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Mário Mesquita: ‘Situação do gestor público é difícil em todas as esferas’

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RIO – Ex-diretor de Política Econômica do BC e diretor do Banco Brasil Plural defende maior desvinculação de receitas da União e mecanismo semelhante para estados e municípios, pois muitos estão ‘financeiramente inviáveis’. Ele defende a venda de ativos das estatais para poupar o Tesouro, que enfrenta ‘dificuldades severas’

O senhor acaba de voltar de uma viagem ao exterior. Como os estrangeiros estão avaliando a mudança de governo no Brasil?

Os investidores estão obviamente acompanhando bastante de perto a montagem do novo governo, com uma expectativa positiva. O primeiro teste, que era a montagem da equipe econômica, foi ultrapassado com louvor. A equipe do ministro Meirelles é de primeiríssima linha. A equipe do Ilan (Ilan Goldfajn, novo presidente do Banco Central) também será, ele é um nome excelente. A dúvida que existe hoje em dia é muito mais sobre o apoio político do que sobre a qualidade da política econômica. As pessoas lá fora sabem que o Brasil é uma economia que acumulou desequilíbrios ao longo de vários anos, que esses desequilíbrios, especialmente do lado fiscal, não vão ser revertidos do dia para a noite, vai requerer um trabalho de alguns anos para corrigir isso, mas que isso só vai ser possível se tiver apoio político. A gente tem uma equipe econômica de alto nível, coesa intelectualmente, mas especialmente do lado fiscal, a equipe não vai conseguir muito se não tiver o necessário apoio político. O incentivo para o governo é realmente tentar focar nas medidas de reforma fiscal no início, mesmo que elas sejam impopulares, para com isso promover uma recuperação da confiança empresarial, do investimento e do crescimento. Esse é o roteiro de sucesso, um caminho pelo qual este governo pode ser bem-sucedido. Os investidores lá fora estão olhando isso tudo. Agora, diferentes investidores têm diferentes pontos de vista. Entre o pessoal que é focado em renda fixa, em tendências macroeconômicas, os hedge funds, a visão é que já é o momento de entrar no Brasil, aplicar, se posicionar para uma eventual redução de taxa de juros e/ou para um momento de apreciação do real; ao passo que os investidores focados no mercado acionário estão um pouco mais cautelosos, porque eles dizem que, mesmo que o risco macroeconômico caia, e de fato está caindo, a economia vai ter ainda uma recessão profunda este ano, a lucratividade das empresas vai ser afetada por isso e, consequentemente, eles vão postergar talvez a entrada no Brasil. Mas eu diria que, em geral, é uma atitude de expectativa otimista em relação ao novo governo.

A questão agora é o apoio político. Os primeiros sinais de medidas que a nova equipe emitiu, que são Reforma da Previdência e a contenção de gastos públicos são ações que já eram aventadas desde o ministro Joaquim Levy, que ocupou a Fazenda no início do segundo mandato da presidente afastada Dilma Rousseff. A melhora da economia continua dependendo da política?

Um problema que o ministro Levy teve é que o partido do governo na época era contra essas medidas. Fica muito difícil você convencer os seus parceiros de coalizão a apoiar uma agenda que no curto prazo pode ser impopular, se o principal partido que é o partido do governo não apoia essa agenda. A coalizão governista atual me parece mais propensa a apoiar as medidas de ajuste do ministro Meirelles do que a coalizão de 2015 era em relação às políticas do ministro Levy.

Muitas empresas brasileiras entraram em recuperação judicial e outras estão fazendo uma espécie de “recuperação branca”, com a renegociação de suas dívidas com os bancos. Quais são as perspectivas para as empresas brasileiras e para os bancos, que estão expostos a essas dívidas?

Há uma preocupação com o endividamento corporativo, há um número maior de empresas em recuperação judicial, isso é um freio para a recuperação da economia, mas não creio que seja um obstáculo intransponível. As empresas vão se beneficiar também de um ambiente macroeconômico mais previsível, mais estável. Há também uma confiança de que essa recessão está caminhando para o final. O mercado já está revendo suas projeções para o crescimento do ano que vem positivamente. A nossa projeção para o ano que vem é 1%. Há seis meses, essa projeção era vista como otimista, agora tem gente que fala que ela é pessimista. A perspectiva para o crescimento está mudando e isso acabará beneficiando as empresas. A preocupação com os bancos é mais de lucratividade, acho que o aumento da inadimplência acaba afetando o lucro dos bancos. Mas havendo uma recuperação da economia a partir do ano que vem, essa lucratividade também tende a se recuperar. O ano de 2016 será difícil para o setor corporativo em geral e os bancos não estarão acima disso. Mas 2017 será um pouco melhor, e os bancos entraram em 2016 com um colchão de capital, em termos agregados, bastante confortável.

