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Os ‘inquilinos’ do esqueleto

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RIO — No meio da floresta, um hotel fantasma assombra a vizinhança de São Conrado há 44 anos. Erguido em área protegida de Mata Atlântica, na Estrada das Canoas, o prédio do antigo Gávea Tourist Hotel começou a ser construído em 1953, mas teve suas obras interrompidas pela incorporadora Califórnia Investimentos em março de 1972. A empresa decretou falência cinco anos depois. Desde então, o espaço abandonado virou abrigo de moradores de rua, refúgio de bandidos e até esconderijo de armas roubadas do Exército. Mas, agora, impulsionado pelas redes sociais, o lugar sombrio começa a ganhar vida, atraindo cada vez mais visitantes, dispostos a subir os 272 degraus para se deliciar com uma das mais belas vistas do Rio — e, claro, tirar muitas fotos. Em meio aos escombros, a maioria posa em alguns dos quartos vazios, tendo o mar de São Conrado e a Pedra da Gávea ao fundo.

Para subir os 16 andares do prédio inacabado, é preciso ter fôlego. Em dias de calor, o suor é inevitável. Caminhar pelo edifício exige cuidado, pois o cenário é de destruição. Há infiltrações, buracos no chão, paredes quebradas e tetos rachados. A qualquer momento, parece que alguma coisa vai desabar. Tudo isso em volta de uma imensa área verde, que respira junto com o visitante. Apesar de o imóvel nunca ter sido concluído, um restaurante e uma boate chegaram a funcionar no local na década de 60. Hoje, os jovens voltaram a fazer festas, à noite, com DJ, drogas e bebidas.

O esqueleto, como também tem sido chamado, já aparece em ensaios fotográficos de modelos e até em clipe de música. O rapper Daniel Shadow usou o local para gravar “Luz da Perdição”, que contou com a participação do MC Filipe Ret, sucesso na internet e apontado como uma das grandes revelações do rap carioca. Em dezembro do ano passado, o ator Cauã Reymond também postou em seu Instagram uma foto sentado na beira da cobertura.

O prédio inacabado é usado há mais tempo por praticantes de rapel e artistas, que aproveitam os 22 mil metros quadrados da área para fazer intervenções. Morador da Rocinha, Maxwell Alexandre, de 25 anos, frequenta o local há pouco mais de um ano. Com mais três amigos do coletivo de arte Gregário, passou a ocupar os espaços. Em um dos quartos vazios, colou até sua foto na parede.

— O hotel virou nossa residência. É como se fosse uma extensão do nosso ateliê. Estamos bem à vontade. Não é um lugar que usamos só para trabalhar. Temos uma convivência e uma relação muito forte. É um lugar bem grande e de silêncio, onde dá para você experimentar, sentir e pensar — afirmou o estudante de artes e design.

Olhando para as ruínas, o artista Gabriel Moraes, de 21 anos, também vislumbra tudo o que ainda pode ser feito no local.

— As possibilidades são infinitas. É tanta coisa para fazer que a gente fica assustado — comentou.

Para chegar ao esqueleto, quem vem do Alto da Boa Vista deve entrar na Estrada da Gávea Pequena e seguir pela Estrada da Pedra Bonita. Já em São Conrado, a entrada para a Estrada das Canoas fica próxima ao Gávea Golf & Country Club, na Estrada da Gávea, paralela à Autoestrada Lagoa-Barra.

Na última quinta-feira, a gerente de vendas Vivian Carvalho usou o esqueleto para fazer rapel. Com 24 mil seguidores no Instagram, ela posta fotos de suas aventuras, em ângulos inusitados, compartilhando suas experiências. Depois de suas postagens, ela conta que muitas pessoas mandaram mensagens perguntando sobre o lugar desconhecido.

