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Porto Rico vira linha de frente dos Estados Unidos contra vírus zika, diz NYT

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San Juan, Porto Rico – Em uma marcha inexorável pelo hemisfério, o vírus zika começou a se espalhar por Porto Rico, a linha de frente dos Estados Unidos em uma epidemia que se aproxima. O surto deve ser pior aqui do que em qualquer outra parte do país. A ilha, um paraíso quente e úmido pontilhado de pobreza, é o ambiente ideal para os mosquitos que transmitem o vírus. A paisagem está cheia de casas abandonadas e pneus descartados que são criadouros perfeitos para os insetos. Algumas casas e escolas não têm telas nas janelas nem ar-condicionado, expondo as pessoas a picadas quase constantes.

A economia está em frangalhos e milhares de funcionários públicos necessários para combater os mosquitos foram dispensados. O produto químico mais comumente usado contra os insetos adultos não funciona mais, e o que serviria para controlar as larvas foi tirado do mercado pelos órgãos reguladores.

Aproximadamente 25 por cento dos 3,5 milhões de habitantes da ilha muito provavelmente pegarão o vírus zka dentro de um ano, segundo o Centro para Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC, na sigla em inglês), e, com o tempo, 80 por cento ou mais da ilha serão infectados.

– Estou muito preocupado. Podemos ter milhares de infecções em mulheres grávidas neste ano – disse Thomas R. Frieden, diretor do CDC, durante entrevista após uma visita recente de três dias a Porto Rico.

A epidemia está se alastrando num dos destinos turísticos mais populares do país, onde aviões e navios de cruzeiro desembarcam milhares de viajantes por dia. Qualquer um pode levar o vírus de volta para casa, alimentando um surto transmitido por mosquitos ou por meio de relações sexuais.

As autoridades de saúde porto-riquenhas começaram iniciativas intensivas para deter o vírus, ligado a casos de bebês com microcefalia e de paralisia em adultos. Caminhonetes trafegam pelas comunidades, cobrindo-as de inseticida. As escolas estão ganhando telas para proteger as crianças, e centenas de milhares de pneus velhos foram coletados e eliminados.

As autoridades alertaram diversas cidades da ilha para que limpem o entulho nos quais existem recipientes com água, incubando novos mosquitos. E o CDC está se preparando para gastar dezenas de milhões de dólares para enfraquecer a disseminação do vírus. Ainda assim, não acham que terão sucesso.

– Não vou dizer que sim. Não é um mundo perfeito. Vamos fazer tudo que for possível – disse Johnny Rullán, secretário de Saúde da ilha por 31 anos e que abandonou a aposentadoria para ser consultor do governo.

Desesperadas, as autoridades estão concentrando boa parte de seu esforço na proteção de um grupo em particular, as mulheres grávidas, em vez de tentar defender a população inteira.

– Esse vírus nos abalou profundamente – disse Brenda Rivera, diretora da divisão de reação do Departamento de Saúde de Porto Rico.

A epidemia chegou mais cedo do que o esperado. O primeiro caso de zika na ilha foi confirmado em dezembro, e o governador declarou emergência de saúde em 5 de fevereiro. Embora existam somente 249 casos confirmados – 24 deles em mulheres grávidas –, os médicos acreditam que muitos mais não estão sendo relatados.

Nos próximos seis meses, o ambiente vai ficar mais quente, úmido e infestado de insetos, e o número de infecções vai crescer. Agora, a ilha se encontra onde o Nordeste brasileiro estava em 2014, quando casos de uma “doença misteriosa” com manchas na pele, febre baixa e olhos vermelhos começaram a surgir. No primeiro semestre do ano passado, casos de infecção pelo vírus zika passaram a lotar o pronto-socorro dos hospitais.Uma paralisia temporária, chamada de síndrome de Guillain-Barré, atingiu alguns pacientes logo depois. Bebês com microcefalia só foram aparecer em agosto.

Até agora, em Porto Rico, somente um caso de Guillain-Barré foi ligada ao vírus. Se a microcefalia ocorrer aqui, os casos devem aparecer no fim do ano, avaliou Rullán. De certa forma, Porto Rico tem sorte. Praticamente todo médico e enfermeiro foi alertado e sabe o que procurar.

O CDC tem um laboratório permanente na ilha e está importando pessoal e equipamento para fazer cem mil exames de sangue por ano, cinco vezes a mais do que pode realizar agora. A agência destinou US$ 25 milhões para o combate e pediu mais US$ 225 milhões ao Congresso como parte do pacote de US$ 1,8 bilhão criado pelo presidente Barack Obama, que agora está paralisado no Congresso.

