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Fornecedores do governo fluminense arremataram em leilões gado de Picciani

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RIO — Bilara, Bonanza, Garuda, Mediana e Orgia. Nos últimos anos, o patrimônio genético das cinco vacas, oferecido em leilões, rendeu lucros esplêndidos para o Grupo Monte Verde. Em comum nos animais, não apenas o fato de terem no lombo a marca da empresa. Por lances que chegaram a R$ 1 milhão, as matrizes criadas nas fazendas da família Picciani foram arrematadas por fornecedores e prestadores de serviços do governo estadual. Ao analisar os resultados de leilões do grupo, liderado pelo presidente da Assembleia Legislativa do Rio, deputado Jorge Picciani (PMDB), O GLOBO identificou entre os compradores seis empresários com contratos com o governo fluminense, além do dono do Grupo Petrópolis, Walter Faria. Entre os parceiros de vendas dos Picciani, há três fornecedores.

Os negócios rurais, principalmente leilões de matrizes, são a explicação recorrente para a evolução patrimonial da família Picciani. Adquirida em 1984, a Monte Verde começou como fazenda de leite e café em Rio das Flores, no Sul do Estado do Rio. Nos anos seguintes, enquanto o chefe do grupo subia os degraus da carreira política, a empresa deu um salto e se expandiu para Uberaba, no Triângulo Mineiro, atuando no desenvolvimento genético do rebanho de corte e leiteiro. Em 1998, investiu na compra da vaca nelore Bilara, que rendeu a dinastia de animais até hoje oferecida nos leilões.

MP CHEGOU A INVESTIGAR

Os resultados de 13 edições do leilão “Copa — Ópera & Bilara” (2004-2015), patrocinado pelo Monte Verde, e de duas do “Cidade Maravilhosa” (2011 e 2015), nas quais a família participou com matrizes, revelam os nomes dos seis arrematantes com contratos públicos no governo do Rio, comandado desde 2006 pelo PMDB: Sérgio Shcolnik, da DKF Engenharia; Paulo Trindade Júnior, filho de Paulo Trindade, da Investiplan Computadores; Mario Peixoto, da HBS Vigilância, da Local Rio e da Atrio Rio Service; Abid José Júnior, da Alpha 3 Engenharia e Saneamento; Hugo Aquino, da União Norte; e Luiz Roberto Menezes Soares, da Cor e Sabor Distribuidora de Alimentos, da Lubru Construções e do Laborvida Laboratórios Farmacêuticos.

O time é completado por Walter Faria, fabricante da cerveja Itaipava, cujas distribuidoras, ligadas ao grupo, devem mais de R$ 1 bilhão em ICMS no Rio. Faria é sócio de Picciani na Tamoio Mineração e já negociou gado diretamente com o político. Na lista de arrematantes, aparecem outros nomes curiosos, como Roberto Rzezinski, ex-sócio do empresário Ricardo Accioli; Zulmar Rodrigo da Silva Lacerda, dono da Barra Music; e Pedro Augusto Ribeiro Novis, executivo que dirigiu a Odebrecht em 2007, ocasião em que comprou de Picciani, e que também se dedica à pecuária.

A relação de visitantes da Agrobilara, a holding dos negócios rurais de Picciani, mostra que os empresários não se encontraram com a família do político somente nos leilões rurais. Os seis compradores frequentaram, entre janeiro de 2014 e junho de 2015, a sede da empresa no condomínio O2 Corporate & Offices, na Barra da Tijuca. Adib José é o recordista, com 77 visitas no período, seguido de Mario Peixoto (63), Paulo Trindade (36), Luiz Roberto (13), Hugo Aquino (cinco) e Shcolnik (uma, mas a lista só informa que ele subiu para o bloco 4, onde fica a Agrobilara, sem especificar a sala de destino). Pelo menos dois desses empresários, Shcolnik e Luiz Roberto, após negociar com Picciani, liquidaram o plantel e abandonaram a pecuária.

