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Mergulho em família nas Similan, na Tailândia

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BANGCOC – Na primavera do ano passado, quando Forrister, meu filho de 22 anos, e eu pegamos as roupas de mergulho e tanques de oxigênio para nossa primeira noite de mergulho, estávamos a bordo de um antigo barco chinês no Oceano Índico há mais de 24 horas. À medida que íamos além de um conjunto de rochedos de granito que afloravam à superfície, perto da Ilha nº 9 no arquipélago Similan, pensava se não teria cometido um terrível engano.

Com os três mergulhos daquele dia, a experiência total de Forrister na atividade somava sete vezes. O casal alemão sentado próximo a nós contava dois mil mergulhos. O meu último tinha sido 17 anos antes em Galápagos. Desde então, a tecnologia avançou com novos computadores para a atividade, reguladores sofisticados, misturas de ar Nitrox, poderosas lanternas de LED e câmeras de vídeo minúsculas. Eu poderia proteger Forrister? Ou estava colocando-o em uma situação além de sua experiência?

Não via Forrister desde o dia de sua formatura na faculdade em 2014, quando, na manhã seguinte, ele partiu para uma bolsa de estudos para professores na China. A comunicação entre nós foi irregular desde então. E a ideia dessa aventura veio da China, em uma mensagem de Forrister: “Ei, paps, você mergulha, certo? Acabei de tirar o meu certificado. Gostaria de mergulhar na Tailândia? Pensei: “Sim, poderíamos fazer isso”.

NOVO MUNDO NA ESCURIDÃO PROFUNDA

Bem longe agora das luzes do grande barco, uma fina linha molhada dividia céu e mar. Lançamo-nos de costas à água, mergulhando em uma escuridão tão profunda que parecia que eu tinha perdido completamente a visão. Minha respiração se estabilizou depois de alguns golpes de ar. Acendi a lanterna, o que me trouxe algum conforto, mas iluminou apenas uma fina lasca desse meu novo mundo. Girei e não vi nada além de meu filho e o instrutor de mergulho com suas lanternas.

Nadei até Forrister. Éramos “colegas de mergulho” — que, por segurança, nunca perdem um ao outro de vista. Johnathan Winter, nosso instrutor ocasionalmente se juntava a nós, mas Forrister e eu tínhamos que contar um com o outro. As coisas raramente dão errado na água, mas se derem, tudo pode ser rápido e terminar mal. Um companheiro em alerta pode agir rapidamente. Descemos.

Mergulho noturno nos lembra uma caravana de carros descendo uma estrada não iluminada de montanha, numa noite sem luar, induzindo uma sensação estranhamente desencarnada. Uma imaginação fértil poderia moldar um pesadelo cheio de animais dentuços e raivosos à espreita. Mas esses vultos se esvaíram com facilidade em meio àquela paz inebriante. Uma serenidade incrível me envolveu. Até que meu filho resolveu fazer um desvio por conta própria.

Aos cinco minutos de um mergulho a 18 metros, Forrister nadou até um desfiladeiro de pedra, seguindo direto para uma abertura de caverna. “Não”, pensei, “você não vai entrar aí”. Mas, sem esperar, ele foi direto para o grande buraco negro, sua luz enfraquecendo, até que se apagou completamente. O instrutor também desapareceu. E, assim, do nada, Forrister quebrou a primeira regra do sacrossanto sistema de segurança, não informando suas intenções e deixando a mim, o seu companheiro, sozinho. Acho que ele pensou que eu o seguiria, mas não houve jeito de eu, 56 anos, entrar naquela caverna.

Nadei perto da abertura da caverna, imaginando o pior. Agora, ansiedade se misturava a preocupação, em uma combinação tenebrosa. Decidi procurá-lo, mas ele surgiu, e se juntou a mim. Fiquei aliviado. Juntos nadamos até um par de olhos vermelhos brilhantes que pertenciam a uma grande lagosta que chacoalhava uma concha exótica. Apagamos nossas lanternas para sentir a escuridão total, depois balançamos as mãos para agitar fitoplânctons fluorescentes. Observamos um peixe-papagaio dormindo em uma fenda sereníssima.

