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Dieta pior por mudanças climáticas pode matar mais de 500 mil em 2050

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RIO – As mudanças climáticas vão frear os avanços previstos na segurança alimentar global, com impactos na produção agropecuária que levarão à morte mais de 500 mil pessoas em todo mundo em 2050 devido à piora nas suas dietas — especialmente com um menor consumo de frutas e vegetais e aumento na desnutrição. A projeção faz parte do primeiro e mais amplo estudo realizado até agora sobre a intrincada relação entre o clima e nossos hábitos alimentares, e como esses afetam nossa saúde, publicado na edição desta semana no prestigiado periódico médico científico “The Lancet”.

— Muitas pesquisas já foram feitas sobre a segurança alimentar (sob o impacto das mudanças climáticas), mas poucas se focaram nos efeitos mais amplos na saúde da produção agrícola — justifica Marco Springmann, cientista do Programa Sobre o Futuro dos Alimentos da Universidade de Oxford e líder do estudo. — Alterações na disponibilidade de comida e no consumo também afetarão fatores de risco relacionados à dieta e ao peso, como baixa ingestão de frutas e vegetais, alto consumo de carnes vermelhas e obesidade, todos causadores de um aumento na incidência de doenças não comunicáveis como problemas do coração, derrames e câncer, assim como nas mortes por essas doenças.

Segundo os pesquisadores, esses efeitos das mudanças climáticas na nossa dieta, e consequentemente na nossa saúde, serão mais fortes nos países pobres e em desenvolvimento e no Leste da Ásia e no Sudeste Asiático, com China e Índia respondendo sozinhas por mais de três quartos das mortes. Mesmo os países mais ricos vão sofrer, com destaque para Grécia e Itália, onde a conhecida dieta mediterrânea é apontada como responsável pela relativa longevidade de suas populações. Lá, os óbitos per capita em decorrência das alterações no consumo de alimentos pelas mudanças climáticas atingirão 123,66 e 89,17 pessoas por milhão de habitantes, respectivamente, entre os índices mais altos projetados no estudo. Já para o Brasil, a previsão é de um total de 4.490 mortes em 2050 (14ª posição global), com um impacto per capita de 24,25 pessoas por milhão de habitantes (70º lugar mundial).

Os números do estudo têm como base as perspectivas de melhorias na dieta da população do planeta pelos avanços na produção agrícola. Em um cenário sem mudanças climáticas e com um desenvolvimento socioeconômico mundial mediano, as projeções são de que estas melhorias evitariam quase 1,9 milhão de mortes em 2050, com altas no consumo diário de frutas e vegetais, de carnes vermelhas e de calorias totais.

Conta com cenário mais pessimista

Mas, levando em conta a pior previsão para as emissões de gases do efeito estufa, com um aumento da temperatura média global de 2 graus Celsius no período 2046-65 quando comparada à registrada entre 1986 e 2005, esta elevação no consumo diário seria 14,9 gramas diários por pessoa menor (-4%) no caso de frutas e vegetais; 0,5 grama inferior por dia (-0,7%) de carnes vermelhas; e 99 kcal diárias mais baixa (-3,2%) nas calorias relativa ao cenário inicial. Assim, a quantidade de mortes evitadas pelas melhorias na dieta e nos fatores de risco relacionados ao peso em 2050 cairia para quase 1,35 milhão, com a diferença, de exatas 529 mil, creditada então como mortes relacionadas às mudanças climáticas.

Ainda de acordo com os cálculos dos pesquisadores, o consumo menor de frutas e vegetais do que o esperado em 2050 responderá por 534 mil destas mortes ligadas às mudanças climáticas naquele ano, superando em muito os benefícios à saúde com a também redução no consumo de carnes vermelhas, que evitará 29 mil óbitos. Já nos indicadores relativos ao peso da população mundial, as mortes que serão evitadas pelas quedas nos índices de pessoas com sobrepeso ou obesas, 35 mil e 255 mil, respectivamente, serão contrabalançadas pelo aumento na desnutrição devido à menor disponibilidade calórica que a projetada se não houvesse as mudanças climáticas, que deverá matar 266 mil pessoas em meados deste século.

— Nossos resultados mostram que mesmo modestas reduções na disponibilidade de alimentos por pessoa podem provocar alterações no conteúdo energético e na composição das dietas, e essa mudanças terão graves consequências para a saúde — destaca Springmann.

Por outro lado, o estudo indica que medidas que levem ao corte das emissões e limitem o aquecimento global podem ajudar a reduzir significativamente estas mortes relacionadas às mudanças climáticas. Dependendo da força dessas intervenções, a queda varia de 29% a 71%. Em dois cenários medianos para as emissões, por exemplo, com o aumento da temperatura na superfície do planeta ficando entre 1,3°C e 1,4°C, seriam contabilizadas 368 mil e 381 mil mortes, respectivamente. Mas mesmo na perspectiva mais otimista, com um balanço de emissões negativas pelo uso de tecnologias de captura e armazenamento de carbono e ampliação na geração de energia a partir de fontes renováveis, restringindo a alta na temperatura a 1°C, próxima dos níveis atuais, ainda assim haveria vítimas: 154 mil no total.

— As mudanças climáticas provavelmente terão um impacto negativo substancial na mortalidade futura, mesmo sob os cenários mais otimistas — lembra Springmann. — Assim, os esforços de adaptação precisam crescer em escala rapidamente. Programas de saúde pública com o objetivo de prevenir e tratar fatores de risco relacionados à dieta e ao peso, como elevar a ingestão de frutas e vegetais, devem ser reforçados e vistos como prioridade para ajudar a mitigar os efeitos na saúde das mudanças climáticas.


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