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Genética explica distúrbios de ansiedade durante a adolescência

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RIO — Distúrbios de ansiedade costumam aparecer durante a adolescência, quando a incidência desses transtornos mentais é mais alta. Parte da explicação para isso está na genética. Em um estudo que envolveu análise de dados sobre mais de mil pessoas, de 3 a 21 anos de idade, pesquisadores das universidades de Cornell e da Califórnia em San Diego, EUA, identificaram que uma variante comum em um gene muda de atividade justamente na adolescência, influenciando na formação de alguns circuitos cerebrais ligados ao controle das emoções.

Segundo os cientistas, esta variante genética, conhecida como FAAH C385A, está presente em cerca de 80% da população. O gene regula a ação de uma enzima responsável pelo metabolismo de uma molécula típica do chamado sistema endocanabinoide do cérebro, que usa uma série de neurotransmissores com uma formulação parecida com a do THC, a substância psicoativa da maconha. Batizado anandamida, esse composto tem efeitos analgésicos, ansiolíticos e antidepressivos, atingindo níveis mais altos no cérebro durante a infância. A partir da adolescência, no entanto, com a ativação da variante FAAH C385A, as concentrações de anandamida caem, expondo os jovens a um maior risco de distúrbios de ansiedade.

— Estudos anteriores já tinham identificado esta variante genética que indicava quais indivíduos são mais ou menos suscetíveis à ansiedade, então nosso foco foi procurar saber quando essa diferença genética emerge no desenvolvimento — contou ao GLOBO Dylan Gee, pesquisadora do Instituto Sackler para a Psicobiologia do Desenvolvimento da Universidade de Cornell e primeira autora do artigo sobre o estudo, publicado recentemente no periódico científico “Proceedings of the National Academy of Sciences” (PNAS). — Descobrimos que a variante entra em ação na adolescência, por volta dos 12 anos, nunca antes. E isso nos ajuda a entender o porquê de a ansiedade aumentar tanto nesta época da vida.

Dylan ressalta, no entanto, que só ter esta variante genética não é determinante para o desenvolvimento de distúrbios de ansiedade, ou mesmo para lidar mal com episódios normais de ansiedade na vida.

— Nem todos que têm essa variante vão desenvolver uma desordem de ansiedade, mas isso parece explicar as diferenças que vemos nos níveis de ansiedade das pessoas — conta.

Psiquiatra especializado no atendimento de crianças e jovens, Fabio Barbirato lembra que, por si só, a adolescência já é um período difícil na vida, o que vem sendo exacerbado na sociedade moderna.

— A entrada na adolescência é um período que chamamos de luto da infância, quando você deixa de ser criança e muda todo seu comportamento diante de uma série de exigências sociais e pessoais, por alterações não só no corpo, mas das próprias ideias e objetivos — diz. — Hoje com as expectativas cada vez maiores que os pais e a sociedade criam nas crianças, elas entram na adolescência com uma pressão muito grande, e este estresse contínuo favorece um quadro psiquiátrico de ansiedade.

SINAIS DE ALERTA

Assim, segundo Barbirato, é preciso orientar os pais e estar atento às crianças para evitar que ansiedades e dúvidas naturais desta fase da vida se tornem um problema. Entre os sinais de possíveis distúrbios, ele aponta queda de rendimento na escola, comportamentos de irritação em situações e lugares que antes eram prazerosos, reações de ansiedade, tensão e medos exagerados que não tinham antes, e irritabilidade quando sob pressão, principalmente acadêmica e social.

— A questão é tentar não massificar demais algo que já é muito normal — considera. — É um período muito sensível, que requer muita atenção para o jovem poder passar bem por ele, ter acolhimento, ter carinho da família, mas também autonomia. Não é preciso superprotegê-lo, mas também estar atento para um comportamento mais impulsivo, porque neste período ele também tem muito pouco freio inibitório. E como está em desenvolvimento, ele ainda é uma criança se modelando para ser um adulto, o que é a adolescência.

Barbirato também concorda com Dylan que o mecanismo descoberto no estudo é apenas um passo na busca de compreender as influências genéticas e neuroquímicas dos distúrbios mentais, que envolvem muitas regiões do cérebro.

— Não há um biomarcador único — destaca. — Acredito que no médio prazo provavelmente vou ter um conjunto de marcadores que vão me indicar se aquela criança vai ter maior propensão a desenvolver distúrbios de ansiedade na adolescência. Por enquanto, porém, temos que trabalhar com prevenção, dar orientação para os pais com clareza para evitar esta questão da pressão, e tratamento e terapia para o jovem quando ele chega no consultório com um quadro depressivo ou ansioso. Uma terapia de referência comportamental, que trate a criança e oriente os pais.


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