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Defesa de Dilma diz que abertura de impeachment é “golpe de Estado”

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BRASÍLIA — A defesa escrita da presidente Dilma Rousseff na Comissão de Impeachment, de 201 páginas, faz duros ataques aos opositores e diz que a aceitação da abertura desse processo vai se caracterizar como um “golpe de Estado”. O documento, assinado pelo ministro da Advocacia Geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, diz que esse “golpe” não será dado em “quartéis e na calada da noite”, mas, durante o dia, sob a luz do sol e com transmissão ao vivo pelas redes de comunicação. A defesa da presidente classifica o movimento do impeachment como um revanchismo eleitoral e fruto da intolerância, do prejulgamento e do desrespeito a adversários políticos.

“A hipótese de aceitação destas denúncias, sem nenhum embasamento constitucional, qualificarão indiscutivelmente uma verdadeira ruptura com a nossa ordem jurídica democraticamente estabelecida. Será um verdadeiro e indisfarçado golpe de Estado. Uma tal ruptura constitucional será imperdoável aos olhos da vocação democrática atual do nosso país, da opinião pública internacional e da nossa própria história” – diz a defesa de Dilma.

“Hoje, os golpes não são mais urdidos em quartéis na calada da noite. A realidade dos dias atuais e os valores dominantes não mais permitem. Nos dias atuais, os golpes são igualmente violentos, mas acabam sendo fundados uma retórica democrática discursiva vazia e destituída de qualquer conteúdo real. São engendrados sob a luz do sol, com transmissão ao vivo pelas redes de comunicação e com informações online, transmitidas pelas mídias sociais. Tudo com a aparência da mais absoluta legitimidade. Hoje, não mais usam armas letais para a derrubada à força de um governo legitimamente eleitos. Tais ações estão fora de época. Hoje, para os golpes de Estados, usam-se apenas as mãos para que sejam rasgadas, com elegância e discrição, páginas das constituições sobre as quais foram afirmadas a existência do estado democrático de direito”.

O texto chama a decisão de Cunha de abrir o impeachment de uma decisão “ilegal e viciada”, e com claro e notório desvio de poder.

“É decorrente de ameaças e de chantagens não atendidas pela presidenta Dilma Rousseff e por membros do governo”

A defesa de Dilma diz ainda que, caso ela seja afastada, o governo que irá sucedê-la não terá condições de governar.

“Nenhum novo governo nascido de uma situação de ruptura institucional terá legitimidade e condições de governabilidade para propiciar a paz e a força necessárias para a superação da crise econômica e política que hoje o país necessita. Nenhum governo, no estágio atual de desenvolvimento democrático do nosso povo, suportará a pecha de ter nascido de um ato de usurpação ilegítima do poder e da negação da Constituição”.

DETALHES DA DEFESA

Logo na primeira página, Cardozo faz uma citação: “O fato de ser o impeachment processo político não significa que ele deva ou possa marchar à margem da lei”

Sobre as condições de admissibilidade do impeachment no estado democrático de direito e lembrou o período da ditadura. “Lutas, angústias e terríveis sofrimentos pavimentaram um longo caminho percorrido para que pudéssemos chegar, finalmente, a esta histórica afirmação constitucional. Muitos morreram, padeceram no cárceres ditatoriais,foram torturados, exilados ou tiveram suas vidas arruinadas até que o império absoluto da lei e da vida democrática passou a reger e a iluminar a vida de todos os cidadãos brasileiros”.

Cardozo fala que, num governo presidencialista como nosso, “não estabelece a nossa Constituição mecanismos de controles políticos primários entre o chefe de poder executivo e o parlamento”.

E mais: “A Presidenta da República não tem o poder de determinar a dissolução do Congresso Nacional,da mesma forma que não pode ser desligada da sua função por uma mera avaliação política da inconveniência de sua permanência pela maioria dos membros do Poder Legislativo”.

Diz ainda que as hipóteses de perda do mandato presidencial, materializadas através do processo de impeachment, são excepcionalíssimas e se afirmam em âmbito absolutamente restrito e com aplicação autorizada apenas a situações graves e excepcionais de proteção da ordem constitucional.

“O impeachment apenas pode ser autorizado em hipóteses de exceção constitucional e quando a gravidade dos fatos indicarem a inexistência de meios ordinários de salvaguarda da ordem jurídica vigente”.

O ministro diz também ser “absolutamente impensável” afirmar que em um regime presidencialista, “meras situações episódicas de impopularidade governamental” possam ser motivo para impeachment.