Três fornecedores do governo fluminense se aliaram aos Picciani no leilão das matrizes da Monte Verde: Celso Mendonça Silva, dono da Test Far Comércio de Material Hospitalar; Paulo Afonso e Hugo Aquino. Também se associaram às vendas do político Carlos Cesar da Costa Pereira, o Carlinhos da ArtSul, fornecedor de manilhas para obras públicas no estado, e Crispim Augusto Lourenço Gomes (Copenhague Construtora e Mineradora), dono de saibreiras (produtoras de saibro) espalhadas pelo estado. Celso é sócio da família nas mineradoras Tamoio e Coromandel (MG).

O Ministério Público estadual chegou a investigar suspeitas de enriquecimento ilícito de Picciani relacionadas aos negócios rurais. Um inquérito civil público, aberto em 26 de junho de 2013, quando ele estava sem mandato, começou a apurar operações de comercialização de bens de origem animal que possam ter servido para dissimular a incorporação ao seu patrimônio de recursos desviados dos cofres públicos. Mas, com a volta de Picciani à Assembleia Legislativa, sendo eleito presidente da Casa, o caso foi avocado pelo procurador-geral de Justiça, Marfan Martins Vieira, e arquivado.

A investigação começou a partir de um contrato de gestão de postos de vistoria do Detran por meio do protocolo de intenções 10/03, celebrado com a Fundação de Apoio Cefet (Funcefet). Esta, por sua vez, subcontratou a empresa DKF Engenharia, do empresário Sérgio Shcolnik, que ganhou cerca de R$ 480 mil mensais pelo serviço. Segundo o MP, a empresa recebeu ao todo quase R$ 8,7 milhões. Contudo, uma inspeção do Tribunal de Contas do Estado (TCE) constatou que o serviço não foi prestado pela firma. No segundo leilão “Ópera & Bilara” (25-10-2004), Shcolnik pagou a Picciani R$ 511 mil pelo fruto do cruzamento da vaca Bonanza com livre acasalamento (touro indeterminado).

DEPUTADO NÃO VÊ CONFLITO

O deputado Jorge Picciani não vê conflito nos negócios com os fornecedores do governo:

— É público o fato de a nossa família ser, há anos, uma das maiores referências nacionais em genética bovina. Estamos nesse setor, do qual somos um dos pioneiros, há 31 anos. Vendemos animais, embriões e sêmen para empresários e grupos empresariais de áreas diversas, de todo o país, que vão da engenharia ao setor de comunicações, que também são criadores ou têm investimentos na pecuária. Não existe nenhuma ilegalidade ou conflito ético no fato.

O deputado encaminhou planilhas de leilões pecuários e rankings de revistas especializadas para mostrar que Monte Verde é uma marca consolidada no mercado e que a fazenda Nova Trindade, de Paulo Afonso, acumula dez anos de atividades no setor. De acordo com ele, as planilhas permitem constatar que “os compradores são diversos e vão muito além dos seis nomes citados na reportagem” e que as vendas destacadas “representam muito pouco dentro do volume de negócios”.

DÍVIDAS DO ESTADO SE ACUMULAM

À beira da falência, o governo do estado tem R$ 66 bilhões em dívida ativa — débitos de impostos que estão sendo cobrados na Justiça. O total da dívida é mais do que o triplo do déficit que o governo terá de cobrir este ano: R$ 20 bilhões. O dinheiro devido poderia evitar o colapso financeiro e garantir pagamento em dia do funcionalismo. O problema é como recuperar o passivo. Os processos se arrastam na 11ª Vara de Fazenda Pública da capital, especializada na execução fiscal. De um total de 101.258 ações que constavam no acervo geral da vara em dezembro, 76.677 (77%) estavam paralisadas há mais de 90 dias. Apenas 321 processos tinham sentenças (0,3%). O resultado disso foi um índice de recuperação de pouco mais de 1% no ano passado: cerca de R$ 697 milhões.

De acordo com levantamento da Procuradoria Geral do Estado (PGE), pouco mais de 10% do total da dívida (R$ 7,5 bilhões) são considerados praticamente perdidos, já que envolvem massas falidas como Varig, Mesbla e Cimobras Indústria de Molas BR, além de empresas em recuperação judicial e outras que técnicos classificam como “laranjas” de distribuidores de combustíveis. Três dessas — Arrows Petróleo do Brasil LTDA, American Lub do Brasil LTDA e Inca Combustíveis LTDA — devem, juntas, R$ 2,1 bilhões. Elas não têm patrimônio e suas sedes são “fantasmas”.


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