em espaços públicos no Brasil; entenda

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Talvez você se lembre do caso de uma jovem de São Paulo que, dentro do ônibus e a caminho do trabalho, foi atacada por um homem que se masturbou e ejaculou em seu pescoço. O ano era 2017 e, claro, a vítima não era a primeira a sofrer assédio no transporte público. Mas entre tantas histórias, aquela ganhou repercussão por dois motivos: primeiro porque, na época, campanhas como o #ChegadeFiuFiu e #NãoéNão mobilizavam cada vez mais mulheres a não tolerarem a violência naturalizada a qual eram submetidas na rua, na balada, na academia, etc, etc. O segundo é que o assediador foi preso em flagrante e, na audiência de custódia, o juiz entendeu que o ocorrido não se enquadrava no crime de estupro. O homem foi solto e, na semana seguinte, preso de novo por assediar outra mulher. A notícia incendiou um debate nacional sobre a necessidade de uma mudança urgente por parte da justiça.

Foi nesse contexto que, em 2018, foi sancionada a Lei Federal nº 13.718/2018, conhecida como Lei de Importunação Sexual, que caracteriza como crime atos libidinosos sem o consentimento da vítima, como toques inapropriados. “A nova lei veio corrigir uma lacuna legislativa e trouxe uma resposta legal mais condizente. Antes, estávamos entre a contravenção penal, com multa, e o estupro, que é um crime hediondo. A Lei da Importunação tem também um efeito pedagógico porque proporciona uma conscientização da sociedade, de que esses comportamentos não serão tolerados”, explica a promotora de justiça Silvinha Chakian.

 

Para a advogada e fundadora da Gema Consultoria em Equidade Isabella Del Monde, é importante que a legislação reconheça determinadas condutas, mas é preciso também exercitar uma percepção crítica. “Não são novos crimes que vão diminuir os índices de violência sexuais. Ainda não temos uma grande aplicação da lei e acredito que seja difícil ver isso acontecer de verdade, pois os índices são altos. Isso significaria punir muito homem, o que não é do interesse dos próprios homens do sistema de justiça. Existe um pacto simbólico da masculinidade e ele aparece quando estamos falando do sistema de justiça”, afirma Isabela.

A evolução legislativa recente é parte de um movimento sustentado pelas feministas e começou com o reconhecimento de que as mulheres são titulares de direitos humanos, nos idos dos anos 80. Foi depois disso que as mudanças significativas começaram a rolar. Veja a linha do tempo das leis que punem as violências sexuais no Brasil:

1985
Primeira Delegacia da Mulher

Reivindicações de organizações em defesa da igualdade de direitos e reclamações sobre o atendimento prestado em delegacias comuns, onde as vítimas geralmente eram ouvidas por homens, motivaram a criação da primeira Delegacia de Defesa da Mulher, em São Paulo.

1988
Constituição Federal iguala os direitos entre homens e mulheres

O artigo 5º estabeleceu que ““Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”, garantindo a igualdade jurídica para ambos os sexo e tirando as mulheres da posição de inferioridade e submissão. A nova Constituição também imputou ao Estado o dever de coibir a violência intrafamiliar.

2001
Lei do Assédio Sexual (10.224/01)

Acrescentou um artigo (o Art. 216-A) ao Código Penal para definir o crime de assédio sexual como o de “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. Para Silvinha Chakian, a lei traz algumas dificuldades, pois a descrição de elementos engessam o enquadramento do crime. “Para que haja assédio, é preciso existir a hierarquia, de cima para baixo. Não conseguimos enquadrar dois colegas, que têm a mesma função, por exemplo. Dessa forma, são afastados uma série de outros comportamentos, limitando o crime ao ambiente de trabalho ou ao ambiente acadêmico”, explica.

2005
O fim do excludente de punibilidade do estuprador (11.160/05)

A Lei 11.160 revogou os incisos VII e VIII do artigo 107 do Código Penal que previa que, se o estuprador casasse com a vítima, não seria responsabilizado pelo crime, já que o casamento restaurava a honra da mulher.

