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Crítica: ‘Strange little birds’, do Garbage

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O pessoal do Garbage curte um estúdio. Não fosse fundada por produtores (Butch Vig, bateria e “Nervermind”, do Nirvana, e Duke Erikson, baixo, guitarra, teclados, e barulhinhos), a banda baseada em Madison, no estado americano do Wisconsin, dá a nítida impressão de se divertir a valer quando está juntinha, trancadinha (ultimamente no subsolo da casa de Vig), com instrumentos e maquininhas. Letra e melodia são a espinha dorsal, mas aqui o invólucro sonoro tem um peso raro no universo pop-rock.

No sexto disco de estúdio em pouco mais de duas décadas de banda, o som emoldura as desventuras amorosas de Shirley Manson, cantora escocesa de adoráveis cabelos cor de rosa que se coloca à frente dos três marmanjos (o outro é o guitarrista e, como os colegas, produtor Steve Marker). Segundo definição da própria Shirley, as canções tratam de “diferentes momentos da minha vida que vivi com uma pessoa que amei”. A banda assume que tinha como objetivo um disco sombrio, mas o que se ouve é um Garbage típico, até sonoramente próximo de seu disco de estreia, “Garbage”, de 1995, com guitarras e melodias grandiosos no refrão, que não deixam os problemas pessoais de Shirley se transformarem em nada muito melancólico.

ENTRE A MELANCOLIA E A EMPOLGAÇÃO

Não que ela não tenha se esforçado. Nas letras, a cantora de 49 anos mimimiza coisas como “Estou tão vazia/ Você é tudo sobre o que falo” (“Empty”); “Aliás, chama-se vingança/ Cortar fora o seu nariz para mutilar o seu rosto” (“Amends”) e outras fofuras. No entanto, o arcabouço instrumental em torno da voz — que, na maior parte das músicas, soa até seca, mais baseada na interpretação do que em malabarismos vocais ou de estúdio — não permite que “Strange llittle birds” soe como um disco de dor de cotovelo. Cobras criadas, Vig, Erikson e Marker, além da própria Shirley, encontram um equilíbrio que tornam as canções até empolgantes como “So we can stay alive” e “Even though our love is doomed”.

Além de ideias esquisitinhas para as canções, o dinâmica de cada faixa é muito trabalhada pela banda — que fica tradicionalmente um ano no estúdio, mixa, remixa, masteriza, tudo sem a menor pressa. “Blackout”, por exemplo, começa com uma bateria cheia de eco, que encontra o baixo de Erikson em uma levada básica, meio Joy Division, logo reforçada pela guitarra e pela voz de Shirley (que aqui, como em alguns outros momentos do disco, soa ligeiramente soterrada pela produção, com o perdão aos mestres do estúdio), com um calculado crescimento na dinâmica até o refrão.

Na canção seguinte, “If I lost you” (“Se eu perdesse você”, em que ela, sem agressividade, apenas admite a própria fraqueza), tudo é ainda mais minimalista, até o delicado refrão, de bela melodia, com a voz da cantora amaciada, sem transmitir qualquer malícia.

O contraste é um bom exemplo de como o Garbage trabalha: composições relativamente básicas ganham uma embalagem sofisticada (ainda que por sua própria simplicidade) e são exaustivamente trabalhadas no estúdio até que virem canções pop de alta qualidade. O dramalhão da vida pregressa de Shirley Manson, com todo o respeito, é uma boa desculpa para essa equação, um dos momentos em que a arte mais se aproxima de uma ciência exata.

Cotação: Bom


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