As grandes estatais, como Petrobras e Eletrobras, estão em situação muito complicada. O senhor vê algum risco fiscal ainda não contabilizado de aporte do Tesouro nessas empresas?

Há uma discussão recorrente no mercado sobre a recapitalização da Petrobras, da Eletrobras e eventualmente de um ou outro banco público. Cabe notar que as empresas estatais têm também ativos. A Petrobras tem a BR Distribuidora, e chegou a ser discutida a venda de parte de seu capital no ano passado. A Caixa tem a Caixa Seguridade, também foi discutido isso (a venda de ativos, no caso da Caixa Seguridade, a abertura de capital). Existe essa agenda de capitalização, mas existe também uma agenda de venda de ativos que talvez mitigue a necessidade de recapitalização, mitigando também o impacto fiscal.

A venda de ativos seria então uma estratégia mais adequada?

A situação fiscal é tão séria, as dificuldades são tão severas, que qualquer ajuda é bem-vinda. A venda de ativos faz parte dessa ideia de não sobrecarregar um Tesouro que já está sobrecarregados de problemas.

E talvez esses problemas sejam maiores do que se imaginava?

Brasília vem divulgando números crescentes do que pode vir a ser a meta de déficit primário para este ano (na sexta-feira, o governo anunciou que vai prever um déficit fiscal de R$ 170,5 bilhões nas contas federais este ano). O ministro Meirelles corretamente tem enfatizado de que antes de apresentar medidas concretas é preciso que se tenha um diagnóstico preciso da situação. E eu acho que é isso que a equipe dele, que reúne os melhores especialistas em contas públicas que a gente tem, está trabalhando agora, que é chegar a números precisos para formular uma estratégia para responder a essa situação. Mesmo porque as reformas que o governo quer apresentar, como a da Previdência, vão requerer convencimento, então idealmente elas têm que partir do cenário mais realista possível, para o governo poder convencer, com base nesse cenário, sobre a necessidade das reformas. Mas o importante é apresentar um número preciso e adotar uma política fiscal crível, ago que você não precise ficar alterando o tempo todo. É algo que o ministro Meirelles tem enfatizado e com a qual eu concordo inteiramente. Este governo é um governo de restauração da confiança. Nada é pior para restaurar a confiança do que ficar mudando suas metas ao longo do tempo.

E pode aparecer um número ruim vindo da renegociação da dívida com os estados?

Isso é um outro fator de incerteza. A situação dos estados é muito grave. Algum tipo de ajuda do governo federal pode ser inevitável. Mas acho também que essa ajuda não deixará de vir com contrapartidas, provavelmente severas, para os estados que precisarem de mais ajuda do governo federal. O gestor estadual e municipal ele precisa também ser dotado de mecanismos de gestão. O nosso arcabouço legislativo, mesmo a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), é mais forte no estabelecimento de sanções do que em propiciar ao gestor público mecanismos. A DRE e a DRM (a desvinculação de receitas estaduais e municipais, a exemplo da DRU, Desvinculação de Receitas da União) parece ser necessária também. Isso é algo sobre o qual o governo federal está trabalhando. É importante para dar ao gestor público, nas esferas estadual e municipal, capacidade administrativa mesmo. Há estados da federação que já começam o ano com mais de 100% da receita comprometida, isso é uma situação inviável, esses estados são financeiramente inviáveis. Isso precisa ser alterado.

No caso da DRU, também é preciso ampliar seu limite? O projeto em tramitação prevê ampliá-la para 25%. Isso seria suficiente?

O ideal seria fazer mais, se o governo tentar 40% ou 30%, seria melhor. E a âmbito regional também precisa ser um patamar agressivo, para o gestor poder ter flexibilidade. A situação dos gestores públicos é muito difícil, em todas as esferas. Mas nas esferas subnacionais é mais ainda do que federal.

Em artigo recente, o senhor não descarta um cenário de o país em breve voltar a acumular reservas.