2006
Lei Maria da Penha (11.340/06)

Marco significativo, criou dispositivos para coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres. Foi uma resposta do judiciário às denúncias da cearence Maria da Penha Maia Fernandes, que ficou paraplégica após sofrer duas tentativas de assassinato praticadas pelo então marido, em 1983. Para Silvinha Chakian, a 11.340 é uma das leis mais completas do mundo: “Ela não se preocupa só com a punição, pois prioriza políticas públicas e efetivas que contribuem para prevenir e erradicar a violência contra a mulher”.

2009
Unificação dos tipos penais do estupro e atentado violento ao pudor (12.015/09)

Modificou o artigo 213 do Código Penal e agregou dentro da mesma figura típica as condutas do antigo atentado violento ao pudor com a do estupro, tornando-o mais abrangente. Antes, a definição do crime de estupro previa a conjunção carnal forçada na vagina. Não havia o entendimento, por exemplo, de que sexo oral forçado, sexo anal forçado, eram considerados estupros. Pessoas que não têm vagina, homens cisgênero, travestis e transexuais também não se enquadravam na lei.

2009
Crime contra os costumes passa a ser crime contra a dignidade sexual (12.015/09)

O título VI do Código Penal era denominado crimes contra os costumes, porém a lei 12.015/2009 alterou esse nome, que passou a ser chamado de crimes contra a dignidade sexual. “A percepção do legislador, que era reflexo da percepção da sociedade, era de que os crimes de violência sexual diziam respeito a uma moral social. O bem jurídico que estava sendo preservado não era a vida, a liberdade e a integridade física da vítima. A mudança de nome do capítulo mudou essa percepção legislativa”, explica Isabela Del Monde.

2013
Lei do Minuto Seguinte (12.845/13)

Prevê atendimento obrigatório, integral, multidisciplinar e gratuito às pessoas que sofreram violência sexual por hospitais da rede pública de saúde. Para conseguir o atendimento, basta a palavra da vítima, não é necessário apresentar nenhum boletim de ocorrência. O novo protocolo de atendimento também permite que o médico colete e preserve vestígios de provas que podem ser usados nos processos judiciais. É nesse momento também que sai o entendimento do Ministério da Saúde de que vítimas de estupro não precisam apresentar um boletim de ocorrência para fazer um aborto por conta de uma gravidez advinda de um estupro.

2015
Lei Joanna Maranhão (12.650/15)

Alterou os prazos de prescrição dos crimes de abuso sexual de crianças e adolescentes. A prescrição passou a valer após a vítima completar 18 anos e o prazo para denúncia aumentou para 20 anos.

2015
Lei do Feminicídio (13.104/15)

Alterou um Decreto-Lei do Código Penal e incluiu que o assassinato de uma mulher cometido por razões da condição de sexo feminino é circunstância qualificadora do crime de homicídio e hediondo. Isso significa que o feminicídio, quando uma mulher é morta pelo fato de ser uma mulher, foi adicionado ao grupo de crimes considerados de extrema gravidade como estupro, latrocínio e genocídio.

2018
Lei da Importunação sexual (13.718/18)

Além de tornar crime “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”, também pune a divulgação de cena de estupro, de sexo ou de pornografia, sem o consentimento da vítima, por qualquer meio – inclusive veículos de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática – fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual.

2021
Lei do stalking e perseguição (14.132/21)

Tipificou no Código Penal a perseguição reiterada, por qualquer meio, como a internet (cyberstalking), que ameaça a integridade física e psicológica de alguém, restringindo a liberdade de ir e vir, perturbando e interferindo na privacidade da vítima – a maioria, mulheres. A nova lei também revoga o crime de perturbação da tranquilidade alheia. A prática passa a ser enquadrada no crime de perseguição, que antes era enquadrada em um artigo das Contravenções Penais.

2021
Lei da violência psicológica contra a mulher (14.188/21)

Passa a ser crime “causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação”. Qualquer vítima pode denunciar, independente do lugar em que o crime ocorreu.

 

*Com informações da revista Maria Claire*.


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