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Julia Louis-Dreyfus fala sobre Hillary Clinton, Donald Trump e ‘Veep’ em ano de eleições

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NOVA YORK — Uma mulher na maior batalha de sua vida para fazer história na Casa Branca. Uma nação em dúvida diante de autoridades que enfrentam um sistema eleitoral arcaico que varia de estado para estado. Uma república orgulhosa aviltada por uma campanha presidencial marcada por pequenas gafes e crivada de linguagem obscena. Assim começa o novo ano de “Veep”, a comédia da HBO que oferece um refúgio satírico ao impasse governamental que atinge os EUA (e também o Brasil) com seu retrato de uma fictícia Washington liderada por Selina Meyer, a ambiciosa e vulgar ex-vice-presidente interpretada por Julia Louis-Dreyfus.

A série volta ao ar em 24 de abril, com a presidente Meyer enfrentando frustrações cada vez mais ridículas. Presa num empate no colégio eleitoral com um candidato rival, ela deve continuar a governar enquanto tenta conduzir uma recontagem de votos bizantina a seu favor.

“Veep” se tornou um ápice na carreira de Louis-Dreyfus, que ano passado ganhou seu quarto Emmy consecutivo pelo papel. As conquistas se tornaram uma prova da popularidade da atriz, que tem no currículo as séries “Seinfeld” e “The New Adventures of Old Christine”. Na entrevista abaixo, ela comenta seu tempo em “Veep” e as lições que a série dá para os candidatos a presidente dos EUA em 2016, o sexismo em Hollywood, entre outros assuntos.

Essa será a segunda temporada de ‘Veep’ com Selina Meyer presidente dos Estados Unidos. Para onde a série pode ir agora?

Originalmente, quando Armando (Iannucci, criador e ex-produtor de “Veep”) perguntou, ‘O que você acha? Vamos fazer dela presidente”, eu achei legal. O que é bom nesse situação, em termos de comédia, é que mesmo ela tendo se tornado presidente, (o poder) se esquiva dela. Ela não tem um momento de aproveitar essa suposta conquista. Imediatamente precisa entrar em campanha pela posição. Precisa rapidamente pensar em algum legado para criar. Então tudo parece estar a um palmo de distância dessa mulher pobre, ridícula.

Então a chegada dela ao posto máximo da nação não mudou a premissa do programa?

Bem, nada é o que parece, certo? Francamente, veja Obama e seu indicado à Suprema Corte. Ele é ostensivamente o homem mais poderoso do mundo e olha como está frustrado. E essa é uma função nobre. Não mostramos esse tipo de coisa na série. Somos antinobreza.

Você acha que Selina tem alguma qualidade positiva?

Eu acho que ela acha que tem. Ela é alguém que acredita muito ter algo a oferecer. Me identifico com ela enquanto uma mulher contrariada. Ainda não sabemos quem a deixou contrariada. Pode-se argumentar que foi ela mesma. Mas você precisa pensar nessas coisas com simpatia mesmo pela personagem mais venal se vai interpretá-la.

O vocabulário poeticamente obsceno dela te influenciou?

Você quer saber se eu falo palavrões? Não posso dizer que eu fale muitos. Não sou eloquente falando palavrões. Não tenho essa linguagem floreada em mim. Mas digamos que hoje eu chego muito mais rápido em palavras que não ousaria dizer nessa entrevista. Digo elas com abandono agora.

Você se assusta ao ver a política da vida real replicando absurdos que aconteceram em “Veep”?

Isso me assusta muito, particularmente quando você vê para onde vai essa temporada. Certamente algumas das coisas que estão acontecendo, se colocássemos num roteiro para a HBO eles diriam, ‘Isso é ousado demais’.

O primeiro-ministro da Austrália, Malcolm Turnbull, copiou um dos slogans mais absurdos do programa palavra por palavra.

Involuntariamente. O nosso era “Continuidade com mudança”, o dele era “Continuidade e mudança”. Nós buscamos o slogan mais banal, vazio e sem sentido possível. Ele usou o “e”, então talvez isso o torne mais palatável.

Você vê semelhanças entre a corrida de Hillary Clinton pela presidência e a de Selina?

Sim, claro, mas vejo isso em toda parte. Com todas as mulheres na política, seja Pelosi (Nancy, deputada), Barbara Boxer (senadora), Ruth Bader Ginsburg (juíza da Suprema Corte dos EUA). Vejo essas mulheres com um olhar diferente, não pensando no programa, mas com um senso de paródia. É interessante acompanhar o comportamento, as reações das pessoas a mulheres no poder. Muitos dizem que mulheres severas, decididas, não são atraentes. É preciso dizer mais do que isso?

