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Nova esperança no tratamento da insuficiência cardíaca

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RIO – No mundo inteiro, milhões de pessoas convivem com a insuficiência cardíaca, condição em que o coração, enfraquecido por uma infecção ou um infarto, por exemplo, não consegue mais bombear satisfatoriamente o sangue pelo corpo. Grande parte destes pacientes, no entanto, deverá morrer num prazo de cinco anos, já que os medicamentos atuais, conhecidos como beta-bloqueadores, se por um lado ajudam a evitar a morte de mais células do músculo cardíaco, por outro desestimula sua contração, prejudicando sua função. Mas uma nova classe de moléculas descoberta por um grupo de pesquisadores nos EUA pode mudar este cenário, permitindo uma maior sobrevida das vítimas de insuficiência cardíaca.

– Todo coração, quando entra em insuficiência, deflagra a ação de um sistema de defesa do corpo conhecido como neuro-humoral – explica Marcelo Westerlund Montera, coordenador de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Cardiologia e do Centro de Insuficiência Cardíaca do Hospital Pró-Cardíaco, no Rio. – O problema é que este sistema, quando estimulado cronicamente por uma disfunção cardíaca, passa a ser deletério ao músculo cardíaco, levando a arritmias e à morte das células, trazendo uma maior mortalidade de pacientes a longo prazo pela piora progressiva da função do músculo cardíaco. Assim, há uma proposta de longa data de procurar uma maneira de modular e melhorar a função cardíaca em um quadro de insuficiência por outras vias.

E é justamente aí que entram nos novos compostos descobertos por pesquisadores da Universidade Thomas Jefferson, na Filadélfia. Segundo eles, estudos iniciais com as novas moléculas, do tipo conhecido como pepducinas, demonstraram que elas têm a capacidade protetora das células do músculo do coração fornecida dos beta-bloqueadores tradicionais sem, no entanto, afetar sua contração. Assim, estas moléculas podem representar este buscado caminho alternativo para o desenvolvimento de novos remédios que tragam benefícios aos pacientes sem efeitos paralelos prejudiciais.

– Ainda há muito trabalho a ser feito antes que isto esteja pronto para os pacientes, mas (o caminho alternativo) é um excelente exemplo de como um pouco de curiosidade na pesquisa básica em laboratório pode levar a descobertas com o potencial de mudar a maneira como tratamos uma doença muito comum e muito mortal – avalia Jeffrey Benovic, professor da universidade americana e principal autor de artigo sobre o estudo, publicado na edição desta semana do periódico científico “Proceedings of the National Academy of Sciences” (Pnas).

A possível utilidade para esta nova classe de moléculas foi vislumbrada inicialmente por Richard Carr, estudante do laboratório de Benovic. Enquanto analisava as propriedades das pepducinas, Carr notou que elas tinham uma grande similaridade com um medicamento usado comumente no tratamento da insuficiência cardíaca conhecido como carvedilol. Um tipo de beta-bloqueador, o carvedilol age preferencialmente sobre receptores na superfície das células cardíacas conhecidos como beta-1.

Ao se ligar a hormônios como a adrenalina e a noradrenalina, estes receptores beta-1 estimulam a atividade das células do músculo cardíaco, o que faz o coração se acelerar ou contrair mais forte em, por exemplo, situações de perigo. Assim, como o nome indica, os medicamentos beta-bloqueadores bloqueiam parcialmente o funcionamento destes receptores, protegendo o coração nos quadros de insuficiência.

Dentro das células do músculo cardíaco, no entanto, uma enzima, conhecida como beta-arrestina, modula a atividade determinada pelos receptores beta-1 ao mesmo tempo que favorece a ação de outro receptor existente em menor quantidade nelas, chamado beta-2, benéfico ao músculo cardíaco por controlar as arritmias e reduzir a apoptose (morte celular). E é exatamente este o caminho agora tomado com o desenvolvimento das pepducinas para o tratamento da insuficiência.

– Aproveitando este mecanismo, os novos remédios devem atuar sobre a beta-arrestina, fazendo um bloqueio interno do receptor beta-1 ao mesmo tempo que favorece o beta-2 – destaca Montera. – Dessa forma, os eventuais novos remédios trarão a vantagem de uma ação mais focalizada, sem os efeitos deletérios sistêmicos dos betabloqueadores tradicionais. Isso abre uma janela a ser pesquisada em estudos clínicos para saber se este tipo de benefício trará uma maior sobrevida aos pacientes de insuficiência cardíaca, que é o objetivo final de todo esta pesquisa.

Assim, Benovic e sua equipe pretendem desenhar versões melhoradas das pepducinas e avaliar se existem moléculas que podem replicar sua ação no corpo.

– Se encontrarmos ou desenharmos um composto que funcione como as pepducinas, elas não necessariamente curariam a insuficiência cardíaca, mas dariam aos médicos uma nova ferramenta para estimular o funcionamento de um coração doente – conclui Benovic.


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