Os sistemas de saúde e de reação emergencial da ilha têm problemas, mas são bem organizados. As equipes geralmente convocadas em casos de furacões agora estão sendo treinadas para visitar casas, esvaziar recipientes com água e passar veneno contra mosquitos.

O aspecto talvez mais importante seja que o governo mantém dezenas de clínicas de nutrição para mãe e filhos, geralmente utilizadas por mais de 90 por cento das mulheres grávidas daqui. As equipes das clínicas estão telefonando para as grávidas, convidando-as a ouvir uma palestra de 20 minutos sobre o vírus zika. Quase cinco mil mulheres já participaram.

– Senhoras, a fragrância deste ano é de DEET – disse Ismarie Morales, chefe de nutrição da Clínica para Mulheres, Bebês e Crianças em Carolina, subúrbio de San Juan, enquanto mostrava uma lata verde de repelente numa aula recente. – Todas nós temos de ter este cheiro.

As sete ouvintes reagiram com graus variados de preocupação. Em todos os cantos da ilha existem mulheres tão cansadas das mensagens assustadores sobre os mosquitos, e tão acostumadas a serem picadas, que não levam os alertas a sério.

Para brecar a disseminação do vírus, as autoridades devem controlar o Aedes aegypti.

– Existe uma boa dose de pessimismo quanto a isto entre as pessoas que tentaram lutar contra a dengue e a chicungunya. Esforços intensos para controlar o mosquito tiveram pouquíssimo impacto – disse Frieden.

O mosquito pode se reproduzir em uma simples tampa de garrafa com água, “e não dá para simplesmente acabar com toda a água parada de Porto Rico”, acrescentou Frieden.

Muitas das centenas de escolas da ilha não têm nem telas nem ar-condicionado. Como as estudantes daqui representam 20 por cento das grávidas, as autoridades pretendem instalar telas para não deixar o mosquito entrar.

Somente esse esforço já é um grande trabalho.

– Isso significa medir cada janela – explicou Rullán. – E o que fazer com as portas quando se tem 50 crianças correndo para dentro e para fora?

Como primeira etapa, o uniforme das escolas públicas foi modificado para que as meninas possam usar calça e os professores devem dar repelente a todas as garotas.

Nos 109 cemitérios da ilha e seus muitos desmanches de automóveis e lixões, as equipes de controle de mosquito começaram a borrifar larvicida, mas é um trabalho sem-fim porque a chuva leva embora o produto.

Além disso, a ilha está pontilhada com centenas de casas abandonadas com fontes para pássaros e piscinas. Porto Rico tem 500 mil fossas sépticas, cada uma das quais pode produzir 1.500 mosquitos por dia, se não estiver tampada.

Outras iniciativas para controle de mosquito são ainda menos eficazes. O fumacê – tão visível – é o que as pessoas costumam associar ao governo combatendo o mosquito. A permetrina, porém, o inseticida usado há anos nessa atividade, pode ser inútil. Testes em vários locais constataram que sua capacidade de matar mosquitos foi em grande medida reduzida, então a ilha terá de escolher um novo pesticida e impedir que os trabalhadores o utilizem.

Todavia os mosquitos não são a única maneira de transmitir zika. As autoridades de saúde também se viram forçadas a lidar com um aspecto inesperado: a descoberta que o sexo espalha o vírus. O governo congelou o preço dos preservativos, ameaçando as lojas com multas de US$ 10 mil se elevarem o custo – a mesma atitude foi tomada em relação aos repelentes e telas para janela.

Nas clínicas de nutrição, professoras como Morales têm sofrido para explicar, enquanto distribuem camisinhas, por que os parceiros de mulheres grávidas devem usá-la. Numa entrevista de rádio em janeiro, a secretária de saúde de Porto Rico, Dra. Ana Ríus, aconselhou as mulheres a atrasarem a gravidez, se possível, até o fim da epidemia.

Entretanto comentaristas de rádio a acusaram de alarmista, e Roberto González, arcebispo da Igreja Católica, criticou publicamente o plano do governo de distribuir preservativos. Em vez disso, ele orientou as pessoas a “praticar a autodisciplina, que nós acreditamos ser a única atitude racional e a ter fé”.

Muitos meses vão se passar antes de as autoridades descobrirem se seus esforços reduziram o avanço do vírus zika.

– Chegando outubro, quando os bebês começarem a nascer, vou saber se agimos a tempo ou não – disse Rullán.


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