Isso afeta a forma como você a interpreta?

Não, não afeta. Eu não votaria em Selina Meyer, vamos dizer assim.

A série traz alguma lição para Hillary Clinton?

Acho que as experiências de Selina são uma cartilha de como não se comportar. Ela poderia olhar e pensar, “OK, ótimo, ainda bem que eu não fiz isso.”

Você sentiu pena dela quando, há alguns dias, ela se enrolou para usar o cartão do metrô em Nova York?

Esse é um momento “Veep” perfeito. O fato disso ter sido colocado sob uma lupa e analisado foi bizarro. Foi estúpido e louco.

Como ela deveria reagir num momento daqueles?

(Junta as mãos, resignada) Pois é, o que ela poderia fazer? O cartão não funcionou. Ela precisa ter senso de humor. Acho que pode fazer uma piada consigo mesma, mas precisa ser natural. Se houver alguma falsidade, vão perceber.

Você já decidiu qual candidato presidencial vai apoiar em 2016?

Qualquer um que seja o Democrata. Ponto. Fim da história.

Você poderia aceitar uma presidência de Trump, apenas como quatro anos de uma mina de ouro para o humor?

Não consigo pensar nisso ainda. Realmente não consigo. Quando ele estava falando sobre o direito ao aborto, e quem deve ser punido, me lembrou de um episódio que fizemos sobre o aborto. O recuo que ele propunha, Selina tentou fazer a mesma coisa. Ele está mais em um campo que no outro, enquanto Selina tentava dizer as duas coisas para não perder uma parte do eleitorado. Acho isso assustador, engraçado e meio constrangedor.

Você está se preparando para apresentar o “Saturday Night Live”. Você tem boas lembranças de sua época lá?

Um pouco.

Porque mulheres não tinham tratamento igual naquela época?

Não tinham mesmo. Não saí com nenhum nome do “Saturday Night Live”. Não fiz nada particularmente interessante enquanto estive lá. Não fiz, tudo bem. Mas aprendi muito. Era um ambiente muito sexista. Desde que voltei, posso dizer que as oportunidades se tornaram bem mais igualitárias.

O que você aprendeu lá?

Fiquei por três anos e, quando saí, fiz a decisão consciente de não aceitar nenhum trabalho que não fosse realmente divertido. Sei que isso soa muito simplista, mas de verdade fiz isso. Não queria fazer a não ser que tivesse um profundo senso de felicidade. Apliquei isso e desde então tem funcionado.

Você apareceu recentemente com Tina Fey num esquete que ficou popular do programa “Inside Amy Schumer”, sobre mulheres envelhecendo em Hollywood. Vocês se aproximaram?

O “Saturday Night Live” é uma espécie de universidade. Quem passou por lá mantém um sentimento de irmandade com os outros. Você olha para a outra pessoa e sabe que têm isso em comum. Tina, Amy (Poehler) e eu somos amigas. Conheci as duas quando apresentei o programa e estamos em contato desde então. Gosto delas.

Você se orgulha de interpretar uma personagem feminina na TV com mais de 30 anos?

Não penso dessa forma. Fico feliz com meu trabalho. De verdade. Claro que gosto de interpretar uma mulher forte na política, mesmo ela sendo uma palhaça. E não falo isso me desculpando, porque é só pensar em todos os palhaços que temos na política hoje. Ela é a nossa palhaça.

Você é uma estrela do humor na TV há mais de 25 anos, em três programas diferentes. Você se sente uma pioneira para outras mulheres? Você gostaria que houvesse mais oportunidades para suas colegas?

Não me vejo como pioneira. Não tenho certeza se sou uma. As oportunidades para mulheres na televisão aumentaram, pois o panorama se ampliou e mais mulheres entraram na jogada. Mas as oportunidades para mulheres no cinema não cresceram. Acho que é simples assim. Aliás, tenho certeza que ainda há muito a ser feito na televisão e estou tentando fazer. Mas eu certamente vi mudanças durante meu tempo de vida.

Você tem ambições fora da atuação?

Eu gostaria de tricotar melhor. Houve uma época em que eu tricotava muitos chapéus e queria voltar a isso. Era muito relaxante.

E concorrer a cargos políticos?

Não, nunca faria isso. Nem em um milhão de anos. Meu pai sempre disse, ‘Quero concorrer ao senado”. Mas esse era o meu pai.


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