Brasília Amapá |
Manaus

Jogo e cannoli, um programa tradicional da Mooca em SP

Compartilhe

SÃO PAULO. Era meio de semana, começo de tarde e a expectativa era de chuva na Mooca, tradicional bairro paulistano. O Juventus, time do bairro, ocupa a 10º colocação na série A2 do futebol paulista. Mesmo em dia útil e horário comercial, dos 1.349 ingressos colocados à venda, 1 123 foram vendidos. O jogo era Juventus e Santo André, e gente de todas as idades se reuniu em frente ao estádio Conde Rodonlfo Crespi, na rua Javari, para ajudar o Moleque Travesso na briga para retornar à elite do futebol estadual depois de oito anos.

O time carrega o apelido pelas vitórias que conseguia contra os maiores clubes da capital (“os outros times grandes da capital”, corrigiria um torcedor juventino). O estádio, com capacidade para 3 mil pessoas, é uma viagem no tempo: tem arquitetura clássica, a torcida a poucos metros do campo – seja para apoio ou cornetadas – e o placar atualizado manualmente a cada gol. E o cannoli.

Antonio Pereira Garcia, o Seu Antonio, como é conhecido na Rua Javari, é presença constante há 46 anos. Durante essas quatro décadas, seja campeonatos da categoria dente-de-leite no clube, seja nas partidas mais decisivas do Moleque Travesso, vende o cannoli, doce italiano feito de uma massa folhada frita em forma de tubo com recheio de creme ou chocolate. Aprendeu a receita quando deixou o emprego de engraxate no Centro e passou a trabalhar para um casal de italianos. Com o tempo, adicionou seu próprio toque – que diz ser segredo.

– Comecei como criança, é uma parte da minha vida. Eu tinha dez anos e fazia carreto, engraxava sapato e conheci o Seu José e a Dona Ida, um casal de italianos. Ganhava uma caixinha de doce no final de semana como pagamento –

A fila começa antes do jogo. Alguns moradores do bairro sequer pagam ingresso e gritam do portão de entrada do estádio seus pedidos – atendidos pelas ajudantes do “tio do cannoli”. O próprio só chega durante o intervalo, assim como a maioria dos torcedores. Na tarde do dia 24, enquanto o Juventus empatava em 0 a 0 com o Santo André, trouxe consigo a chuva.

Mas nem ela afastou os clientes. Torcedores jovens e idosos tentavam escapar da chuva, mas não desistiam do cannoli. Seu Antonio também não.

Em 2012, aos 62 anos, sofreu uma série de infartos, chegou a ficar na UTI e passou nove meses se locomovendo apenas com cadeira de rodas. Ainda hoje, anda com pouco de dificuldade, mas se transforma na hora de vender os doces com três ajudantes – um deles o seu filho, Paulinho. São mais de 400 vendidos por jogo, a maioria depois que Antonio chega. Mesmo após o fim do intervalo, quando arranja um tempo para conversar com o GLOBO, continua prestando atenção no atendimento aos últimos clientes.

– É o melhor cannoli da região e do mundo. Ele é um representante do Clube Atlético Juventus, é uma tradição aqui desde 1970 – disse um torcedor

Ele diz que o Juventus é um “clube família”. Com a inauguração do Allianz Parque, do Palmeiras, e da Arena Corinthians, o estádio da Rua Javari tornou-se uma espécie de ponto turístico para quem quer aproveitar uma manhã ou tarde de experiência diferente do futebol moderno. Para alguns torcedores mais tradicionalistas do Juventus, um retrocesso.

Recentemente, passou a vender seus cannoli em uma espécie de barraca – um sinal da arenização da Javari, segundo alguns. Mas o que importa, Seu Antonio, continua o mesmo. Generoso, não são raras as ocasiões em que o vendedor não cobra por um ou dois cannoli. O apoio dos torcedores e moradores do bairro moldou a vida de Seu Antonio. Foi o Juventus e os juventinos que proporcionaram por quase meio século o seu meio de vida.

Depois da conversa, o segundo tempo já rolava no campo da Rua Javari e foi para lá que Seu Antonio foi. Em pé, junto ao alambrado assistiu aos momentos finais do empate por 1 a 1 entre o Moleque Travesso e o Ramalhão.

– Eu agradeço a Deus, foi uma porta que Deus abriu e eu me sinto muito feliz de estar aqui até hoje. Aqui, olha, eu vou te falar, representa muito para mim. Foi aqui que eu criei meus filhos, a minha família, tudo graças ao trabalho. Tudo o que eu faço, eu faço com dedicação. Porque tem desde criança de 1 ano que come o meu doce, eu tenho pessoa de idade, de 80, 90 anos, que assiste jogos aqui há décadas. (*estagiário, sob supervisão de Flávio Freire)

SERVIÇO

Endereço: Estádio Conde Rodolfo Crespi, Rua Javari, 117, na Mooca

Quando tem: apenas em dias de jogo do Juventus (depende da tabela do campeonato, geralmente de quarta à tarde ou domingo de manhã). A tabela fica no site da Federação Paulista de Futebol: www.fpf.org.br

Como comprar ingresso: os ingressos custam 10 reais (5 reais a meia) e só podem ser comprados na bilheteria do estádio.


...........

Siga-nos no Google News Portal CM7