MAIS ALEGAÇÕES

A defesa alega a ausência de “intimação regular” de Dilma na audiência em que os autores do pedido de impeachment foram ouvidos pela comissão. Diz que ela ou seu representante legal poderiam ter acompanhado, feito perguntas. E que na decisão do Supremo sobre o rito do impeachment fica claro que a “a defesa tem direito a estar presente em quaisquer atos em que se busque a elucidação do apurado nesta particular espécie de processos podendo, inclusive, se manifestar após a acusação”.

Pelo texto apresentado, a defesa deveria estar presente e a ausência dessa intimação “feriu de morte, mais uma vez. o direito à ampla defesa da autoridade denunciada nestes autos”, atingiu o princípio da “paridade de armas”, implicou em vício insanável ao processo e violência ao direito de defesa. E que o fato de não ter sido formalmente intimidada foi agravado porque a comissão não concedeu novo prazo à defesa depois dos esclarecimentos dados pelos denunciantes, mesmo com o pedido feito pelos deputado Weverton Rocha (PDT-CE) e Paulo Teixeira (PT-SP), não se deu “nenhum dia adicional” à presidente para se defender.

” A inconstitucionalidade e a ilegalidade da tramitação do presente processo, a cada passo, se tornam mais incontestes”, diz um trecho da defesa, que pede a anulação da sessão em que falaram os autores do impeachment e, caso ela não seja anulada, a abertura de prazo de dez sessões para a defesa. Pede ainda que a defesa seja intimada formalmente de novos atos. O texto justifica que a defesa foi apresentada, “sob protesto”, para não haver preclusão.

SOBRE O MÉRITO

Cita José Carlos Barroso, para dizer que impeachment pressupõe crime de responsabilidade e define o que é esse crime: “infrações político-administrativas” que podem ser praticadas por determinados agentes públicos em razão do cargo que ocupam, que acarretam graves sanções não apenas para quem os comete, mas para a vontade dos que o elegeram. Salienta que esse tipo de crime jamais pode ser confundido com “crime comum” e nem “com infrações tipicamente administrativas”. Mas tem “natureza dúplice de infração penal e administrativa”, por isso tem que ser aplicado ao processo de impeachment as garantias do processo penal e do processo administrativo sancionador.

Cita Teori Zavaski, para dizer que é preciso respeitar “o devido processo legal”. Diz que se o processo de impeachment tem que ter ” a indicação da tipicidade” do crime de responsabilidade para responsabilização do autor, ou terá “mero contorno político”, equivalendo à “moção de desconfiança” do parlamentarismo. A defesa sustenta que o crime de responsabilidade tem que que ter a “tipificação taxativa” da lei penal, não pode retroagir e tem que definir a tipicidade e a ilicitude penal da conduta do agente. O ato tem que ter natureza funcional e ter sido praticado no exercício do mandato em andamento. E os atos têm que atentar contra Constituição Federal, “não são quaisquer condutas” que se enquadram neste tipo de crime. Tem que ser crime previsto em lei.

Diz que é preciso ficar provado que o crime foi doloso (houve má fé) e não apenas na modalidade culposa (negligência, imprudência ou imperícia). “A presidente poderia ter tomado outra decisão sem ofensa aos interesses públicos, sem prejuízo à ordem social e econômica?”

CRÉDITOS SUPLEMENTARES E LEI ORÇAMENTÁRIA

A comissão limitou a denúncia à análise dos seis atos editados entre 27 de julho e 25 de agosto de 2015 que não estariam em conformidade com a obtenção da meta de resultado primário vigente, atribuindo a isso crime de responsabilidade de Dilma. Diz que há desconhecimento técnico dos autores do impeachment sobre o que é gestão orçamentária e gestão fiscal. O texto que eles comentem “equívocos técnicos primários” e faz um quadro com os erros conceituais da denúncia. Diz que Dilma jamais teve intenção de burlar qualquer norma, mas que apenas atuou para garantir o funcionamento da máquina pública.

Para exemplificar os decreto de Dilma, a defesa faz um quadro em que diz que o orçamento é um feira, com os produtos disponíveis para a compra e preços a serem cobrados. “O limite fiscal seria a quantidade fixa de dinheiro que o governo pode usar para comprar o que está disponível, uma espécie de lista de compra, e os decretos de Dilma apenas aumentaram o limite orçamentário, disponibilizando mais produtos, mas tudo dentro da lei”, diz o quadro. “O decreto suplementar apenas alterou a lista de compras.”

A defesa diz ainda que mais de 20 técnicos participam da análise de um decreto de crédito e que mesmo que uma hipotética ilegalidade tivesse ocorrido, seria impossível existir qualquer dolo da presidente na sua expedição. “Como seria possível afirmar que haveria má-fé da presidente na edição desses atos?”.


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