Mulheres acionam Defensoria para garantir direito às doulas nas maternidades
RIO — De reforma da casa a enxoval, quase tudo o que cerca o nascimento de Ísis, planejado um ano antes de ela ser concebida, está pronto. Para a mãe, Thaís Almeida, apenas um item é incerto, e a preocupação que isso traz pesa mais do que os 89 quilos que ela carrega em sua quadragésima semana de gravidez: a doula que a acompanha há cinco meses não poderá estar ao seu lado na hora do parto. O impedimento vem após uma resolução do Conselho Regional de Medicina (Cremerj) de 2012, que voltou a vigorar em fevereiro deste ano e determina que só profissionais formados na área de saúde podem cuidar de gestantes dentro de hospitais. Diretores e médicos das unidades que não seguirem a resolução podem ter seus registros cassados.
A medida fez com que quase 40 mulheres acima de 37 semanas de gestação — entre elas Thaís — procurassem a Defensoria Pública do Estado do Rio para entrar com ações individuais que garantam a presença da doula, além do acompanhante, na sala de parto. O Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem) da Defensoria planeja, também, uma ação coletiva, para que o direito valha para todas as grávidas do Rio.
— O Cremerj diz que as doulas não têm qualificação necessária, mas elas não interferem no trabalho da equipe médica, e sim dão apoio psicológico e conforto para as gestantes, realizando massagens para aliviar a dor. São áreas distintas, que não se confundem. Impedir que as grávidas fiquem com suas doulas é uma agressão — avalia a coordenadora do Nudem, Arlanza Rebello.
PROIBIÇÃO TAMBÉM NAS PARTICULARES
A primeira gestante a entrar com ação obteve, no domingo de Páscoa, dia do parto, autorização judicial para ser assistida por sua doula. Vanice Silva teve bebê na maternidade municipal Maria Amélia Buarque de Hollanda, no Centro, a mesma em que Thaís verá a chegada de sua filha. O hospital era um dos poucos da rede pública do Rio com uma política favorável à participação das doulas. Com a resolução do Cremerj, no entanto, elas passaram a ser proibidas. O mesmo ocorreu com maternidades particulares como a Casa de Saúde São José. Já a Perinatal informou em nota que, “quanto à entrada da doula na sala de parto, trata-se de um acordo entre o obstetra e a paciente”.
— Não quero ter que escolher entre meu marido e minha doula — reclama Thaís. — Com ele, estou envolvida emocionalmente; com ela, psicologicamente.
Thaís decidiu que iria procurar uma doula logo no início de sua gestação, ao saber da experiência traumática de uma amiga no ano passado: ela teve sua bolsa estourada à força, membros da equipe médica disseram ao seu marido que ela era incapaz de parir e a deixaram por 12 horas no corredor do hospital após o parto. Situações assim não são raras: uma em cada quatro mulheres que já tiveram filhos no Brasil reconhece que sofreu violência obstétrica no parto, segundo uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo, divulgada em 2010.
— A presença da doula geralmente diminui o risco de esse tipo de situação acontecer — diz a doula de Thaís, Paula Inara Melo, que também espera um bebê e já participou de 140 partos. — O papel da doula não é o de dizer aos médicos o que fazer. Só quem pode fazer isso é o acompanhante. O dever dela é preparar a gestante para o momento do parto, e a simples presença dela, como uma pessoa informada sobre o assunto, já intimida a existência de violências.
A Secretaria municipal de Saúde informou, em nota, reconhecer a importância das doulas, “que oferecem apoio emocional e são consideradas pelo Ministério da Saúde como instrumento humanizador durante o parto, uma vez que orientam e auxiliam a gestante”.
Porém, Vera Fonseca, conselheira responsável pela Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia do Cremerj, considera que a falta de regulamentação da profissão impede que as doulas possam ser aceitas em hospitais.
— Nunca chegamos a receber queixas de médicos em relação à conduta de alguma doula, mas, ainda assim, acreditamos que esta não tem um papel claro dentro da sala de parto. Só estamos preocupados em oferecer qualidade para o médico e para a gestante — afirma.
De acordo com o diretor da Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Rio de Janeiro (Sgorj), Raphael Câmara, existem dois problemas relacionados à atividade da doula: a falta de um curso definido e a “doutrinação”.
— Em outros países, onde há regulamentação, essa atividade pode funcionar bem, mas no Brasil qualquer pessoa pode se autointitular doula, mesmo sendo analfabeta. E grande parte delas tem uma ideologia que é contra médicos e que abomina cesarianas. Muitas interferem, sim, na atuação do médico.
Raquel Marques, presidente do grupo Artemis, de defesa dos direitos da mulher, rebate ao afirmar que a doula é um profissional leigo, portanto falar em currículo mínimo seria discutível.
— Diferentemente do médico e da enfermeira, que prescrevem e fazem procedimentos, a doula dá suporte emocional. É algo muito simples mas que funciona. É difícil para os médicos, que são de uma cultura conservadora, aceitarem a doula porque ela é uma testemunha do que acontece dentro do centro obstétrico.
Cidades como Belo Horizonte (MG) e Jundiaí (SP) têm uma “Lei das Doulas”, que garante a presença delas no parto. O único estado com uma lei assim é Santa Catarina, em vigor desde janeiro. Já a cidade de Porto Alegre (RS) aprovou, na semana passada, uma lei que proíbe a atuação dessas profissionais.