— Todo mundo quer fazer trilhas. Hoje em dia virou moda. Todo mundo quer mostrar que é desbravador, aventureiro, que é tudo. Há três anos, os lugares eram bem vazios. Era muito mais prazeroso e limpo. Sempre gostei de fazer exercícios físicos, estar no meio da natureza, contemplar vistas maravilhosas e tirar fotos. Acabei ganhando seguidores pelas postagens nas redes sociais. Mas hoje as pessoas não falam do lugar, da contemplação. Elas querem a foto, naquele ângulo que tirei. Querem receber likes e elogios. Tudo faz parte do ego — comentou.

E foi justamente por meio de fotos postadas em redes sociais que o estudante Bernardo Araújo conheceu o esqueleto. Para ele, o lugar é incrível, apesar de considerar um pouco perigoso.

— Não dá para ir à noite. Fica meio complicado. Uma vez um pedaço do teto se soltou. Mas se a pessoa tiver os cuidados necessários, é muito tranquilo. Quem vai à praia da Joatinga, por exemplo, pode passar lá depois para ver o pôr do sol.

Ao saber das condições do prédio pela equipe de reportagem, a Defesa Civil disse que vai programar uma visita para avaliar a construção, já que não recebeu, até hoje, nenhuma solicitação para vistoriar o imóvel.

A reforma do esqueleto ainda não tem data para começar. Em 2011, a empresa FJ Produção (hoje GV2 Produção) comprou o prédio inacabado por R$ 29 milhões. A promessa era transformar a estrutura em um hotel quatro estrelas, com 600 quartos e um centro de convenções, até a Copa do Mundo. O diretor da empesa, Jamil Elias Suaiden, responsabiliza o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) pelo atraso. Como o imóvel fica dentro da Floresta da Tijuca e perto da Casa das Canoas, que é tombada, o projeto precisa passar pelo órgão antes de ser aprovado. Segundo ele, o Iphan não autorizou a realização de alterações do desenho original, inviabilizando o início das obras.

— Algumas coisas precisam mudar para que o projeto se torne viável nos tempos de hoje. Mas o Iphan não liberou. O atraso foi mais por burocracia deles. Estamos brigando para tirar de lá. É uma chatice. Já temos um empréstimo e fica lá um prédio parado, cheio de gastos – reclamou Jamil, acrescentando que há três bandeiras interessadas em assumir o hotel. — Estão só esperando. Se a gente conseguir liberar até o meio do ano, temos o interesse de começar a obra em janeiro de 2017 e inaugurar até 2020.

O Iphan destacou, em nota, que não está sendo burocrático. De acordo com o instituto, não será permitido nenhum acréscimo na volumetria, ou seja, o empreendimento terá que ser construído dentro do que já existe, não podendo acrescentar nenhum volume a mais.

“Todas as vezes, o projeto analisado vinha com um volume a mais, como um novo pavimento, um aumento de casas de máquinas ou uma construção de caixa d’água. Por isso, não era aprovado. Eles só podem ocupar a carcaça já existente. No máximo, poderá ter varandas nos quartos”, informa outro trecho da nota.

Segundo a Secretaria municipal de Urbanismo, em janeiro deste ano os proprietários do imóvel desistiram do pedido de licença para hotel porque não obtiveram parecer favorável do Iphan, e deram entrada para a construção de um edifício residencial, que já havia sido licenciado. A secretaria informou que aguarda a apresentação do projeto de arquitetura, que será analisado. Apesar da mudança, Jamil negou o interesse em construir um condomínio no local.

— Com uma licença na mão, eu adianto as obras. Nada impede que depois da licença eu possa pedir alteração de projeto. Não é meu interesse construir um prédio residencial. Nosso ramo é de eventos. O hotel será para trazer pessoas para eventos corporativos. Nossa concorrência não será de lazer – garantiu Jamil, que sabe que o imóvel vem atraindo aventureiros. – Não tem por que impedir. Mas, depois que as obras começarem, ninguém entra mais.


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