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Falta de UTIs neonatal no estado obriga mães a viajarem para visitar filhos

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RIO – Sophie é uma sobrevivente. Nasceu com cinco meses de gestação, 38 centímetros e menos de 800 gramas. Com a UTI neonatal superlotada no Hospital Estadual Azevedo Lima, em Niterói — 17 bebês num espaço para dez —, teve que ser transferida de ambulância para Araruama dias depois. Desde então, a mãe, Bianca Nascimento Cerqueira, pega a estrada todos os dias para ver a criança, que ocupa um dos quatro leitos de outro hospital do estado, o Roberto Chabo. São 200 quilômetros para ir e voltar. A relação entre as duas, mediada por médicos e enfermeiros, sem peito nem colo, vai nascendo aos poucos: na última quarta-feira de abril, exatos três meses após o parto, elas se tocaram pela primeira vez. Bianca sussurrava uma canção de ninar enquanto Sophie dormia em seus braços. O coração de mãe fica partido, pois enquanto visita a caçula, Yan, de 9 anos, espera em casa.

— Viver é difícil — desabafa a manicure, sem trabalhar desde janeiro. — O mais importante é que ela está crescendo, pensei que não fosse resistir. Foi milagre de Deus.

Com 1,9 quilo, Sophie se alimenta por sonda e ainda precisa aprender a sugar e deglutir antes de ganhar alta, mas está fora de perigo. Por coincidência, nasceu em um hospital onde há maternidade e UTI neonatal, embora esta última esteja sobrecarregada. A realidade do Estado do Rio é outra: apenas 14 municípios, de um total de 92, quase todos na Região Metropolitana, têm tratamento intensivo para recém-nascidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (Cnes/DataSUS).

Distância de até 400km

Quem controla os 316 leitos públicos é o Sistema de Regulação, órgão da Secretaria estadual de Saúde. Duas vezes por dia, às vezes três, servidores recebem relatórios atualizados com a ocupação das vagas — foi assim que conseguiram um leito para Sophie, em Araruama. O problema é que, na luta pela vida, uma legião de recém-nascidos precisa cruzar o estado, alguns de helicóptero, a maioria chacoalhando nas estradas. Alguns percorrem quase 400 quilômetros, como um bebê de Porciúncula atendido recentemente no Hospital Estadual Lagos, em Saquarema, inaugurado em 2014 para dar conta da demanda da Região dos Lagos.

— A gente fica à mercê, onde tem vaga a gente corre e leva — resume a superintendente da Secretaria de Saúde de Porciúncula, Marilda Beta.

Alguma coisa está fora da ordem. O Hospital São José do Avaí, em Itaperuna, a apenas 40km Porciúncula, recebe poucos bebês do Noroeste Fluminense, onde vivem cerca de 350 mil pessoas espalhadas por 13 cidades. Médicos do setor de neonatologia do hospital dizem que havia dez leitos de UTI neonatal reservados para o Sistema Estadual de Regulação, mas hoje são seis — o governo rompeu o contrato por falta de recursos. Em Natividade, também no Noroeste, a secretária municipal de saúde, Ana Godoy, nunca contou com leitos da vizinha Itaperuna. Os bebês de sua região normalmente viajam 130 km até Campos, mas ultimamente os percursos têm sido maiores.

— Meus colegas do interior passam pela mesma dificuldade. Confiamos na regulação, mas temos que telefonar para Deus e o mundo, todos que conhecemos e que podem ajudar. É triste, mas não vejo melhora possível a curto prazo — lamenta a secretária.

Faltam pediatras

Na capital, a Secretaria estadual de Saúde diz não ser possível informar quantas das cerca de 200 transferências neonatais feitas todo mês — em 2015 foram 2.501 — foram de uma cidade a outra, a menos que se olhasse caso a caso.

Segundo a secretaria, são 316 leitos sob sua responsabilidade, sendo 66 em unidades próprias e outros 250 alugados na rede privada.

— Esta é uma das graves questões da nossa saúde pública. O ideal é que toda cidade tivesse uma estrutura mínima de neonatal. Os recém-nascidos ficam viajando pelo estado, isso não deveria ser admitido — preocupa-se o pediatra Sidnei Ferreira, conselheiro do Cremerj.

Segundo ele, o problema começa na falta de pediatras nas maternidades públicas, que têm atuado com equipes incompletas. O conselho afirma que o estado tem déficit de 150 leitos de UTI em geral, somando unidades neonatal, pediátrica e adulta.

— Um pediatra presente pode, em dois ou três minutos, salvar uma vida. Muitas equipes médicas estão desfalcadas. O sistema de saúde está tão ruim que nem os exames pré-natais estão sendo feitos corretamente. Muitas mães sequer realizam os sete exames — afirma.

Marcos Renni, superintendente da Regulação no Estado, afirma que grandes locomoções não são regra, e que o número atual de leitos de UTI neonatal é suficiente. Critica os hospitais pelo que chama de “morosidade na otimização da alta”, afirmando que, “quando pressionamos, as vagas aparecem”.

— Recebemos de dez a 20 pedidos de leito por dia. É, normalmente, o número que fica disponível. O tempo de espera na fila é de 12 a 24 horas. Leitos de neonatal são dinâmicos, as crianças se recuperam rapidamente. Às vezes, não temos de manhã, mas aparecem três à tarde — diz.

De Natividade até a Baixada

Às vezes não aparecem. Em abril, duas grávidas de 30 semanas dependiam de transferência urgente em Natividade. A secretária de saúde envolveu-se pessoalmente, já prevendo que os bebês precisariam de tratamento intensivo — que não existe nem em sonho na cidadezinha de 15 mil habitantes. Foram mais de dois dias de espera até as vagas surgirem, em São João de Meriti, na Baixada, 250 km ao sul.


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