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Empresas reveem dívidas com bancos para manter operações

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SÃO PAULO, RIO e BRASÍLIA – A combinação de juro elevado, alta de quase 40% do dólar em um ano e economia em recessão pôs uma série de empresas brasileiras de joelhos diante dos credores para renegociar dívidas. Com caixa fragilizado e crédito escasso, pedem alongamento de prazos de vencimento de empréstimos, suspensão temporária dos pagamentos e carências. Nos cinco maiores bancos do país, o total de crédito renegociado chegou a R$ 67,3 bilhões no ano passado, um crescimento de 11,6%, afetado principalmente pelas empresas. Além do crédito renegociado, crescem também os pedidos de waivers (quando a companhia pede perdão pelo descumprimento de cláusulas previstas nos contratos de emissão de dívida).

Grandes empresas, dos mais variados setores, estão recorrendo à renegociação de débitos, como a siderúrgica Usiminas, a incorporadora Rossi, a concessionária de rodovias Arteris e as distribuidoras de energia AES Sul e Light, entre outras. O êxito na negociação é essencial para que as empresas preservem o caixa e consigam tocar os negócios. Evita também a venda desenfreada de ativos com grandes descontos. Para os bancos e outros credores, é uma alternativa para evitar que as empresas enfrentem problemas mais sérios, como uma recuperação judicial, nos quais o prazo de pagamento pode ser ainda mais longo.

Segundo Tiago Lopes, sócio do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados, que assessora empresas que renegociam dívidas, os bancos têm sido mais complacentes porque até companhias bem administradas estão enfrentando dificuldades para manter a solvência:

– Não se trata mais de um problema que afeta apenas empresas desorganizadas. Os bancos estão mais dispostos a conversar, de acordo com o perfil. Com as mal geridas, seguem sendo duros. Com as outras, a lógica é que, se não ajudarem agora, talvez essa seja a última chance – disse Lopes, destacando que os bancos não só têm alongado a dívida, como também reduzido juros.

Segundo uma fonte graduada da equipe econômica, os bancos têm se preocupado em reescalonar as dívidas de seus clientes, entre outros fatores, porque o custo de captação das instituições financeiras no exterior aumentou bastante. No caso do Banco do Brasil, por exemplo, segundo a fonte, o percentual para captação externa passou de 2% para 9% ao ano.

– Houve uma reviravolta. Muitas empresas não vão conseguir renovar o crédito e, se não renovarem, vão quebrar – disse a fonte.

João Augusto Salles, analista da Lopes Filho & Associados, avalia que a dificuldade de pagamento e a necessidade de repactuação já se refletem nos balanços dos bancos. O volume de crédito renegociado subiu em quase todas as instituições. A maior parte se refere a operações com empresas.

– A empresa não vai pagar no prazo inicialmente previsto, mas vai pagar. Esse processo já começou em 2014, com as pequenas empresas, mas, agora, algumas grandes passam por dificuldades, seja pela variação no preço das commodities, pela alta do dólar ou situações estruturais – resumiu o executivo de um grande banco, que pediu para não ser identificado.

Para os bancos, a renegociação é também uma forma de estancar o número crescente de calotes. Segundo dados do Banco Central, a inadimplência das empresas terminou 2014 em 1,9%. Em fevereiro, já estava em 2,8%. Por isso, os bancos aumentaram as despesas com provisionamento. Só no ano passado, elas cresceram R$ 16 bilhões.

Como resume o executivo de um grande banco, que pediu para não ser identificado, as instituições estão “em nível alto de atenção”:

– Lá fora, quando um problema desses ocorre, há uma corrida entre os bancos para reaver seus créditos antes dos rivais. No mercado brasileiro, que é muito mais concentrado, poucos bancos fazem as grandes operações. Então, a empresa problemática é quase sempre um cliente muito importante, e não vale a pena pressioná-la além das possibilidades.

Luis Santacreu, analista da agência de classificação de risco Austing Rating, lembra que a tendência é de inadimplência em alta e essas renegociações devem levar os bancos a fazer mais provisionamentos.

– Se os calotes vão se concretizar não se sabe, mas os bancos já machucaram seus balanços diante do mercado, o que é totalmente sensato do ponto de vista administrativo. Por enquanto, o aumento da inadimplência foi pequeno, não o suficiente para acender o alerta – acrescentou.

