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Belas, antenadas e da estrada

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RIO – A americana Liz Gilbert atravessou por conta própria Itália, Índia e Indonésia em busca de gastronomia, espiritualidade e amor. Também dos EUA, Cheryl Strayed e sua mochila encararam uma trilha de 1,6 mil quilômetros da Califórnia a Washington, cruzando o deserto tanto da paisagem quanto da solidão. Em comum, o fato de serem mulheres e de suas experiências terem se tornado best-sellers com ecos em produções cinematográficas (“Comer, rezar, amar” e “Livre”, respectivamente). Outras tantas anônimas que encaram jornadas parecidas têm usado redes sociais, hashtags e blogs para compartilhar as dores e as delícias de explorar o globo.

É o caso de outra americana, Gale Straub, de 29 anos, fundadora do site She Explores, que reúne relatos de mulheres na estrada. Antes de morar numa van, modelo Sprinter, com o namorado, e rodar por seu país em 2014, ela era contadora em uma empresa de capital de risco em Boston.

— Na época, não achei recursos on-line para mulheres como eu. Há algo a ser dito sobre como o ar livre nos inspira, seja viajando numa van, num avião ou apenas com uma mochila — conta. — Fui desencorajada a viajar sozinha. Muitos se disseram contentes por meu namorado estar comigo. Sou feliz por ter compartilhado incontáveis memórias com ele, mas ninguém deve pensar que uma mulher precisa de um homem para ter segurança.

Entre as mais de 180 mulheres retratadas no site, há histórias de quem viaja em família, em casal, sozinha ou acompanhada apenas do melhor amigo. Alison Turner, por exemplo, pediu demissão em plena crise financeira de 2008 nos EUA e decidiu cair na estrada com seu cachorro, Max.

— Eu não tinha iPhone, Facebook, Instragram e, mais importante, um propósito. O primeiro ano foi solitário. Não sabia meu destino, não tinha uma rede de apoio. É incrível como as coisas mudam. Recebo muitos e-mails de mulheres (e alguns homens) que querem cair na estrada. É difícil dizer o que esperar, talvez estar pronto para mudar de direção.

Foi nas redes também que a conterrânea Megan McDuffie encontrou uma rota para sua viagem. Ela compartilha, no blog Fresh Off the Grid, receitas preparadas na traseira de um Ford, como o café da manhã favorito: aspargos, batatas, pancetta e ovos:

— Quando você tira o barulho da vida diária e volta ao básico, conecta-se com o outro e cozinhar é um catalisador maravilhoso para construir isso.

Numa versão brasileira, a jornalista Rosane Serro criou o site colaborativo Mulheres do Mundo. O espaço reúne roteiros e dicas para quem viaja sozinha, como o que levar na mala. Como peça coringa, sai o pretinho básico, entra a sacola de náilon para carregar mais bagagem ou peças sujas. Ainda entram separadores de roupa, nécessaire para itens eletrônicos, ganchos para amarrações, ferro de passar bivolt, máscara para dormir e balança (para a mala, ok?).

— A primeira vez que decidi viajar sozinha de fato, em um longo trajeto, já seguia pelos 31 anos. Estava casada há oito e tinha um filho de 7. Na época, meu marido não demonstrou muito entusiasmo pela ideia de me acompanhar ao Tibete. Resolvi levá-la adiante mesmo assim. Foram seis meses telefonando e trocando faxes com a agência para montar o roteiro — lembra ela, que já correu o mundo em quase todas as direções (faltam a África e a Nova Zelândia). — Eles não entendiam como eu não queria fazer trekking nas montanhas de Nagarkot. Bati pé, não adiantou. Agendaram um dia lá. Pois passei meia hora andando e quase enfartei por causa da altitude.

Desde então, as facilidades da internet conquistaram outras mulheres em jornadas por conta própria. Uma pesquisa de 2015, feita pelo site Booking.com com mulheres entre 25 e 45 anos de Reino Unido, Canadá, Austrália, EUA e Alemanha, mostrou que o número de mulheres que viajam sozinhas aumentou em 50% nos últimos cinco anos. E 65% das mulheres que viajam assim se sentem mais corajosas do que com medo, aumentando sua autoestima e autoconfiança.

— A melhor maneira de preparar uma mulher para enfrentar este mundo machista, misógino, sexista, corporativista e capitalista no qual vivemos é enviá-la para uma viagem sozinha — define Rosane.

A paulista Aline Wildmann também encarou sua primeira viagem sozinha na virada dos 30: um mochilão por seis países europeus.

— Algumas pessoas não me apoiaram pelo fato de eu ter um filho que, na época, tinha 3 anos. Mas essa experiência simplesmente mudou a minha vida e a forma de enxergar o mundo — afirma ela, que criou o perfil no Instagram @mochilandosozinha durante outro mochilão pelo Sudeste Asiático.

Morando há três anos na Alemanha, base para viagens pelo continente europeu, a curitibana Jasmyne Kulitch é uma das que aderiram à hashtag #viajosozinha nas redes sociais:

— Ter a minha própria companhia, fazer meus próprios roteiros, ter que fazer escolhas baseada apenas em mim mesma e no que eu sabia sobre a situação me fez aprender a ser mais flexível e independente.

E para quem ainda tem dúvidas, a americana Gale Straub dá o conselho:

— A principal barreira somos nós mesmas. Comece pequeno e veja como você se sente. Você nunca vai saber até tentar.


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