SETE DIAS EM TOUR DE CONVIVÊNCIA

Com nove ilhas, o arquipélago Similan é um dos principais destinos de mergulho do mundo, um parque nacional que fica a 64km da costa sudoeste da Tailândia, no Mar de Andamão, no Oceano Índico. Um lugar tão remoto que exige dos interessados que se alistem em uma espécie de tour de convivência, no qual um grupo de mergulhadores passa dias a bordo de um barco equipado com compressores de oxigênio, cozinheiras e instrutores. Enquanto os mergulhadores dormem, o barco navega até o destino seguinte.

E nós não hesitamos em deixar os luxos de um elegante barco moderno por uma semana a bordo do June Hong Chian Lee, um junco (antiga embarcação chinesa) de três mastros e cem pés de comprimento, construído em Penang, Malásia, em 1962. O passado hollywoodiano do barco ajudou: nele, James Bond e sua namorada navegaram ao pôr do sol nas últimas cenas de “007 contra o homem com a pistola de ouro” (1974).

Programei uma excursão de sete dias, que nos levaria ao norte para as ilhas de Koh Bon, Koh, Koh Tachai e a Rocha Richelieu — esta um pináculo não muito longe da fronteira com Mianmar, que mal rompe a superfície da água e abriga um famoso recife de corais. Meu filho e eu nos encontramos na praia perto de Phuket, balneário a pouco mais de uma hora de voo ao sul de Bangcoc.

À medida que rumamos para o Patong Beach Harbor, membros da tripulação majoritariamente tailandesa de oito pessoas soltaram rojões para atrair bons fluídos a bordo. O junco tinha um ampla proa, sobre a qual cadeiras de teca e mesas se alinhavam, protegidas do sol por uma lona. A maioria do grupo de 15 mergulhadores se acomodou por ali, hidratando-se e registrando anotações de viagens. À noite, ondas gentilmente roçavam as bordas do marco e nos embalavam o sono em nossos beliches.

O dia começava com um sino às 6h30m, briefing (7h) e mergulho (7h15m). De volta do primeiro mergulho do dia, as cozinheiras traziam o café da manhã com pratos tailandeses e ocidentais: peixe refogado, curry picante de massaman, sopa picante de camarão (tom yum goong), frango picante, (larb gai), rolinhos primavera e pai thai. E havia opção vegetariana. Repetíamos o processo no meio da manhã, à tarde e à noite. Na geladeira, garrafas das cervejas Shingha e Chang nos aguardavam após o último mergulho do dia.

DE WARHOL A PIXAR: PROFUSÃO DE CORES DEBAIXO D’ÁGUA

Na porção leste das ilhas, de frente para a costa tailandesa e relativamente protegida das fortes correntes, encontramos florestas de corais moles, anêmonas com tentáculos balançantes oferecendo refúgio para peixes-palhaços brilhantes, como se fosse em “Procurando Nemo”. E como numa animação da Pixar, miniflorestas de corais em rosa-néon, roxo, laranja e amarelo, com caules tão delicados que um raspar de barbatana poderia destruir anos de crescimento.

Alguns corais moles eram tão grandes como um atleta de futebol americano. Outros, imensos, brancos, me lembravam a plumagem de um avestruz. Entre eles nadavam os mais coloridos peixes, incluindo o meu favorito, o cirurgião-azul-claro (a Dory, de “Procurando Nemo”), cujos flancos têm um tom azulado tão rico como o mais belo dia de primavera.

AVENIDAS DE PEDREGULHOS

Na profusão de cores, quase perdemos um par de luminosos cavalos-marinhos de cauda amarela, entrelaçados. O macho parecia sitiado, seu estômago distendido com uns 1.500 ovos depositados mais cedo pela fêmea. Ele expelia sua prole como manda a natureza. Eu e Forrister nadamos sobre o coral para espiar o recife repleto a centímetros de distância. Assim, avistei uma lesma varicosa da verruga. Com esse nome infeliz, a pequena lesma é decorada com uma padronagem seriada de pequenos ovos fritos, a Andy Warhol.

