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‘Se querem as mensagens, vão atrás do telefone’, diz advogado geral do WhatsApp

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RIO — Na semana em que uma decisão judicial bloqueou o WhatsApp, uma comissão de representantes jurídicos da companhia esteve no país para reuniões com policiais e promotores. O time foi liderado por Mark Kahn, advogado geral da empresa, que veio de Mountain View, na Califórnia, ao lado da brasileira Keyla Maggessy, recém-contratada para o cargo de gerente global de respostas a demandas de Justiça. Entre segunda e sexta-feira, foram cerca de dez compromissos em São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. Eles ouviram preocupações e frustrações, mas abriram canais de comunicação com autoridades, sobretudo para a coordenação dos trabalhos durante os Jogos Olímpicos. Sobre a polêmica cessão de dados à Justiça, Kahn deixou claro que as informações não são armazenadas. Mas o advogado fez uma recomendação aos investigadores: vão atrás dos telefones.

— É importante lembrar que, se eles quiserem o conteúdo das mensagens, existe uma forma de fazê-lo: vão atrás do telefone — disse Kahn. — Nós sabemos que não é tão fácil de se conseguir, mas é onde as mensagens existem.

A criptografia ponta a ponta implementada no serviço faz com que as mensagens só sejam acessíveis nos dois celulares envolvidos na conversa. Segundo Kahn, a empresa tem acesso a poucos dados dos usuários: o número de telefone, nome ou apelido e a foto. O WhatsApp também pode saber se um usuário está ativo ou quando foi a última vez que se logou, informações que já foram úteis em buscas após o terremoto do Nepal, no ano passado, e nas investigações sobre os ataques terroristas em Bruxelas, em março último.

Sobre o caso específico do bloqueio determinado pelo juiz Marcel Maia Montalvão, da comarca de Lagarto, em Sergipe, Kahn afirmou não ter acesso a todos os detalhes, pois a parte citada foi o Facebook Brasil, não o WhatsApp. Apesar de o Facebook ter comprado o aplicativo de mensagens, as duas empresas mantém operações independentes.

E é para desconstruir parte dessas crenças que a empresa tem se esforçado. O Brasil é um dos principais mercados da companhia, com mais de cem milhões de usuários, de um total de um bilhão no mundo. Isso quer dizer que uma em cada dez pessoas que usam o serviço estão aqui. A contratação da brasileira Keyla Maggessy, há seis semanas, pode facilitar o relacionamento com órgãos judiciais e investigativos do país.

— Parte do desafio não é sobre o WhatsApp, mas sobre as pessoas pararem de tomar ações com base em suposições que acreditam ser verdadeiras — disse Kahn.

Você já estava com a viagem ao Brasil marcada. Como recebeu a notícia sobre o bloqueio do WhatsApp?

Nós planejamos esta viagem muito antes do bloqueio. Na segunda-feira, quando estávamos esperando a conexão para Brasília, recebemos um WhatsApp, claro, de um de nossos funcionários dizendo que as operadoras tinham recebido ordem para bloquear. Ele perguntava: “o que nós fazemos?”. Daí começamos o trabalho para reverter a ordem de bloqueio.

Mas esse não era o objetivo principal. O que vieram fazer?

Nós viemos nos reunir com diretores de órgãos responsáveis pela aplicação da lei: polícias e promotores estaduais e federais, para abrir canais e fazer fluir os diálogos. Escutar suas preocupações, suas frustrações, entender como somos vistos por eles para tentar melhorar o que fazemos.

Que tipo de frustrações foram apresentadas?

Eu não quero comentar sobre os assuntos discutidos, porque foram reuniões informais e não queremos quebrar a confiança. Mas, em geral, eles reclamaram sobre a falta de alguém para conversar. É por isso que esses encontros foram bem recebidos e produtivos.

E como resolver esse problema?

Nós viemos apresentar as pessoas que estão no nosso departamento jurídico, como Keyla Maggessy (gerente global de respostas a demandas de Justiça), que está conosco há seis semanas. Ela trabalhou no Google por dez anos, a maior parte do tempo no programa jurídico internacional. Ela ficará baseada em Mountain View, na Califórnia, como todos na companhia, mas tem conhecimentos sobre o Brasil, por ser natural do Rio de Janeiro e falar fluentemente o português. Mesmo com ela fazendo parte de um programa global, tem um papel importante com o Brasil.

Outra coisa que tentamos foi fazer com que as pessoas entendam como os nossos programas de resposta funcionam. Como nos contatar, quais são os nossos canais, com quem se pode conversar. Particularmente no Rio de Janeiro, nós viemos conversar sobre os Jogos Olímpicos. Nós queremos uma boa coordenação. A última coisa que queremos é que um agente da lei tente entrar em contato com o WhatsApp e não consiga porque não consegue nos encontrar.

Você planejam montar um escritório jurídico aqui?

Neste momento nós não temos planos para montarmos escritórios fora dos EUA.

É a sua primeira vez no Brasil?

