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O Rio de Albert Einstein

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RIO — Albert Einstein carrega pouca bagagem: algumas peças de roupa, um diário de viagem, livros e o inseparável violino. Ao desembarcar no Porto do Rio, é recebido como um semideus: todos querem ouvir sua voz, vê-lo de longe, quem sabe de perto. Chegou em um sábado de sol, após cruzar o Atlântico em 16 dias a bordo do Cap Polonio. Com paletó surrado e sapatos sem meias, Einstein pisava pela primeira vez na América do Sul naquele distante 21 de março de 1925. Era uma estrela, “o maior gênio que a humanidade produziu depois de Newton”, segundo manchete de “O Jornal”. Nos cinemas, noticiários transmitem palestras sobre a teoria da relatividade. Poucos compreendem suas ideias obscuras sobre quarta dimensão, curvatura do espaço, distorção do tempo, mas todos se encantam com o “cientista com uma parcela de divindade”, como definiu o diário de Assis Chateaubriand. A forma como se via o universo estava mudando para sempre graças ao homem de 1,75m que não penteava os cabelos há mais de dez anos. E ele estava aqui, suando como um qualquer no calor tropical.

Embora a viagem ao Brasil, Argentina e Uruguai tenha durado três meses — dois em terra, um em alto-mar —, há pouquíssimas informações sobre ela nas muitas biografias que tentam decifrar o gênio. No livro de Walter Isaacson — mesmo autor da consagrada biografia de Steve Jobs —, por exemplo, não há sequer uma linha a respeito da passagem. Mas os vestígios de Einstein continuam vivos na cidade. Ainda mais agora, com a confirmação de uma descoberta feita por ele há mais de um século: a existência das chamadas ondas gravitacionais, que se propagam quando há uma grande produção de energia. Como o efeito de uma pedra lançada em um lago, o espaço também tem suas ondulações — e elas foram detectadas ao passarem pela Terra após a junção de dois buracos negros.

Visita ao Jardim Botânico

Einstein ficou oito dias no Rio, de 4 a 12 de maio de 1925, e se hospedou na suíte 400 do Hotel Glória. Na verdade foram nove dias, se considerado também o 21 de março, quando seu navio atracou na cidade antes de seguir para Buenos Aires. Foi tempo suficiente para Einstein visitar o Jardim Botânico. O trajeto até a instituição causou frisson nas ruas, pois a comitiva que o acompanhava somava sete automóveis. Do presidente do parque, Pacheco Leão, ouviu explicações sobre as propriedades do jequitibá. Em seguida, o físico abraçou e beijou a árvore imensa. Em seu diário, anotou que “o Jardim Botânico e sua flora superam os sonhos das 1.001 noites. Tudo vive e cresce a olhos vistos”. No livro de assinaturas, escreveu em alemão: “A visita ao Jardim Botânico significa para mim um dos maiores acontecimentos que tive mediante impressões visuais (externas)”. É algo valioso vindo de quem pensava por meio de imagens.

Com uma flor tropical na lapela do paletó, Einstein seguiu para o Copacabana Palace, onde almoçou com um numeroso grupo de cientistas e líderes da comunidade judaica — 14 pessoas no total. Entre os presentes estava Chateaubriand, dono dos Diários Associados, que morava no hotel e era um dos mais entusiasmados à mesa. A comitiva chegou às 12h15m. Apesar do cansativo percurso de navio, era o primeiro dia de viagem e Einstein estava animado. “Discorria com uma vivacidade impressionante”, escreveu Chatô, no dia seguinte, na primeira página de “O Jornal”. O gênio contou aos convivas que, ao atracar no porto de Lisboa, ficou impressionado com a elegância das vendedoras de peixe. Disse ainda que a música e a arquitetura estavam em decadência na Europa, e que só os russos produziam inovação artística — opinião de um exímio violinista, apaixonado por Mozart e Bach, que começou a tocar aos 5 anos de idade.

No caminho de volta ao Porto, o santo protetor dos maus alunos — fama adquirida por nunca ter inspirado confiança em seus professores — decidiu caminhar pelas ruas do Centro. Desceu do carro na Sete de Setembro, subiu a Rua do Ouvidor até a Gonçalves Dias, depois voltou ao automóvel, na Avenida Rio Branco. Antes de embarcar no Cap Polonio, segundo o relato de Chatô, foi reconhecido por um grupo de cearenses e recebeu “manifestações de um carinho efusivo”.

Mas poucos percebiam que, em seu íntimo, tamanha reverência atormentava a simplicidade humana de Einstein. “Não tenho nenhum talento especial, apenas uma ardente curiosidade”, escreveu certa vez. Outra de suas frases revela o que ele sentia diante de tanta bajulação: “Como punição do meu desprezo pela autoridade, o destino fez de mim uma autoridade”. Quando regressou ao Rio, no dia 4 de maio, após um mês em Buenos Aires e uma semana em Montevidéu, as impressões em seu diário revelam cansaço e ironia. “Tenho que subir ao trapézio outra vez. Com a ajuda de Deus, vou aguentar esses poucos dias de palhaçada”, escreveu pouco antes de desembarcar novamente na cidade. Após uma das duas palestras que apresentou, escreveu: “Sou um elefante branco para os outros; eles, para mim, tolos”. Naquele dia, proferiu uma conferência no Clube de Engenharia, em uma sala abafada e barulhenta, apertado entre o quadro negro e a primeira fila. Falou em francês para uma plateia de engenheiros com suas mulheres e filhos. “Pouco sentido científico”, relatou.

— Nos diários ele é mais livre, escreve para si mesmo, não se preocupa com o que pensariam. É seu momento mais íntimo e solitário — afirma Alfredo Tolmasquim, pesquisador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast) e autor do livro “Einstein, o viajante da relatividade na América do Sul”.

Este foi o primeiro livro a narrar a visita com detalhes, baseado no relato inédito dos diários. Diretor do Observatório do Amanhã, que cuida da atualização das informações científicas do Museu do Amanhã, o pesquisador afirma que, provavelmente, “a confirmação das ondas gravitacionais será nossa primeira atualização”.

A gravata que virou relíquia

Einstein fez um único amigo na curta estadia: o austríaco Isidoro Kohn, líder da comunidade judaica na cidade. Trata-se do cicerone e tradutor do físico que o acompanhou por todos os lados: foram ao Pão de Açúcar de bondinho, visitaram o Instituto Oswaldo Cruz, a Rádio Sociedade, a Academia de Ciências. Tinham quase a mesma idade: com 46 anos, Einstein era dois anos mais moço. Dono de uma loja de roupas na Rua Gomes Freire, Kohn era conhecido por sua elegância. Convenceu o cientista a comprar um terno antes do encontro com o presidente da República, Artur Bernardes. E lá foram os dois para a velha alfaiataria Ao Tombo do Rio, na Rua da Carioca, onde escolheram um modelo sóbrio da cor preta. Faltava uma gravata. Em sua residência, Kohn fez a oferta que, no futuro, alegraria as futuras gerações da família.

— Ele disse “professor, pegue uma das minhas gravatas”. Em troca, Einstein tirou a que estava no pescoço, e ela continua até hoje com a nossa família — conta o engenheiro Milton Kohn, de 72 anos, sobrinho de Isidoro.

— Na minha primeira entrevista de emprego, eu queria ir com ela, mas meu pai achou que a gravata poderia se desfazer. Então eu a levei no bolso — recorda o economista Beni, sobrinho-neto e guardião da gravata. — Fui contratado. Ela sempre nos deu sorte.


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