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Mercado de trabalho: sob o sol, sem renda fixa e com mais concorrentes

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RIO e SÃO PAULO – “E aí, padrinho, vai uma quentinha?” A frase é usada como chamariz para a venda de marmitas pelo ambulante Heberton Anastácio de Freitas, de 22 anos, que até o fim de 2014 era funcionário de uma prestadora de serviços do ramo da construção civil. Sem conseguir novo emprego, descobriu em Magé, cidade onde mora, na Baixada Fluminense, uma empresa que fornece as quentinhas. Resolveu comprá-las para revender a R$ 10 ou R$ 12 com suco, em uma área nobre do Rio. Mesmo com outros quatro concorrentes num raio de 500 metros, em um ano e três meses de trabalho na rua conquistou clientela fiel, que lhe rende cerca de R$ 1.200 todo mês:

— Você vai ao mercado com R$ 400 e sai com 12 sacolinhas. Está tudo muito caro. E ainda tenho de pagar aluguel e sustentar meus vícios: o cigarro, o chopinho com os amigos e comprar roupas para estar bem apresentável. Eu tive de arrumar um jeito de sobreviver.

MAIS 200 MIL CONTA PRÓPRIA

Heberton é um dos novos trabalhadores por conta própria que engrossou este grupo no Estado do Rio. Nos últimos dois anos até dezembro, o acréscimo foi de 13,2% ou mais 202 mil pessoas trabalhando, em sua maioria como ambulantes. A alta é maior do que a registrada na média nacional, cujo salto foi de 7,6% ou mais 1,6 milhão de trabalhadores. No fim do ano passado, o grupo dos conta própria somava 1,73 milhão de pessoas no estado, o correspondente a 7,5% do total do país ( 22,9 milhões). Em São Paulo, a alta foi ainda maior, de 10%, pulando para 4 milhões de pessoas. Na capital federal, Brasília, o grupo ficou 3,7% maior, atingindo 251 mil trabalhadores.

Para o estatístico da Fundação Getulio Vargas (FGV-Rio) Kaizô Beltrão, esse crescimento acima da média registrado no estado reflete a crise da Petrobras e se dá em razão de peculiaridades da capital:

— A recessão no Rio foi maior porque fomos atingidos duramente pela crise do petróleo, que desempregou todo o pessoal terceirizado da Petrobras. Além disso, o clima de balneário da capital favorece o trabalho na rua. Se na cidade chovesse muito ou fizesse muito frio, talvez esse grupo não tivesse crescido tanto.

Na avaliação do professor do Instituto de Economia da UFRJ João Saboia, pesa também o apelo turístico.

— O fato de a cidade ser turística permite desenvolver atividades específicas para esse público — explica o professor.

Saboia acredita que o aumento da informalidade não seja permanente:

— Essas pessoas não estão condenadas a viver na informalidade. Assim que as oportunidades voltarem, elas vão migrar para o emprego com carteira, que dá mais estabilidade, benefícios e as deixa menos expostas à violência da rua e à ação da fiscalização.

Essa insegurança das ruas incomoda Heberton.

— Nós, ambulantes, não vendemos drogas, mas é como se vendêssemos. Se a guarda municipal chegar, vai pegar todo mundo. Eu já perdi R$ 700 em mercadoria num dia de apreensão. Na rua, há o risco de ser assaltado porque se anda com muito dinheiro das vendas. Carteira assinada é muito melhor, tem os benefícios e, se for demitido, tem o que receber. Na rua, a gente perde o trabalho sem qualquer renda para se manter por um tempo — afirma o ambulante.

Pesa também a preocupação do trabalhador com a aposentadoria, observa Beltrão:

— Elas querem voltar à formalidade porque se preocupam em contribuir para o INSS porque querem poder se aposentar um dia.

Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, é pessimista. Ele afirma que a recessão, que caminha para ser a maior da história do país, está pondo em risco parte da formalização do mercado de trabalho conquistado em dez anos.

— A maior parte desse aumento de informalidade não é cíclico, mas estrutural. Quando a economia reagir será a partir de uma estrutura institucional pior do governo, com inflação mais alta, com condição fiscal pior, sem as boas condições do passado — alerta Pessôa.

TRABALHADOR FICA VULNERÁVEL

Perde o trabalhador, que na informalidade está mais vulnerável às oscilações do mercado, sem um colchão de proteção que a formalização oferece, complementa Pessôa:

— O trabalho com carteira reduz os riscos sobre o trabalhador. O conta própria é empresário de si mesmo. Não tem uma renda fixa, e qualquer oscilação do mercado vai afetar o seu bolso e o orçamento da família. Sente o impacto direto.

Com o aumento do desemprego, a competição nas ruas vem crescendo.

— O setor informal ainda é grande, mas há cada vez mais pessoas disputando espaço em um mercado com a renda em queda. A pessoa vai à luta, quer que os consumidores comprem seu produto, mas elas têm cada vez menos dinheiro disponível — afirma Saboia.

A banda Os Fluídos, que passou a se apresentar nas ruas desde que a crise começou a minguar os cachês dos bares, tem viajado pelas regiões Sul e Sudeste mostrando sua música nas ruas. Os músicos preferem os espaços públicos, onde a contribuição financeira dos motoristas ou pedestres acaba sendo mais atraente que o cachê de um bar.

— Com a alta dos preços, se a gente tomava uma cerveja ou jantava no local do show, sobrava muito pouco do cachê. Na rua, em dias muito bons, já conseguimos arrecadar R$ 500 num show. Mas a média fica em R$ 200 — diz o guitarrista, Douglas Cassenott.

Todos os quatro integrantes trabalharam no “mercado formal”, mas ou deixaram o emprego ou foram demitidos, e decidiram pôr o pé na estrada com os shows nas ruas.

Douglas diz que o contato com as ruas acaba rendendo novas oportunidades de trabalho, como tocar em exposições, ou mesmo em bares. Em São Paulo, estão hospedados numa ocupação artística no Centro da cidade.

— Nosso palco é público. E sempre convidamos alguém que esteja começando para tocar conosco — afirma Douglas.


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