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Deputado ameaça desmatar, destruir terras e atacar procurador que não permitir grilagem

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Rondônia – O Jornal de Rondônia 2ª Edição teve acesso a escutas telefônicas e documentos que apontam o envolvimento do deputado estadual Jean Oliveira (MDB) em uma quadrilha que tentou grilar uma unidade de conservação ambiental. A investigação é realizada pela Polícia Federal (PF) e Ministério Público de Rondônia (MP-RO).

De acordo com a investigação, o grupo cogitou até matar um procurador do estado. O plano foi descoberto após desdobramento da Operação Feldberg, deflagrada pela PF em dezembro de 2019.

Para a PF e MP, o objetivo da quadrilha era usar a unidade de conservação da reserva extrativista Rio Pacaás Novos, em Guajará-Mirim, para gerar créditos de desmatamento. Depois, esses créditos seriam vendidos a proprietários rurais de Rondônia que desmataram ilegalmente suas reservas legais e precisam regularizar o passivo ambiental. A área da unidade de conservação estadual é de 64,6 mil hectares.

Segundo a PF, foi encontrado em um site de vendas um anúncio comercializando 34,6 mil hectares, pouco mais da metade da área da unidade de conservação, pelo valor aproximado de R$ 52 milhões. Para a polícia, o restante da área foi negociada.

Com exclusividade, o núcleo de investigação da Rede Amazônica obteve escutas telefônicas autorizadas pela justiça que mostram como o grupo agia.

Uma das conversas é do dia 21 de março de 2019, entre o deputado Jean e o empresário Alexsandro Zarelli, chamado de Alex.

O diálogo divulgado é:

– JEAN: Já pegou meu dinheiro daquilo lá ou não? Zareli, eu quero saber se o meu tá preservado.

– ALEX: Tá, mas lógico que tá.

– JEAN: Tá peidando aí né?

– ALEX: É doido é.

– JEAN: Hum… E daí, fala aí.

– ALEX: Lógico que tá preservado.

– JEAN: E aÍ?

– ALEX: Hum e aí, isso que eu tô falando, a gente tinha que ir na…

– JEAN: É mas cês não (ininteligível)…

– ALEX: Não precisa, tá na minha mão, homem. Fique tranquilo… AÍ o que que acontece. Ó pensa bem, presta atenção na (ininteligível). Conseguimos engatar o negócio. Mudou os terrenos. Maravilha. O que que nós faz: comissão de meio ambiente aperta o cerco na Sedam. Põe pra cima, aí eles deixa o pessoal aí pra dever o PRA [Módulo da Sedam]. Notifica o pessoal pra dever o PRA. Aí você tem argumento pá, pra forçar. Aí a Sedam notifica os cara vai ter que comprar a área. Entendeu?

O deputado Jean Oliveira é presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de Rondônia (ALE-RO).

Em outro trecho, o deputado mostra não estar interessado em defender as causas do meio ambiente e pretendia desmatar uma área no município de Alta Floresta.

– JEAN: (ininteligível)… Nós tinha que arranjar era advogado mais esperto… Desmatar hoje. Eu ia comprar uns 20 mil hectares, ia acabar com aquelas terras de Alta Floresta…

– ALEX: Mas compra cê fala… Servidão pra desmatar?

– JEAN: É. Vou mandar fazer essa proposta lá. Mas tu sabia que a gente fez uma lei do estado sobre o minério, pra gente poder compensar a área explorada em reserva legal?

-ALEX: Hum.

– JEAN: Para minério?

– ALEX: Sim, minério e o calcário.

– JEAN: Não, minério.

– ALEX: Que é calcário também, né.

– JEAN: Claro, calcário também é um minério.

– ALEX: Eu sei, foi bem esse aí que eu consegui liberar do …

– JEAN: Pois não, é o seguinte. Tem minério em área de reserva legal. O cara não pode mexer com a reserva legal. Mas aí o cara pode compensar. Nós podia fazer uma lei pra 400% de tudo, que daí seria o seguinte, oh se desmatar, é mesma coisa que você… Entendeu?

