Brasília Amapá |
Manaus

O LUCRO NO CENTRO DA DISCUSSÃO

Compartilhe

Apesar de o Tribunal de Contas da União (TCU) ter condenado o uso da Lei Rouanet por projetos “com potencial lucrativo” há um mês, não há prazo para o Ministério da Cultura seguir a decisão. E o próprio ministro Juca Ferreira admite que não faz ideia de como seria possível colocar isso em prática:

— Todo dia de manhã, escovando os dentes, olhando para o espelho, eu me pergunto: “como vamos fazer isso?”. Na indústria audiovisual americana, com toda sua capacidade de planejamento, marketing e pesquisas, o número de filmes que de fato estouram é pequeno, e nem a metade se paga. É muito difícil prever o que vai dar lucro ou não. Na tentativa de remendar a Lei Rouanet, podemos transformá-la em algo pior ainda. Essa resolução do TCU estimula uma das piores coisas que podem acontecer na gestão pública, que é gestão subjetiva.

No centro da discussão estão muitos musicais de sucesso, que cresceram em tamanho e sofisticação junto com a Lei Rouanet e que têm orçamentos frequentemente superiores a R$ 10 milhões. Para o TCU, essas produções deveriam buscar recursos no mercado, através do Fundo de Investimento em Cultura e Arte (Ficart), já que costumam atrair grande público e são potencialmente lucrativas. Mas o Ficart, apesar de previsto na legislação, nunca saiu do papel. E, para produtores e diretores, sem incentivo fiscal não há musical e toda a cadeia de produção construída ao longo de duas décadas fica ameaçada.

Aniela Jordan, sócia da Aventura Entretenimento e produtora de sucessos como “Elis, a musical” e “Hair”, afirma que nenhum musical, mesmo aqueles com orçamento menor, consegue se pagar apenas com a bilheteria. Segundo ela, a Lei Rouanet permitiu o surgimento de uma cena sólida. Aniela lembra que, em 2003, houve três semanas de testes para a montagem da “Ópera do malandro”, da dupla Charles Möeller e Claudio Botelho, mas só 40% do elenco foram escolhidos porque muitos atores não cantavam e dançavam. Seis anos depois, 5 mil pessoas se inscreveram e 800 foram selecionadas para as audições de “Hair”.

— Continuamos fazendo audições para descobrir novos talentos. O ator de musical vive da sua profissão, é muito preparado, assim como iluminadores, cenógrafos, engenheiros de som. Não tínhamos gente especializada em musical. O mercado se consolidou e o público foi sendo conquistado. A Lei Rouanet tem problemas que precisam ser ajustados, mas ela é fundamental para a cultura — diz Aniela, que aponta o gargalo na prestação de contas como um problema enfrentado pelos produtores atualmente.

Para Botelho, que está completando também 25 anos de parceria com Charles Möeller, a Lei Rouanet foi o que permitiu a realização de grandes espetáculos em teatros com mais de mil espectadores. Mas ele diz que ainda enfrenta dificuldades para conseguir patrocínio:

— É ingenuidade imaginar que ter nome ou trajetória significa dinheiro na conta. Meu último musical, “Kiss me, Kate”, eu demorei seis anos para conseguir montar. Eu era o dono dos direitos, tinha o José Mayer para fazer e recebi muitos nãos. Isso não é um privilégio de quem está fazendo um Ibsen com todo mundo pregado no teto.

Botelho discorda da posição do tribunal e não vê a possibilidade de os musicais brasileiros atraírem investidores privados para se financiarem, como acontece na Broadway:

— Alguém só investiria se tivesse expectativa de retorno. A Broadway vive de oito sessões por semana. A quantidade de americanos na plateia não chega a 40%. E, mesmo lá, é um investimento que se paga ao longo de muito tempo. Não temos nada parecido com isso. Nós (Möeller e Botelho) nunca conseguimos levar as montagens para fora, no máximo Portugal. Mal conseguimos viajar pelo Brasil. Agora, o lucro precisa existir. Esta é a nossa profissão.


...........

Siga-nos no Google News Portal CM7