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‘Liberdade, liberdade’ resgata história de filha pouco conhecida de Tiradentes

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RIO – Para retratar o período após a Inconfidência Mineira (1789) em “Liberdade, liberdade”, nova novela das 23h da Globo, com estreia prevista para 11 de abril, o diretor Vinicius Coimbra — o mesmo da minissérie “Ligações perigosas”, exibida em janeiro — quer buscar o máximo de realismo.

Os olhos azuis do galã estão escondidos sob lentes de contato castanhas. Os dentes da protagonista foram amarelados, e ela passará vários capítulos com a mesma roupa empoeirada. Não estão sozinhos. Quase todo o elenco vai aparecer com sujeira ou próteses nos dentes, e terá aplicado no rosto uma base solúvel em álcool para criar manchas e tirar a uniformidade da pele — cicatrizes falsas também serão usadas. Até o figurino passou por um processo de desgaste antes de ser usado pelos atores.

Apesar de tudo isso, Andreia Horta, a protagonista, apresentava sua beleza intacta numa recente gravação na cidade cenográfica que recria a mineira Vila Rica (atual Ouro Preto), entre 1790 e 1808, no Projac. A fumaça cenográfica e o fogão a lenha aumentavam a sensação de calor de 35° em uma tarde de sol no Rio. Sentados ao redor da mesa de um casebre, Andreia, Sheron Menezzes, Caio Blat e Dalton Vigh usavam pesadas roupas de época — Dalton e Caio estavam vestidos com casacos de feltro e colete por baixo. Não precisava, mas eles ganhavam borrifadas de suor artificial (feito com glicerina) a cada intervalo.

Assim, “Liberdade, liberdade” resgata uma figura praticamente desconhecida: Joaquina (Andreia), filha de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, que tentou emancipar o Brasil de Portugal e acabou enforcado. A trama parte de um fato histórico, mas será ficcional.

— Trato a História com o devido respeito, mas pude viajar o quanto quis. Apesar de ter existido e de constar nos relatórios dos documentos dos inconfidentes, Joaquina sumiu no tempo. Ela foi considerada filha de um traidor e não teve interesse em divulgar seu paradeiro — explica o autor, Mario Teixeira, que ganhou o Prêmio Jatubi em 2015 na categoria melhor livro juvenil por outro trabalho de época, “A linha negra” (Editora Scipione), passado na Guerra do Paraguai (1864-1870).

O autor define a nova produção como “um romance de capa e espada com reviravoltas mirabolantes”. A trama começa com a morte de Tiradentes, logo no primeiro capítulo. O inconfidente é interpretado por Thiago Lacerda e será mostrado “como ser humano e não como herói”, segundo Teixeira. Vinicius Coimbra se diz impressionado com a transformação do ator em cena.

— Tive medo de mostrar o Thiago Lacerda vestido de Tiradentes e perder a credibilidade. Mas bastou mudar a cor dos olhos para ele parecer outra pessoa. Você demora um tempo para reconhecê-lo num close — acredita o diretor.

Baseada no argumento escrito por Marcia Prates, a novela traz, na primeira fase, Mel Maia como Joaquina. Na história, a protagonista é resgatada ainda criança por Raposo (Dalton Vigh), simpatizante da luta dos inconfidentes, após testemunhar a morte do próprio pai. Criada em Portugal, onde passa a ser chamada de Rosa para não levantar suspeitas, ela se torna uma mulher forte.

Andreia Horta assume o papel na fase adulta, quando Joaquina volta ao Brasil, em 1808, mesma época em que a família real portuguesa chega ao país fugindo de Napoleão. Em Minas, a heroína entra em contato com o passado de sua família.

— A novela trata do drama de uma mulher que volta ao lugar onde seu pai foi assassinado e julgado traidor. Joaquina lutará pela independência do Brasil — adianta o autor.

Fã declarado de Cassiano Gabus Mendes, autor de “Que rei sou eu?”, Teixeira quer traçar um paralelo da época com os dias atuais. Mas explica que “Liberdade, liberdade” não será uma sátira escrachada como a clássica trama de 1989. Ele conta ter buscado referências também em novelas de Silvio de Abreu e em obras como “Os três mosqueteiros”, de Alexandre Dumas:

— Ao escrever para as 23h posso ousar mais e mostrar o que não é permitido em outros horários, como sexo e violência. Vai ter nudez masculina e feminina. A trama se passa numa época marcada pela brutalidade, um período sem lei, e será impactante em todos os sentidos. Ainda havia escravidão, e as pessoas eram condenadas à morte. Tudo será mostrado com a crueza da época.

“SÍMBOLO DO PATRIOTISMO”

Coimbra, que optou por uma abordagem mais discreta das relações sexuais em “Ligações perigosas”, explica que pretende dosar as coisas:

— Mais do que explorar a nudez, quero mostrar as peculiaridades do sexo. Eu me interesso em retratar os hábitos da época, falar da dona da fazenda (papel de Maitê Proença) que transava com o escravo, por exemplo.

Teixeira vai envolver ainda a sua mocinha em um triângulo amoroso com o vilão Rubião (Mateus Solano), o intendente de Vila Rica, e o mocinho idealista Xavier (Bruno Ferrari, ator que retorna à Globo depois de uma longa temporada na Record).

Para o diretor, Joaquina é muito mais um símbolo de patriotismo do que um personagem real. A novela trará outros nomes mais conhecidos dos livros de História, como Maria I de Portugal, a Maria, a Louca, e Dom João.

— Eles farão uma breve aparição — adianta o diretor.

A equipe de criação do folhetim baseou sua pesquisa em relatos publicados em livros como “A devassa da devassa: a Inconfidência Mineira: Brasil-Portugal, 1750-1808”, de Kenneth Maxwell, mas não encontrou muitas imagens da época. Na cidade cenográfica criada pelo diretor de arte Mario Monteiro e pelos cenógrafos Paulo Renato, Kaka Monteiro e Marcia Inoue, os tons de barro prevalecem.

— Trouxemos telhas e pedras de Minas — conta Marcia, durante visita pelos cenários. — As pessoas pensam em Ouro Preto, que é toda colorida, quando falamos em Vila Rica. Mas o período aqui é outro.

No Projac, foram erguidos uma igreja barroca, a intendência, a taberna, o casarão onde funcionará um bordel, além das casas dos moradores da cidade. Parte do elenco aprendeu a lutar esgrima, equitação e fez aula de condução de charretes.

Os figurinos criados por Paula Carneiro ganharam uma camada de sujeira e foram cortados para apresentar “vivência”. Os vestidos que serão usados pelas prostitutas da cidade estavam em manequins na sala da figurinista no dia da entrevista — as peças tiveram suas barras rasgadas, por exemplo.

— Não tínhamos nada dessa época no acervo da emissora e começamos do zero. As roupas saíram perfeitas da costura e demos uma envelhecida. Muitos personagens passam até seis capítulos com o mesmo figurino — diz Paula.


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