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Coutto Orchestra grava disco com material registrado no Rio São Francisco

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RIO — O barco Bossa Nova se preparava para sair de Poço Redondo, em Sergipe, o município que abriga a fazenda Angicos, onde Lampião foi morto. Os meninos e meninas da equipe da Coutto Orchestra enfeitavam com entusiasmo a embarcação com lâmpadas e fitas das cores azul e encarnado, tradição renovada. O comandante Bossa, aos 75 anos, esperava para descer o São Francisco, um trajeto que não fazia há muito tempo — e que não sabia quando iria fazer novamente, portanto carregava nos olhos e nas palavras um tom de despedida do rio. Bossa nova, Lampião, tradição, despedida… Muita coisa envolvida ali, e nem havia começado a viagem — fruto de um projeto da banda sergipana que resultará num disco, um documentário e uma exposição fotográfica.

A descida do rio — de Poço Redondo a Brejo Grande, um trajeto que inclui 25 localidades, feito em 22 dias, entre 24 de março e 15 de abril — era uma ideia que acompanhava o grupo desde o lançamento de seu primeiro disco, “Eletro Fun Farra” (em 2013), onde apresentavam sua mistura de ritmos locais como maracatu de brejão e taieira com gêneros de outras partes do mundo e elementos eletrônicos. Agora, a partir do material da viagem, vão construir “Voga”, o segundo álbum — voga é moda, evidência, mas também é como chamam o ritmo das remadas dos barcos.

— O Alisson Coutto (trombone, controladoras e vocais do grupo) já conhecia a região — conta Vinicius Bigjohn (acordeon e percussão). — Acabamos nos interessando em fazer essa expedição, em 2014 inscrevemos o projeto no Natura Musical e não fomos contemplados. Em 2015, conseguimos. Queríamos ver que influência que o rio exercia, em termos de subsistência e de espiritualidade.

A viagem — que antes de embarcar no Bossa Nova, teve quatro dias de etapa terrestre, partindo de Aracaju — forneceu material de sobra ao grupo, que tem ainda em sua formação Rafael Ramos (baixo e piano) e Fabinho Espinhasso (bateria). Na pesquisa, conheceram comunidades indígenas, quilombolas, viram a influência do cangaço.

— Tudo ali é reflexo de um povo lutador — diz Bigjohn. — Os quilombolas, que resistiam contra a escravidão. A tribo Xocó, que canta celebrando sua vitória pelo direito às terras em que vivem hoje. O xaxado que representa a luta dos cangaceiros contra a polícia. Tudo carrega a ideia de conquista com sacrifício. O rio está muito seco, em Gararu a profundidade é menor que 80 centímetros. O povo ribeirinho atravessa dificuldades imensas.

CANGAÇO REVIVIDO

Em meio às dificuldades, registraram sons, vídeos e fotografias. Do barulho do barco ao samba de coco do Mocambo (comunidades dos quilombolas), do aboio do vaqueiro em Porto Real do Colégio (Alagoas) ao grito de Zé Miúdo chamando seu gado em Porto da Folha (Sergipe).

— Temos muitas falas também, vamos costurar o disco com elas — adianta Bigjohn. — Em Piranhas (Alagoas), encontramos uma senhora chamada Dona Dulce, que canta cantigas num rádio que adaptou com um microfone e que ela chama de “Rádio Tupi”. Aquelas cantigas, o som que sai dali com uma amplificação única… A gente gravou seu canto, e também falas dela.

Outro personagem que fascinou a banda foi o cacique Bá, da tribo Xocó.

— Ele só tem 33 anos, tornou-se cacique aos 20. Um sujeito da minha idade com um ar de senhor, uma enorme sabedoria — descreve Bigjohn.

A experiência do cangaço revivido também foi marcante. No diário disponível em seu site, o grupo conta como foi ver um grupo de garotos se vestindo como cangaceiros de Lampião e se lançando nas pisadas do xaxado: “Ao chegar na fazenda tivemos certeza que aqueles sons estariam no disco: o canto, o som das pisadas, acho que até agora até conseguimos sentir a poeira em nossos rostos só ao ouvir aquele som misturado ao nosso. Naquele momento começamos a compor”. O olhar deles captou também esses elementos além da música.

— Nossa pesquisa também inclui as histórias, todos os aspectos visuais — diz o músico.


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