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Economista-chefe do banco Safra, Carlos Kawall diz que não basta trocar ministro

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RIO – Carlos Kawall conhece bem o governo e o mercado. Foi secretário do Tesouro no governo Lula, tem passagem pelo Citibank e, desde 2011, ocupa o cargo de economista-chefe do banco Safra. Ele defende a criação de um programa econômico emergencial que limite os gastos obrigatórios do governo federal, de modo a evitar um novo rombo no orçamento no próximo ano. E diz que a receita clássica do ajuste fiscal, com aumento de impostos e política monetária prudente, está fracassada. É preciso, diz, um ajuste estrutural, que acabe com a rigidez do orçamento e que implemente reformas estruturantes, como a da Previdência. Na sua avaliação, um eventual governo liderado por Michel Temer teria habilidade para costurar alianças e aprovar reformas.

O senhor participou do governo do PT em 2006, numa época em que o desemprego estava em queda, a economia avançava e a renda crescia. O que fez a economia desandar de lá para cá?

Muitas políticas erradas foram bancadas ao longo do tempo. Mas, olhando para a frente, o importante é entender que, hoje, não basta corrigir. Vamos fazer um ajuste da política econômica, buscar austeridade fiscal, uma política monetária prudente, deixar o câmbio flutuar, subir um imposto aqui e outro ali. Esse ajuste fiscal clássico não funciona mais.

Por quê?

Porque temos problemas estruturais. De um lado, a rigidez dos gastos do orçamento. Do outro, aquilo que não tem nos permitido crescer mais velozmente, como o caos no sistema tributário, a rigidez da legislação trabalhista, a regulação macroeconômica deficiente, que gera risco regulatório. E o mais importante, a (falta de uma) equação da Previdência social, em termos de idade mínima. Tudo isso é importantíssimo para a gente voltar a ter um ambiente macroeconômico favorável, que inspire confiança.

Na hipótese de aprovação do impeachment da presidente Dilma Rousseff, um governo liderado por Michel Temer conseguirá aprovar essas reformas?

Não vamos fazer em um ou dois anos todas as reformas que não fizemos nos últimos 20. Parte dessa agenda fica para depois de 2018. O importante é buscar esse ajuste ao longo do tempo. Mas precisaremos de um programa econômico emergencial, que viabilize um orçamento para 2017 com superávit primário (receitas menos despesas, excluindo o pagamento de juros da dívida pública). Temos que virar esse jogo. Este ano o leite já está derramado.

Como seria esse plano?

O principal objetivo é o superávit primário no ano que vem, estabelecendo teto nos gastos não-discricionários (aqueles que não podem ser contingenciados). Vamos ter que buscar um consenso para evitar o aumento do gasto obrigatório, que cresce acima do PIB (Produto Interno Bruto, soma dos bens e serviços produzidos no país) e muito acima de um PIB que não está crescendo. A base de tudo isso são as obrigatoriedades, as indexações que estão, em boa medida, mas não só, na Constituição. Não dá para ficar colecionando déficit primário, achando que alguma coisa vai acontecer para que a economia cresça e reverta o quadro, porque isso está na base do problema de confiança.

O PMDB divulgou o documento “Ponte para o futuro”, com propostas para retomar o crescimento. Ele resolve o problema?

Tem praticamente tudo o que é necessário ali. Mas tem que ver o que você faz no curto prazo, o que faz no ano que vem e o que deixa para depois. A reforma da Previdência poderia ser incluída no plano emergencial. A tributária, a gente chegou perto, mas não adianta ter dez agendas. Você tem que escolher com quem você quer brigar, e acho que tem que brigar com o problema maior, que é o da Previdência. O governo atual quase encaminhou (o projeto de reforma ao Congresso). Está madura essa discussão. A questão não é restringir o acesso aos benefícios, mas o ritmo de crescimento desses benefícios, que é insustentável.

Em caso de troca de governo, haverá aumento de imposto?

Não é a solução, mas é difícil a gente imaginar que um ajuste fiscal seja 100% baseado na (queda da) despesa. Ficaria desequilibrado. Da mesma forma que não funciona uma proposta majoritariamente baseada (no aumento da) receita. Está aí a proposta de resgatar a CPMF para mostrar que isso (elevar apenas a receita) não funciona. Tem outros caminhos, o aumento da alíquota da Cide, do Pis/Cofins, revisão de desonerações. Essas medidas enfrentariam menos resistência.

