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Camelôs tomam cada vez mais as calçadas da cidade

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RIO — Uma legião de camelôs trabalha hoje no pulo: em situação irregular, eles vivem com um olho no peixe e o outro no gato para, se preciso for, escapar da fiscalização. A cena de calçadas e praças apinhadas de ambulantes é cada vez mais comum no Rio. É gente empurrada para a informalidade pela crise, um número crescente de imigrantes latinos e também de refugiados sírios, que se juntam a velhos donos da rua e transformam bairros como Centro, Copacabana e Bangu em verdadeiros mercados ao ar livre. Todos se valem da ineficiência da fiscalização, agravada pelo esvaziamento de algumas Unidades de Ordem Pública (UOPs), como a de Copacabana, que desde 2011 teve seu efetivo reduzido de 285 para 165 guardas municipais.

Com o controle falho, vende-se de tudo um pouco, de material de limpeza a falsificações de marcas esportivas, produtos de petshop e óculos de grau. Diogo — que preferiu não se identificar pelo nome completo — vende guarda-chuvas no Largo da Carioca. Aos 31 anos, havia saído das ruas para trabalhar como pedreiro. Mas, há quatro meses, teve que voltar. Ele tem conseguido até R$ 1 mil por mês para sustentar a mulher, desempregada, e dois filhos. E diz ter encontrado muitos na mesma situação — o Rio é o segundo estado que mais fechou postos de trabalho em 2015, com 183 mil pessoas demitidas, segundo o Ministério do Trabalho.

— É trabalho no sol e na chuva, correndo da Guarda Municipal. Mas é o que tem. Não posso é ficar em casa esperando o dinheiro cair do céu. Tiro pouco, mas estou juntando para montar um salão de beleza para minha mulher — diz Diogo.

Perto dali, na saída do metrô da Carioca, Maria Helena Godoi, de 71 anos, vende brinquedos para cachorros e angaria, por mês, mais do que o salário mínimo que ganha com sua aposentadoria. Ela diz que trabalha porque gosta e não consegue ficar em casa, mas reconhece a importância de complementar a renda da família. Na mesma calçada, um sírio oferecia esfirras e um aposentado cuidava de uma banca de livros usados.

WHATSAPP PARA FUGIR

Instalado alguns metros adiante, em frente ao Convento de Santo Antônio, outro ambulante afirmou que aquele era o seu ponto preferido porque ali, segundo ele, não precisa pagar propina. Há 30 anos como camelô, ele afirma que a rua se tornou “uma guerra”: tem mais ambulante disputando espaço e clientela, e a relação com a Guarda Municipal não é das melhores.

No Centro, há variadas formas para escapar da fiscalização. Tem o tradicional boca a boca para avisar que o “rapa” está chegando. Mas também se faz uso da tecnologia, de rádios a grupos de WhatsApp.

— Já não há trabalho. Perder a mercadoria também não dá — contou o ambulante, que credita ao desemprego o acirramento da disputa por espaço e fala sobre a ética do mercado informal. — A única coisa que não pode é montar uma barraca com o mesmo produto perto de quem já está na rua.

Na verdade, os produtos podem até ser parecidos, como acontece na Rua Uruguaiana. Ali, na quarta-feira passada, o território era dos equatorianos que vendiam roupas falsificadas. Alguns camelôs brasileiros, no entanto, também vendiam artigos de vestuário. Mas um deles ressaltou que eram peças de características e “marcas” diferentes.

Para o comércio formal, o setor de vestuário, aliás, é um dos mais prejudicados pela concorrência com os camelôs, afirma Aldo Gonçalves, presidente do Clube de Diretores Lojistas (CDL) do Rio. Lista na qual também estão segmentos como o de bijuterias, o de artigos de bazar e o de alimentos.

— O número de camelôs está crescendo muito em consequência do momento difícil que vivemos. Além de dificultar a circulação de pessoas, isso tem afetado muito o comércio, principalmente em bairros como Centro, Bangu e Campo Grande. As perdas chegam a 30% — diz Aldo.

