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A soma de todos os erros: Dilma abriu buraco fiscal e comprometeu ganhos sociais

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BRASÍLIA — A política econômica dos anos Dilma Rousseff dialoga diretamente com o estilo da presidente que a conduziu, a partir de janeiro de 2011. Administradora voluntariosa, economista de formação, Dilma engendrou um plano que é espelho de sua persona gestora, ancorado na ideia de que o Estado é capaz de tomar as melhores decisões. Da taxa de juros ao manejo das finanças públicas, do caixa de estatais listadas em Bolsa à regulação de setores essenciais, pouco escapou do intervencionismo nesses 65 meses. O resultado é o maior desastre da história econômica do Brasil — cuja capacidade de gerar riquezas, medida pelo Produto Interno Bruto (PIB), retrocedeu ao nível de cinco anos atrás, quando a petista chegou ao poder.

Dilma herdou de seu antecessor e patrocinador, Luiz Inácio Lula da Silva, uma economia crescendo 7,5%. Pode deixar o Palácio do Planalto com uma recessão da mesma magnitude — o PIB, que teve retração de 3,8% em 2015, este ano terá queda adicional de 3,9%. Este indicador é produto da soma de todos os erros cometidos na condução da economia, que levaram o país a alto grau de desequilíbrio fiscal e monetário, corrosão da capacidade de investimento e perda acentuada de credibilidade.

Não é ciência exata determinar o início da política que, mais tarde, seria conhecida como Nova Matriz Econômica — uma combinação de juros baixos, desonerações, subsídios e protecionismo, supostamente indutora do crescimento. O embrião foi a gestão exitosa do pós-crise financeira internacional. Com estímulos fiscais e tributários, o Brasil passou rapidamente pelos mares mais turbulentos de 2008 e 2009. Mas o primeiro passo radical de intervencionismo deu-se em agosto de 2011.

Naquele mês, bastante popular, Dilma pressionou o Banco Central (BC), presidido por Alexandre Tombini, a reduzir a Selic, relataram interlocutores da presidente ao GLOBO. Iniciou-se um longo ciclo de corte de juros, que culminou com a taxa mais baixa já registrada no Brasil, de 7,25% ao ano, 14 meses mais tarde. Juros baixos animariam crédito a famílias e empresas.

Havia uma pedra no meio do caminho, porém. A farra de crédito para consumo na era Lula gerou brasileiros endividados, deixando os bancos mais cautelosos na concessão de empréstimos. A economia começou a desacelerar, com a hoje irônica ajuda de um aperto fiscal do então ministro da Fazenda, Guido Mantega, e seu secretário do Tesouro, Arno Augustin.

No início de 2012, sem uma queda sensível dos juros ao consumidor e o PIB fraco, Dilma declarou guerra aos elevados spreads bancários, ordenando aos bancos públicos a redução de suas taxas (e de sua rentabilidade). Esta ofensiva foi escalada em 2013 e 2014, com a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil (BB) ampliando o crédito direcionado com juros subsidiados.

A tática de guerrilha foi reforçada com o financiamento para garantir os investimentos de quem produz. O BNDES lançou no segundo semestre de 2012 um programa de R$ 500 bilhões, bancado pelo Tesouro Nacional, que contribuiu para a elevar a dívida bruta. Coube à União também arcar com parte significativa do custo dos prazos e subsídios generosos do programa.

Rodadas de desonerações amplas — que reduziram a arrecadação em R$ 393 bilhões, entre 2011 e 2016 — também foram feitas a diferentes setores, como o automotivo e o de semicondutores, passando pelo corte de tributo sobre a folha de pagamento. As importações foram desestimuladas, abrindo brecha à alta de preços.

O ano de 2012 foi um marco também por mudanças regulatórias, que tiveram implicações muito negativas para a percepção de risco e a credibilidade da economia brasileira. As concessões de geração e transmissão elétrica foram unilateralmente revogadas para impor tarifas mais baixas, e as novas regras para a exploração de portos e mineração e os modelos de concessão foram considerados pouco atraentes pelo setor privado.