Um eventual governo liderado por Michel Temer conseguirá retomar a credibilidade dos empresários?

Vai depender muito do que ele vai propor concretamente. Os nomes são importantes. Mas a gente teve a experiência do ministro Levy (ex-ministro da Fazenda de Dilma, Joaquim Levy), que era uma pessoa com credibilidade, porém estava num governo que não ousou do ponto de vista do ajuste estrutural. Não precisamos apenas de um choque de credibilidade, mas sim da capacidade de antever os principais problemas. A questão da rigidez do orçamento é um ponto crítico.

Como a questão do orçamento está relacionada à confiança do empresariado?

O X da questão é como atacar os problemas que explicam a taxa de juros muito elevada. Por que ela é elevada? Por causa do risco Brasil. Por que ele é alto? Por causa do risco fiscal. E por que ele é alto? Porque não se enxerga trajetória de sustentabilidade da dívida (provocada, em parte, pelo crescimento das despesas obrigatórias). Ao atacar esse primeiro problema, vai chegar lá no final a uma taxa de juros mais baixa, que vai aliviar o empresariado. Aí, sim, isso vai ajudar na confiança concretamente. Não porque mudou o ministro. Aí a gente entraria num círculo virtuoso: menos risco, menos taxa de juros, menor endividamento, maior confiança, maior investimento. Fora isso, seria ficar esperando que vamos sair da crise por causa do divino.

Muitas multinacionais tiveram prejuízo no Brasil. Algumas fecharam as portas. Haverá volta dos investimentos externos?

Isso vai acontecer aos poucos. Num primeiro momento, o investidor vai preferir a oportunidade de comprar um ativo existente, que está com preço baixo. Até porque há excesso de capacidade, e só faz sentido investir em expansão quando a capacidade estiver esgotada.

O dólar caiu bastante nas últimas semanas com a expectativa de que Dilma saia. O mercado tende a ficar mais calmo com a saída da presidente? Como isso favorece o Brasil?

Nem o céu nem o inferno, nem o dólar tem que estar muito apreciado nem muito depreciado. Um patamar de R$ 3,50 a R$ 3,60 é um patamar ótimo.

Caso haja uma reviravolta e Dilma permaneça no poder, é possível ela retomar a governabilidade com um Congresso tão fragmentado e uma sociedade tão polarizada?

Ela vai ter que refundar o governo, vai ter que buscar um acordo com os partidos que deixaram a base. Vai ter que se reinventar dentro de um plano de salvação nacional. É difícil, mas vai ter que ser tentado de um jeito ou de outro. Caso isso não seja buscado, a situação econômica vai degringolar. Talvez, nessa hipótese, a gente vá ter que piorar mais para depois gerar algum consenso.

Qual o maior erro de Dilma do ponto de vista econômico?

Não ter feito as reformas estruturais.

E do ponto de vista político?

A incapacidade de criar uma base de sustentação que buscasse esse tipo de reforma de que a gente precisa. Na medida em que ela se distanciou do Congresso, não conseguiu, quando precisou, uma sustentação política para avançar nessa agenda.

O país teve grau de investimento, quase pleno emprego. Caminhamos agora para uma década perdida?

Se a gente não reagir agora… Os anos 1980 começaram com um desastre, depois teve uma reação em meados da década e piorou de novo. A gente tem tempo para evitar que seja tão ruim como a década perdida. Por isso, precisamos fazer as reformas.

Qual sua projeção para o PIB este e o próximo ano?

Queda de 3,8% em 2016 e alta de 0,2% em 2017.

Qual o preço que os brasileiros, especialmente os mais jovens, vão pagar por esses erros?

O desemprego, protelando a entrada no mercado de trabalho. Mas acho que conseguimos reverter essa situação em dois a três anos. Por outro lado, a juventude está aprendendo algo interessante, que é o funcionamento da democracia. E algo inteiramente novo para nós, que é a Lava-Jato, ver o país tentando se livrar dessa prática hedionda (a corrupção) da política. Se há algo de positivo, é que aprendemos que não podemos tolerar isso. Talvez a geração mais jovem possa ser melhor do que a minha nesse sentido.


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