O cenário internacional pode propiciar isso, uma vez zerada a exposição líquida nos swaps (contratos de compra e venda de dólar no mercado futuro usados pelo Banco Central para reduzir a volatilidade excessiva na taxa de câmbio), é possível que o Banco Central se veja na contingência de ter que discutir se volta a comprar dólares ou não. Aí ele terá que fazer uma análise de custo e benefício. Evidentemente você ter reservas tem um custo fiscal, não ter reservas ou não tê-las em volume adequado implica em algum risco caso o cenário externo mude. Agora, a visão mais benigna sobre a trajetória da taxa de câmbio aqui, tanto na perspectiva do investidor aqui de dentro como do investidor internacional, ela de certa forma é condicionada a uma visão também benigna sobre a postura da política monetária dos Estados Unidos. Algo que começou a ser questionado esta semana, com declarações de dirigentes do Fed (Federal Reserve, o banco central americana) e a divulgação da ata da última reunião do Fed. Então pode ser que a gente tenha esse bom problema, de discutir se vai ou não voltar a comprar dólar, pode ser que não, vai depender do comportamento do banco central americano e outros fatores no cenário externo.

O cenário externo preocupa?

Não dá para dizer que a situação atual seja muito ruim para a gente. O mundo está crescendo, é totalmente falacioso atribuir a recessão brasileira ao cenário internacional, isso simplesmente não corresponde aos fatos. O mundo está crescendo, não está crescendo tão fortemente como antes da crise, mas também não está crescendo nas bases ilusórias que tínhamos antes da crise, com base em alavancagem, em bolha imobiliária nos Estados Unidos. Mas é um mundo perigoso, tem risco geopolítico, como a possível saída da Inglaterra da União Europeia. As eleições americanas de certa forma tornaram-se um risco por alguns aspectos das propostas do provável candidato republicano (Donald Trump). Esses são os riscos do lado geopolítico. Do lado econômico, tem a questão da economia chinesa, uma economia que vem apresentando uma moderação no crescimento. O governo chinês, que inicialmente estava muito focado nas reformas, agora está mais preocupado aparentemente em sustentar um nível de crescimento mesmo que sem progresso nas reformas, ou mesmo voltando a práticas de estímulo ao setor imobiliário que pareciam ter sido descontinuadas e que podem voltar a gerar problemas no futuro. A gente não sabe por quanto tempo a China vai conseguir manter essas taxas de crescimento, mesmo as taxas menores que ela tem mostrado nos últimos anos. Então, é um ambiente internacional que tem riscos, embora a economia mundial, quando vemos as projeções do FMI, venha crescendo e espera-se que ela continue crescendo a um ritmo próximo a 3% ao ano nos próximos anos, que não é nenhum desastre.

Quando o senhor fala sobre os riscos e benefícios de voltar a acumular reservas, entra nessa conta uma taxa de câmbio que não seja punitiva ao crescimento, uma vez que um dos caminhos para a retomada da economia brasileira é via exportações?

O Banco Central tem um objetivo macroeconômico só que é levar a inflação para a meta. Isso eu acho que não deve ser alterado. Mas ele é responsável também pela estabilidade financeira. Nesse contexto, ele pode considerar em algum momento que faz sentido aumentar o volume das reservas em dólar. Isso tem um efeito talvez de retardar os movimentos da taxa de câmbio mas não os inviabiliza, se as compras forem feitas a mercado. Vale observar que o Banco Central comprou dólar durante boa parte do processo de apreciação da moeda nos últimos anos e as pessoas sempre falavam “agora tem um piso, desse limite não passa” e sempre passava porque o câmbio é flutuante e tem que ser flutuante num regime de meta para a inflação. O compromisso do BC tem sido esse e não vai ser diferente com o presidente Goldfajn.

O senhor falou no mandato único do Banco Central. Mas em algum momento chegou a se falar que o presidente interino Michel Temer poderia atribuir ao BC um mandato duplo, de manter a inflação sob controle e promover o emprego, como ocorre com o banco central americano. O senhor acha que isso seria viável?