— Dilma, que foi brizolista a vida toda até entrar para o governo Lula, incorporou Leonel Brizola naquele ano — brinca uma fonte, em referência ao receituário nacionalista do ex-governador.

Agrupadas, essas frentes de estímulo promoveram uma enxurrada de recursos na economia. A inflação passou a subir rapidamente. Do lado do caixa da União, abiu-se um rombo fiscal. Para piorar, 2012 marcou o início da queda dos preços das commodities, importante fonte de recursos na era Lula e catalisador de investimentos de gigantes como Vale e Petrobras.

— O maior erro do governo Dilma talvez tenha sido não só continuar os erros do segundo mandato de Lula, mas agravá-los, com políticas expansivas, de favorecimento a consumo. Também errou ao deixar a taxa de câmbio ter se valorizado por tanto tempo — avalia Joaquim Elói Cirne de Toledo, ex-professor da USP.

Para corrigir erros, o governo redobrou a intervenção e aprofundou as incertezas acerca da economia do Brasil. A Petrobras foi impedida de aumentar os preços da gasolina; o Tesouro usou bilhões de reais para impedir reajustes da conta de luz; e os juros voltaram a subir fortemente. A credibilidade do BC caiu. O câmbio foi sobrevalorizado, por sua repercussão positiva para a inflação.

O dinheiro sumiu e para fechar as contas públicas, o Tesouro acelerou as chamadas “pedaladas”, que quadruplicaram entre o início e o fim do primeiro mandato de Dilma. O descrédito da política fiscal desencadeou uma onda de pessimismo ainda em 2013, retraindo a disposição de investimento das empresas. A Operação Lava-Jato, desencadeada em março de 2014 com seus efeitos para os setores de óleo e gás e de construção civil especialmente, foi a pá de cal na confiança, e a economia entrou em rota recessiva.

— Cada erro, como estímulos enlouquecidos, produzia efeitos ruins e nova medida equivocada para consertá-lo, numa espiral. E a presidente simplesmente não ouvia os alertas, de dentro e de fora do governo. O grande problema foi o afastamento do Lula, em outubro de 2011, para tratar o câncer. A Dilma ficou sem supervisão (política) por muito tempo — afirmou um ex-integrante da equipe econômica.

Insistir em negar a crise e só reconhecer a influência da economia internacional é outro custo que, avaliam analistas, o governo Dilma impôs ao país.

— Se eu não sei nem onde estou, como é que posso saber para onde irei? — questiona o economista José Roberto Afonso, da Fundação Getulio Vargas (FGV).

O legado mais perverso da política econômica, porém, é o desmonte dos ganhos sociais experimentados no governo Lula. O mercado de trabalho, que produziu 15 milhões de vagas entre 2003 e 2010, chegou ao primeiro trimestre de 2016 com mais de três milhões de desempregados, em apenas um ano. A renda média, que estava em R$ 2.031 no ano passado, teve queda inédita para R$ 1.966 este ano.

— A política social não resiste a uma queda de 4% do PIB no ano passado e mais 4% neste ano — afirma o economista Antonio Corrêa de Lacerda, da PUC-SP.

E o pouco apreço de Dilma pela política piorou as coisas, sem avanços em áreas estruturais, com a Previdência e a carga tributária.

— Ela chegou a “demitir” seus líderes no Senado e na Câmara. A esnobada que a Dilma deu no Congresso custou alto, porque não tinha apoio lá para tocar qualquer outra agenda — relata outro ex-integrante do governo Dilma.

Luiz Carlos Prado, professor do Instituto de Economia da UFRJ, lembra que o preço pago foi alto demais.

— A soma dos erros levou a uma perda clara do apoio da sociedade. Mas acho que agora não muito hora de olhar para trás. O ponto é olhar para a frente e apresentar à sociedade as escolhas que ela deve fazer — afirma Prado.

(Colaborou Marcello Correa)


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