– ALEX: Uhum.

De acordo com as investigações da justiça, o empresário Alexsandro Zarelli é apontado como o líder da quadrilha, que contava com a participação do deputado estadual Jean Oliveira.

Além dos crimes ambientais, o grupo criminoso cogitou assassinar o procurador Matheus Carvalho Dantas, responsável por emitir pareceres ambientais no âmbito da Procuradoria Geral do Estado. O motivo seria a recusa do procurador em avalizar a grilagem.

– ALEX: Não, aí é independente, eu tô dizendo o fato de que, ele não ia colocar, ele não ia colocar a caneta dele lá se tivesse faltando documento, se fosse documento peidado pô, eles consultaram no cartório. Aí o Trindade vai e fala pro cê: ‘Não, não tem não, Jean’. O que foi feito lá tá tudo certo quando eu liberei o documento, tava tudo certo. Beleza, aí pediu o documento pra comissão. Traz o processo, e aí, o que é que tá acontec… O que que tá errado nesse processo aqui meus companheiros. Aí porque o proprietário veio conversar comigo e tal, foi liberado tudo certinho, conforme a lei, e agora foi… A Sedam cancelou e tal. Eu quero saber o que foi que aconteceu aqui nesse processo. Era esse caminho, entendeu? Aí eles: ‘Então tá, cês me dão um parecer por escrito. Eles não têm nada de errado (risadas) na lei. Tem matrícula em cartório, não tem que se discutir mais nada. Aí o outro fica botando pelo em ovo. O Danizel tava falando pra mim que ia… Perguntou pra mim o que… Que que eu achava de a gente…

– JEAN: Passar fogo?

– ALEX: Mandar o Mateus pro inferno.

– JEAN: Vamos atacar ele, ué. Porque cê não falou…

– ALEX: Uai a esquerda era aqui. Será que ele foi inspecionar?

O que dizem os citados

O deputado Jean Oliveira testou positivo para a Covid-19 e também foi diagnosticado com uma bactéria nos pulmões. De acordo com os médicos, ele está com a capacidade respiratória comprometida.

O deputado está internado no hospital Albert Einsten em São Paulo. A assessoria do deputado informou no sábado (11) que “Jean Oliveira nunca sugeriu nem cogitou assassinar ninguém”.

Já o empresário Alexsandro Zarelli, apontado como o líder do grupo, está em prisão domiciliar. Ele chegou a ser preso pela polícia federal na Operação Feldberg, em dezembro de 2019, mas conseguiu fugir da prisão em Cuiabá (MT). A Rede Amazônica não conseguiu contato com a defesa da empresário.

Procurado, o MP-RO não quis falar sobre as investigações. Por meio da assessoria, a promotoria disse que o inquérito está com a polícia federal para investigações complementares, e que a procuradoria geral de justiça ainda está analisando algumas ‘cautelares do processo’.

Nota de repúdio

A Associação de Procuradores do Estado de Rondônia (PGE), junto com a Procuradoria Geral de Rondônia (PGE-RO), emitiu uma nota repudiando o diálogo entre Oliveira e Zarelli em que cogitam assassinar o procurador do estado. No comunicado, dizem que esperam que tudo seja investigado rigorosamente e que prestam apoio ao procurador atacado.

“É absolutamente injustificável e, sobretudo, inaceitável que a advocacia pública tenha se transformado em atividade de risco no Estado de Rondônia, gerando estresse emocional e insegurança àqueles que se dedicam a essa função e a seus familiares. Fatos como este, longe de intimidarem os membros da Procuradoria Geral do Estado, apenas reforçam o seu ideal de busca pelo interesse público”, citam.

A Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape) também emitiu nota repudiando a conversa. Informou ainda que acompanhará as investigações e que vai requerer às autoridades “o mais absoluto rigor na apuração”.

Fonte: G1 RO

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