Em Copacabana, é justo no coração comercial do bairro, entre as ruas Siqueira Campos e Constante Ramos, que os camelôs são mais numerosos. A qualquer hora é possível encontrá-los, mas é no cair da noite que eles fazem a festa. Na terça-feira passada, por volta das 18h, guardas municipais que seguiam pela Avenida Nossa Senhora de Copacabana numa van da UOP pararam na Rua Santa Clara para fazer uma ronda a pé. Mas caminhavam tão lentamente que os camelôs conseguiram guardar as mercadorias e escapar facilmente, avisando quem estava por perto. Uma hora depois, quando os guardas já tinham ido embora, um vendedor ambulante já tinha estendido uma lona com roupas no mesmo ponto em que a viatura havia parado.

Presidente da Sociedade Amigos de Copacabana, Horácio Magalhães afirma que, embora na terça-feira passada os agentes da UOP estivessem circulando pelo bairro, tem sido raro encontrá-los.

— A UOP de Copacabana tinha 285 homens em 2012. Hoje, tem menos da metade — diz ele.

EFETIVO REDUZIDO

No Méier, o quadro é parecido. Os camelôs se concentram na Rua Dias da Cruz, perto de um shopping e de lojas de departamento. E Sylvio Matos, presidente da associação comercial local, é taxativo:

— Observamos que o efetivo diminuiu. Posso dizer que temos hoje uma amostra da época em que a unidade foi lançada. Só continuam no bairro os que multam e rebocam carros.

Onde a presença ostensiva de guardas municipais tem surtido efeito é no entorno da Central do Brasil. Com as obras para a construção do VLT, eles têm ficado de prontidão para evitar que os camelôs tomem as calçadas.

Leandro Matiele, secretário municipal de Ordem Pública, pasta à qual a Guarda Municipal está subordinada, não acha que a fiscalização esteja deixando a desejar. Ela aponta o aumento no número de apreensões, de 319 mil produtos em 2014 para 392 mil no ano passado (44% deles piratas), para argumentar que o trabalho nas ruas tem dado resultado. Ele reconhece, porém, que há áreas mais críticas, como Copacabana e Centro. E diz que a tarefa de coibir os ambulantes, muitas vezes, é como uma briga “de gato e rato”.

— Os guardas saem de um ponto, os camelôs voltam. E muitas vezes a população fica contra os guardas na hora de apreender o material. Entendemos que o fenômeno do ambulante é cíclico, e que há um aumento da informalidade devido à crise. Mas quando os camelôs estão em situação irregular, temos de fazer nosso trabalho — diz ele.

Matiele admite também que houve a redução do efetivo nas UOPs. Entre 2013 e 2014, ressalta ele, houve uma grande evasão da Guarda Municipal, principalmente de agentes que passaram em concursos públicos. Até julho, no entanto, ele afirma que 300 novos guardas atuarão, em princípio, nas Olimpíadas e, depois, serão distribuídos nas UOPs. Posteriormente, outros aprovados em concurso serão chamados.

Por enquanto, nem nas proximidades das sedes de UOPs os camelôs têm sido incomodados. Semana passada, dezenas deles trabalhavam na Rua do Catete, perto da UOP Catete, Flamengo e Glória. Eles se misturavam a vendedores que têm autorização para trabalhar, que, segundo Matiele, são 18 mil em todo o Rio. Mas, a despeito da crise, o secretário diz que não há mais vagas para credenciamento de camelôs na cidade.

Há 14 anos como ambulante, Rosemary dos Santos tem uma dessas autorizações. Levou cinco anos para consegui-la, e só obteve a licença ao virar auxiliar de outra ambulante.

— A prefeitura dá prioridade a pessoas com doenças crônicas, deficiência física, passagem pela polícia ou mais de 45 anos. Só consegui porque virei auxiliar de uma menina com uma doença crônica, que hoje trabalha comigo. Acredito que muita gente que trabalha no pulo quer se legalizar. Mas é muito difícil — diz ela.


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