Já o lado ocidental das ilhas tinha características totalmente diferentes. Águas calmas e fundo arenoso davam espaço a fortes correntes e aglomerados de pedregulhos do tamanho de uma casa que formavam avenidas e alamedas, cavernas e passagens contorcidas. Em três quartos do caminho de nossa viagem, mergulhamos em Elephant Head Rock, além da Ilha nº 8, que tinha o equivalente a um quarteirão de uma cidade de passagens estreitas por um campo de pedregulhos. Passamos por este labirinto tridimensional, levitando sobre rochas, prendendo o fôlego para flutuar ainda mais (em seguida, exalando o ar para afundar de volta) e movendo-nos por passagens escuras.

Forrister e eu seguimos em harmonia, revezando a liderança, atrás de peixes coloridos, espiando sobre pedras e apontando criaturas escondidas. Poucos corais moles viviam ali, mas um psicodélico peixe-anjo apareceu em contraste com o cenário.

ÁREAS PROTEGIDAS

Esse lado ocidental das ilhas também nos trouxe uma imensa colônia de peixes de mar aberto. Forister e eu nos aproximamos de uma colônia de centenas de barracudas de barbatana preta de cerca de um metro de comprimento, com seus corpos perfeitos de predadores e bocas cheias de dentes afiados inquietantes, mas fascinantes de assistir. Elas não estavam interessadas em nós, então manobramos sob elas e observamos o lento e metódico movimento circular, um comportamento de caça coletiva que usam para encurralar seus peixes-presas, gradualmente apertando o cerco enquanto subiam.

Estranhamente ausente estava o predador máximo dos oceanos: nessa semana de mergulho, nossos 15 mergulhadores avistaram só um punhado de tubarões-pontas-brancas e pontas-negras-do-recife, junto a um casal de tubarões-leopardos.

Johnathan, que tem mergulhado aqui por quase dez anos, relatou que a quantidade, antes abundante, vem declinando devido a pesca excessivamente agressiva. Eu esperava talvez encontrar branqueamento de corais e outros exemplos mais visíveis de destruição de corais, mas a ausência de tubarões me deixou mais apreensivo.

Mesmo assim as autoridades dos parques da Tailândia levam a conservação dos corais a sério, proibindo a visitação em alguns lugares que eram populares para o mergulho, para que os recifes possam se recuperar dos danos causados por âncoras, mergulhadores e pescadores. Muitas das praias nas Similans continuam fechadas para proteger áreas de desova de tartarugas-do-mar.

SHOW DO GENTIL GIGANTE

Em nosso 12º mergulho, em Koh Tachai, subimos para nosso ponto de segurança a 20 pés quando um bicho preto e branco imenso e carnudo deslizou perto de nós. Foi como ver um alce nas florestas do Maine ou um elefante na África. Era grande demais para que compreendêssemos o que era, num primeiro momento. Com envergadura de três metros, a arraia tinha uma enorme boca aberta que parecia capaz de engolir um de nós. Mas elas são verdadeiros gigantes gentis comedores de plânctons.

Longe e abaixo de nós, outros mergulhadores poderiam ver apenas uma vaga e imensa sombra. Nós tivemos assentos privilegiados para o show à medida que essa criatura voava sobre nós. Nenhum documentário da “National Geographic” poderia ter nos preparado para o que testemunhamos pessoalmente em tal momento de graça profunda. Marcamos aquele momento com um balançar de máscaras.

UM DIA PARA DESINTOXICAR

No último dia, ajudamos a tripulação a puxar as velas para um ritual da navegação e tomamos margaritas. Quando tudo terminou e dissemos adeus a nossos novos amigos de mergulho, Forrister e eu relaxamos numa ampla faixa de areia perto do balneário de Patong, deixando nossos corpos vazar o nitrogênio absorvido pelo sangue, antes do voo de volta.

Voar sem esperar um dia para desintoxicar significa poder experimentar a debilitante — e às vezes fatal — intoxicação por gases. Ao olhar nos olhos de Forrister, percebi que ele amadureceu e se tornou um homem. E se transformou num bom mergulhador, talvez até melhor do que eu.


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