Segundo a Economática, considerando apenas Banco do Brasil, Itaú e Bradesco, o nível de provisionamento atingiu R$ 68,8 bilhões em 2015, o maior da série histórica. Procurados pelo GLOBO, BB, Itaú, Bradesco, Santander e Caixa não quiseram comentar.

Christian Murayama, sócio, e Francisco Clemente, diretor da consultoria KPMG destacam a radical mudança de cenário. Em dois anos, a Selic subiu de 7,5% para 14,25% ao ano, o que dobrou o custo de capital do financiamento. Além disso, quem fez dívida com dólar a pouco mais de R$ 2, agora tem de pagar quase R$ 4. De outro lado, a queda da atividade econômica tem efeito negativo sobre a receita. Tudo isso contribui para que as companhias não consigam horar compromissos.

No caso das grandes empresas, a renegociação tende a incluir títulos de dívida emitidos no mercado de capitais no Brasil e no exterior. Muitos papéis contam com cláusulas contratuais que devem ser seguidas até a quitação, como um limite máximo de endividamento da companhia. Se há descumprimento, há algum tipo de punição. A mais comum é o vencimento antecipado da dívida. Para evitar isso, as empresas entram com pedidos de waivers, uma revisão das cláusulas ou suspensão por determinado período. Essa folga, porém, tem preço. Os credores pedem algum prêmio pela concessão.

Light e AES Sul negociaram waivers nos últimos meses. A concessionária de rodovias Arteris, por exemplo, negociou no ano passado um waiver com credores para evitar ficar fora das regras de endividamento, e alterou o limite entre dívida líquida e geração de caixa no contrato de 3,75 vezes para 4,25 vezes. Em dezembro, o indicador da companhia chegou a 4,1 vezes. Em comunicado, a Arteris informou que o objetivo da negociação era dar continuidade aos projetos de investimento. “Por meio da análise das projeções de analistas de mercado sobre o arrefecimento da economia e diante da importância de preservar a continuidade das captações por financiamento para investimentos, a empresa optou, de forma proativa, por negociar com os debenturistas adequações aos covenants (cláusulas) financeiros previamente”.

Para as agências de avaliação de risco, a princípio, as renegociações não têm impacto imediato na nota de crédito. O diretor sênior de empresas da Fitch, Ricardo Carvalho, afirma que os pedidos de waiver e de reestruturações de dívida indicam que grande parte dos setores da economia está em situação sensível.

– Há uma clara tendência de destruição da geração de caixa das empresas. Isso é um fato. Algumas companhias têm robustez para aguentar esse período, outras não – disse.

A incorporadora Rossi concluiu na semana passada a renegociação de sua dívida com o Bradesco e o Banco do Brasil, em um total de R$ 1,048 bilhão. Com as duas instituições, conseguiu carência para início de pagamento e alongamento dos prazos. Com isso, o prazo médio da dívida da companhia subiu de dez meses para 39 meses. As negociações começaram no segundo semestre do ano passado, o que foi importante para garantir melhores condições. Segundo Fernando Miziara, diretor de Relações com Investidores da Rossi, com a dívida equacionada, a empresa terá mais tranquilidade para vender ativos em velocidade adequada:

– A Rossi acabou se expandindo além do que pode se considerar saudável para uma incorporadora. Cresceu muito, e os ciclos e construção e vendas se alongaram, ou seja, o ciclo de retorno de capital aumentou.

A Usiminas renegocia dívidas de quase R$ 4 bilhões que vencem nos próximos dois anos. A siderúrgica informou que chegou a um acordo com bancos credores para suspender as obrigações financeiras da companhia por 120 dias. A suspensão está condicionada à proposta de aumento de capital de R$ 1 bilhão pelos sócios majoritários. Os nove bancos credores também se comprometeram a não antecipar o vencimento das dívidas, mas, se o aumento de capital não for aprovado na reunião do Conselho de Administração, no próximo dia 18, o acordo com os bancos será suspenso.

A PDG, do setor imobiliário, informou que está em negociação. Com dívida de R$ 5,5 bilhões, a companhia explicou que já conseguiu fazer algumas renegociações com credores menores e que o resultado final, que inclui os grandes credores, deve sair no segundo ou terceiro trimestre.

Integrantes da equipe econômica afirmam que o governo acompanha de perto a situação das empresas e que já começou a tomar medidas para evitar o agravamento do quadro. A principal foi a criação de uma linha de R$ 15 bilhões do BNDES para refinanciar operações de crédito. A medida foi anunciada dentro do pacote de incentivo ao crédito apresentado no fim de janeiro.


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