Eu não acho que seria uma ideia brilhante. Eu acho curioso que esse tipo de proposta surja num país que tem o histórico inflacionário que a gente tem, de inflação alta, por muito tempo, mesmo num mundo que tem inflação baixa. Acusar o Banco Central de excesso de conservardorismo, no caso brasileiro, me parece despropositado, uma vez que a inflação tem passado muito mais tempo acima da meta do que abaixo da meta. Eu faço parte dessa mea culpa perante o público brasileiro porque fui dirigente da instituição. Se o Banco Central, desde que o regime de metas foi introduzido, se ele tem errado, é mais no sentido de ser acomodativo com inflação do que ser excessivamente conservador, essa é a realidade. Então eu acho complicada a proposta de enfraquecer ainda mais a instituição para a política monetária. E fico contente que essa proposta aparentemente está em vias de ser abandonada.

E a proposta de determinar em lei a autonomia operacional do BC, isso ajuda a ancorar as expectativas para a inflação?

Ajuda. Toda melhora no arcabouço institucional, legal, ajuda. O ideal seria você ir para a autonomia como existe em outros países, países desenvolvidos e em outros países da região, como no Chile, no Peru, na Colômbia, no México, todos eles países democráticos. Autonomia legal existe também na Suíça, na Suécia, na Inglaterra, nos Estados Unidos, países democráticos também. Ela não existe, por exemplo, na Venezuela. Então a gente tem que escolher a que grupo quer pertencer nesse tema. Tendo dito isso, se a gente não consegue chegar a esse arcabouço de mandatos fixos, escalonados, não coincidentes com o do presidente da República, com objetivo da política monetária sendo a estabilidade de preços, se a gente não consegue isso, a autonomia técnica já representa um avanço em relação ao que a gente tem hoje. E não é incompatível com eventualmente a gente atingir o estágio da autonomia como é praticada na maioria dos países que tem o arcabouço institucional moderno. Então eu acho que é uma boa iniciativa do governo, acho bastante interessante eles avançarem nessa linha, com a ideia de que não é o fim do processo, mas um avanço num processo que culminará um dia com a autonomia nos moldes que a gente conhece em outros países bem administrados.

O cenário para a convergência da inflação para a meta melhorou com a mudança de governo?

Ele melhora no sentido que você tem um governo que parece mais comprometido com o ajuste fiscal. Consequentemente, a política fiscal tenderá, na minha visão, a atrapalhar menos a nova diretoria do Banco Central do que vinha atrapalhando a atual diretoria do Banco Central. Quando o governo Dilma Rousseff resolveu não mais apoiar integralmente a política do ministro Joaquim Levy, ele atingiu não só a política fiscal, mas indiretamente a política monetária também. Melhor dizendo, ele atrapalhou também o sucesso da política monetária, na medida em que a piora da perspectiva fiscal levou a um aumento do risco-país e a uma depreciação cambial que acabou deslocando para cima as expectativas de inflação. Então, num governo mais comprometido com o ajuste fiscal, esse tipo de desenvolvimento tende a ser menos provável, aí dando melhores condições de trabalho para a nova diretoria.

Já é possível vislumbrar um cenário de volta da queda de juros?

Temos de esperar a nova diretoria (do Banco Central) tomar posse, haverá a sabatina. Imaginando que a nova diretoria assuma em meados de junho, no final de junho teremos a publicação do Relatório de Inflação, que vai indicar quais são as perspectivas de política monetária. Até pelo sua forte bagagem acadêmica, o presidente Goldfajn vai se pautar muito pelos modelos, pelas projeções do Banco Central, no processo decisório. Nesse contexto, a publicação de documentos como o Relatório de Inflação se torna ainda mais importante. Eu acredito que a gente provavelmente vai ver um processo de redução de juros ao longo do segundo semestre, mas o timing de início vai depender de fatores também como o timing de confirmação da nova diretoria.

O senhor trabalhou com Meirelles por quase quatro anos e estava na diretoria do BC na crise global de 2008. Como Meirelles lida com grandes crises?

É muito sereno, muito racional, sabe priorizar, elencar bem o que tem de ser feito num momento de dificuldade, escolher as pessoas, atribuir e tirar o melhor de cada um. É um montador de equipe emérito, que funciona muito bem em momentos de crise. Ele é o “fantástico executivo”, é isso que a gente tem. A crise atual não é tão severa como a de 2008, mas é grave. Então é uma felicidade para o país poder contar com Meirelles neste momento. No Ilan ele tem um excelente guardião da moeda e guardião da estabilidade do sistema financeiro, de forma que ele possa focar na questão fiscal 100% do tempo, 110% ou 120% se tivesse.


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