É a terceira. Na primeira, estive em Brasília e Rio de Janeiro, para me encontrar com representantes da CPI do crime cibernético. Para conversar sobre os nossos serviços, sobre conceitos errados que as pessoas têm sobre os nossos serviços. Não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, as pessoas pensam: “vocês devem ter todas as mensagens”. Não, na verdade nós não as armazenamos. Quando a mensagem é entregue, ela desaparece dos nossos servidores. É por isso que o nosso serviço funciona tão bem. É rápido, gratuito e confiável, porque não existe sobrecarga associada a ele.

Talvez isso aconteça porque outras empresas de tecnologia, como Google e Facebook, coletam informações dos usuários.

Eles são serviços em nuvem, e nós não. Nós queremos que o nosso serviço seja confiável e veloz.

E entre os agentes da lei, eles compreendem quais informações o WhatsApp tem ou não?

Existe uma variedade de compreensões. Existe um pessoal muito sofisticado nos escritórios da promotoria e na polícia, com profundo conhecimento. Enquanto outros só sabem o que leem por aí, que pode não ser preciso. O nosso objetivo é elevar todo mundo para um alto nível de conhecimento. Parte do desafio não é sobre o WhatsApp, mas sobre as pessoas pararem de tomar ações com base em suposições que acreditam ser verdadeiras.

E que dados você coletam?

Nós não requeremos muitas informações para o uso do WhatsApp, apenas o número do telefone, o nome do perfil e uma foto. É praticamente isso o que temos.

Vocês sabem para quais usuários uma pessoa mandou mensagem?

Nós também não temos os logs de transações.

O Marco Civil da Internet exige ao menos a guarda dos registros de acesso.

Nós construímos o serviço para ser global. Existem muitas leis ao redor do mundo, algumas pedem dados anonimizados, outras querem coletar dados, mas o nosso objetivo é fazer o serviço funcionar. Nós tentamos cumprir com as demandas em todo o mundo, não apenas no Brasil, mas o principal é que precisa ser apenas um serviço, uma arquitetura para todos os países.

Vocês enfrentam ordens judiciais em outros países como as que estão acontecendo no Brasil?

O Brasil é um país muito importante para o WhatsApp. Nós temos mais de cem milhões de usuários de um total global de 1 bilhão. É só fazer as contas. Então, de certa forma, o Brasil é único. Mas nós já enfrentamos outras situações no Oriente Médio, com bloqueios das chamadas por voz, e outros bloqueios limitados, de dias ou semanas, em outras partes do mundo. Mas eu considero que a situação no Brasil é interessante, diferente de outros países, até pelo número de usuários que são afetados.

E aqui nós tivemos a prisão de um executivo.

Realmente, eu não tenho conhecimento de outra prisão.

Vocês chegaram a entrar em contato com o juiz Marcel Maia Montalvão?

Não pessoalmente, mas conversamos com autoridades envolvidas no caso.

Uma das reclamações era a falta de respostas do WhatsApp.

Nós estamos comprometidos a responder às demandas, com base nos dados limitados que temos, nós fomos o mais responsivos que pudemos.

E que tipos de dados foram demandados?

O WhatsApp não foi parte do processo, foi o Facebook Brasil, então existem informações as quais eu não tenho acesso. Mas pelo que eu entendi eles queriam escutas.

Existe um debate acontecendo sobre o uso da criptografia em todo o mundo, com governos alegando que elas limitam investigações. O que você acha sobre isso?

A razão pela qual implantamos a criptografia foi a segurança dos nossos usuários. São um bilhão de pessoas que usam o WhatsApp no dia a dia, para se comunicarem com familiares e amigos. Elas transmitem números de cartões de crédito e outras informações sensíveis. A criptografia é para a segurança delas, para garantir que as mensagens não serão hackeadas, que não estão armazenadas em nenhum servidor. Com tantos vazamentos de dados acontecendo, isso nos motivou a adotar a criptografia. Não foi para frustar os agentes da lei. Isso cria desafios, mas é importante lembrar que, se eles quiserem o conteúdo das mensagens, existe uma forma de fazê-lo: vão atrás do telefone. Nós sabemos que não é tão fácil de se conseguir, mas é onde as mensagens existem.

Além das demandas judiciais, existem outras formas de cooperação?

Para terrorismo, sequestros, tentativas de suicídio e outras situações que envolvem ameaça direta à vida, nós temos um canal de emergência. Os órgãos de segurança podem entrar em contato e nós respondemos com as informações que temos, sem a necessidade de um processo legal. Como exemplo, nós atuamos dessa maneira nos ataques de Bruxelas e no terremoto no Nepal.

O que aconteceu?

No Nepal, eles estavam procurando um garoto que estava desaparecido. Como ele usava WhatsApp, nós tínhamos a informação que a última vez que ele esteve on-line foi dez minutos antes do terremoto. Essa era a informação que nós tínhamos, e com isso o pessoal do resgate pôde levantar duas hipóteses: que o telefone foi destruído ou que ele havia morrido, que foi o que aconteceu, infelizmente.

E em Bruxelas?

Os oficiais nos enviaram números de telefones de pessoas que eles acreditavam estarem envolvidos nos ataques, e nós pudemos checar se eles ainda estavam ativos no WhatsApp. Esse é o tipo de informação que nós temos.


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