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Documento apreendido na Zelotes contradiz depoimento de empresária

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BRASÍLIA – Em 2 de fevereiro deste ano, a empresária Cristina Mautoni, uma das rés da ação penal da Operação Zelotes, prestou depoimento na Justiça Federal e corroborou versões dadas pelo marido, o lobista Mauro Marcondes, e por Luís Cláudio Lula da Silva, filho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sobre pagamentos feitos à LFT Marketing Esportivo. Durante o depoimento, ela foi categórica: não tinha ingerência no trabalho do marido, o também réu Mauro Marcondes. Segundo ela própria, Marcondes é um homem machista que não gosta de ouvir ordens ou questionamentos da mulher. Além disso, tem dificuldade para lidar com computadores, o que fazia com que ela o auxiliasse nessa tarefa, mas sempre sem interferir nas suas decisões. No entanto, uma cópia em inglês do currículo de Cristina, apreendido pela Polícia Federal (PF), mostra um cenário diferente. O documento a descreve como uma negociadora competente, que gerou ganhos de US$ 15 milhões e com contatos em vários órgãos do governo, a começar pela Presidência da República.

A PF concluiu que Cristina “conhece e trata diretamente de assuntos relevantes da empresa, ultrapassando a condição de mera secretária ou porta voz de seu esposo”. Diz ainda que, pela leitura do currículo, “fica evidente sua participação e liderança nos negócios da empresa Marcondes e Mautoni, sendo uma de suas figuras de proa”. Mais adiante, acrescenta que o uso de expressões como “contato, ligação e negociação com órgãos governamentais brasileiros e estrangeiros, bem como recrutamento, gestão, coordenação” indicam que ela “possui poder decisório dentro desse processo em sua empresa”. Em outro ponto, a PF destaca que ela assina quaisquer documentos pela empresa, sendo indiscutível sua responsabilidade.

No papel, Cristina era sócia da empresa de consultoria Marcondes & Mautoni. Mas, segundo tentou demonstrar na audiência de 2 de fevereiro, não tinha nenhuma ingerência nos negócios, apenas auxiliando o marido, dada sua dificuldade em mexer com computadores. Cristina também disse que era copiada em todos os e-mails enviados a ele, para depois imprimi-los. Mas contou que sequer os lia. Foi o caso, por exemplo, dos trabalhos encomendados por R$ 2,4 milhões à LFT Marketing Esportivo, empresa que pertence a Luís Cláudio Lula da Silva, filho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Na ocasião, ela também disse não saber muito a respeito desse contrato, até porque o marido não gostava de dar detalhes. Para sustentar sua versão, ela destacou a diferença de idade dos dois — ele é quase 27 anos mais velho — para dizer que o marido é de outra época. Em resumo, um homem mais machista e pouco afeito a aceitar ordens ou questionamentos da mulher sobre seus negócios. Ela e o marido estão presos preventivamente.

— Eu tenho um relacionamento com um homem de 27 anos de diferença. É outro tipo de relacionamento. E a gente tem uma filha. Então você não pode levar tudo a ferro e fogo e querer saber de tudo. É outra época, mais machista — afirmou ela em 2 de fevereiro.

O currículo de Cristina tem quatro páginas e informa dois períodos de trabalho na Marcondes & Mautoni: entre 2002 e 2004, e depois, a partir de 2006. No primeiro período, o currículo destaca que ela mantinha “contatos com autoridades do governo em Brasília, incluindo o Ministério dos Transportes, Fazenda e a Presidência da República”, além da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e da Secretaria de Transportes paulista. O segundo período na Marcondes & Mautoni mostra relações com a Presidência da República e o Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio (MDIC). De acordo com o currículo, ela estabeleceu “relações sólidas com companhias multinacionais, governo e CFO (Chief Financial Officer – diretor financeiro) de companhias”. O currículo está todo em inglês, fato destacado pela PF.

‘PROATIVA, MADURA E EQUILIBRADA’

Segundo a Polícia Federal, isso serviria “certamente para ser apresentado a empresas multinacionais ou estrangeiras com as quais a M&M se relaciona”. O currículo começa informando o atual objetivo de Cristina: “procurando novos desafios em organizações internacionais”. Também aponta qualidades de Cristina – forte em relações pessoais, proativa, madura, equilibrada, firme e compromissada – e diz que ela tem “exposição internacional”, fruto de viagens a lugares como América do Sul, Estados Unidos, Europa e Ásia.

O advogado Roberto Podval, que defende Cristina, continua sustentando a versão de que ela não tomava parte das decisões da empresa.

— Eu não sei para que finalidade serviu aquele currículo, ou para que ela ia usar aquilo. O que eu sei dizer é qual era a participação dela na empresa. E todas as testemunhas que foram ouvidas relataram que ela não participava. Todo mundo que foi ouvido falou que mal a conhecia, que ela não participou de absolutamente nada. Então todas as pessoas que foram ouvidas nesse processo todo colocam a participação dela, independentemente do que ela diz, como absolutamente insignificante. Agora, se ela fez um currículo, para que finalidade ela fez, o que ela pôs no currículo, eu não sei te dizer. O que eu sei te dizer é o que aconteceu, o que está comprovado nos autos, independentemente do que ela diz, porque ela poderia até ter mentido (no currículo) enfim — disse Podval.

A Zelotes começou investigando irregularidades no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), ligado ao Ministério da Fazenda. Conselheiros receberiam propina para reduzir e anular multas aplicadas aos contribuintes pela Receita Federal. Depois, os investigadores também passaram a analisar possível venda de trechos de medidas provisórias (MPs) para beneficiar algumas montadoras, entre elas a Caoa, representante da Hyundai, e a MMC Automotores, que fabrica veículos da Mitsubishi no Brasil. A ação penal na Justiça Federal do Distrito Federal trata da negociação das MPs. Outras frentes de investigação prosseguem, mas ainda não levaram à abertura de uma ação na Justiça.

Segundo a revista “IstoÉ”, o senador Delcídio Amaral (PT-MS), que ficou preso entre novembro de 2015 e fevereiro de 2016 em decorrência da Operação Lava-Jato, citou Crisina Mautoni e Mauro Marcondes em acordo de delação premiada. De acordo com a revista, Delcídio disse que Lula lhe pediu por várias vezes que “agisse para evitar a convocação do casal Mauro Marcondes e Cristina Mautoni para depor” na CPI do Carf. O motivo: o possível envolvimento de seu filho. No ano passado funcionou no Senado uma CPI para investigar irregularidades no conselho. Está prevista para esta terça-feira a instalação de nova CPI, desta vez na Câmara. Em nota, o Instituto Lula negou as acusações contra o ex-presidente.


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