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JBS, sucesso lá fora que não reluz no Brasil

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SÃO PAULO e GREELEY (EUA) – Maior empresa de carne processada do mundo e segunda no setor de alimentos – atrás apenas da Nestlé -, a brasileira JBS tornou-se uma companhia global e quase 90% de sua receita já é gerada no exterior. Dos Estados Unidos vem a maior fatia dos ganhos, 47%, o equivalente a R$ 70 bilhões dos R$ 150 bilhões registrados até o terceiro trimestre de 2015. E esta semana, a companhia deve anunciar lucro de mais de R$ 1 bilhão, segundo estimativas do mercado. Mas, apesar desse desempenho, analistas estimam que as ações da JBS são negociadas no Brasil, hoje, com desconto de 90%, ou seja, valor bem abaixo do potencial.

Na semana passada, os papéis da empresa fecharam cotados a R$ 11,79, enquanto alguns especialistas estimam em R$ 21,40 o preço-alvo da ação. Neste ano, as ações da JBS perdem 4,5%. Segundo eles, mesmo com fundamentos tão sólidos no Brasil e nos EUA, a companhia dos irmãos Wesley e Joesley Batista convive com um fator “imponderável” que afeta seu desempenho na Bovespa.

– Sempre que acontece uma nova fase da Lava-Jato, ou há notícias de uma delação premiada, as ações da empresa caem. Para o mercado, voltam à tona as notícias de favorecimento do BNDES à companhia ou a denúncia de executivos do grupo, feita pelo Ministério Público Federal, por crime contra o sistema financeiro – explica Celson Plácido, analista-chefe da XP Investimentos.

Os investidores, observa ele, estão evitando papéis de empresas que trazem esse tipo de risco, mesmo com o preço das ações abaixo de seu potencial e dos bons fundamentos, caso da JBS.

– O mercado reage negativamente e fica apreensivo com a possibilidade de a empresa aparecer envolvida em investigações deste tipo – afirma Felipe Silveira, analista da Coinvalores.

No mercado americano, a empresa tornou-se uma gigante em apenas oito anos, e concorre ombro a ombro com pesos-pesados do ramo alimentício como a Tyson Foods e Cargill. Em 2007, a companhia fincou sua bandeira nos EUA com a aquisição da Swift, mas o maior passo foi a compra da Pilgrim’s Pride, produtora de frangos, por US$ 800 milhões, em 2009. Atualmente, a multinacional brasileira possui 75% da Pilgrim’s, que tem ações negociadas na Nasdaq.

Antes da compra pela JBS, em 2008, a Pilgrim’s, estava em recuperação judicial e suas ações valiam 0,25 centavos de dólar no pregão. Atualmente, estão sendo cotadas a US$ 24, uma valorização de nada menos que 9.500%.

– A Pilgrim’s hoje é uma outra empresa. Reconstruímos a companhia, cortamos cerca de US$ 1 bilhão ao ano em custos e exportamos para cem países – disse Bill Lovette, presidente da Pilgrim’s, ao GLOBO, durante visita a algumas unidades da empresa nos EUA.

A compra da americana Pilgrim’s marcou a estreia da JBS no mercado de aves e, atualmente, a empresa já é líder na produção de frangos por lá. Depois, veio a aquisição da Seara, aqui no Brasil, ampliando o tamanho da empresa neste segmento. As sinergias entre ambas, de acordo com o Lovette, aumentou a competitividade da JBS nesse mercado. Hoje, conta ele, a companhia consegue os melhores preços globais na compra de rações para aves.

– Ao internacionalizar suas operações, as empresas não ficam dependentes de um só mercado. Se uma crise atinge um deles, as receitas não são tão impactadas. Além disso, com aquisições é possível expandir o portfólio de marcas e inovar, já que há mais ofertas de produtos levados de um mercado para outro – explica o professor da Fundação Dom Cabral, Sherban Leonardo, responsável pela elaboração de um ranking das companhias brasileiras mais internacionalizadas.

No ano passado, entre 49 empresas, a JBS ficou na décima colocação entre multinacionais brasileiras com maior presença no exterior. As aquisições bilionárias feitas nos EUA fizeram a JBS dividir a liderança com a Cargill e a Tyson no segmento de bovinos, e se tornar a segunda em produção de porcos, ficando atrás apenas da Smithfield, que recentemente foi comprada por chineses. Em aves, a empresa também já é a líder nos EUA. No total, são nove plantas de abate de bovinos, cinco de porcos e 39 de frangos, além de onze plantas de confinamento.

A JBS é dona ainda da maior fazenda de porcos nos EUA, localizada no Texas, e possui mais de 150 mil matrizes de suínos. Por dia, já são abatidos 26 mil bovinos, sete milhões de frangos e 90 mil porcos. O Brasil só supera a operação americana em número de bovinos: 43 mil são abatidos por dia. Mas fica atrás no abate de frangos – 7 milhões/dia nos EUA frente 4,5 milhões/dia por aqui – e em porcos, com 90 mil/dia frente a 25 mil suínos no Brasil.

– Atualmente de cada 100 bifes de carne bovina consumidos nos EUA, 22 já são da JBS – diz o carioca André Nogueira, CEO da JBS USA, que dirige também as operações da empresa na Austrália e no Canadá.

Esse crescimento tão expressivo em pouco tempo é atribuído ao bom ambiente para se fazer negócios nos EUA, diz Nogueira. Ele afirma as regras dos órgãos reguladores americanos são claras, valem para todos os concorrentes e permitem que as empresas trabalhem com a maior eficiência possível.

– Temos 55 mil empregados por aqui e, entre eles, apenas três advogados. Os processos de litígio não chegam a 40. Aqui, não perdemos tempo com outros assuntos: 90% do tempo é gasto para buscar eficiência – afirma Nogueira.

O CEO da JBS americana, que trabalhou 22 anos no Banco do Brasil, diz que a fatia da receita da empresa pode subir ainda mais em território americano, mas vê maior espaço para crescimento no México e na Austrália. As oportunidades de grandes aquisições nos EUA, embora não estejam descartadas, estão mais limitadas por causa do elevado preço dos ativos. O objetivo da JBS, agora, é crescer organicamente, adicionando mais valor aos produtos.

Para isso, a estratégia é deixar de vender e exportar apenas ‘commodities’, fugindo da volatilidade de preços desses produtos, para se tornar uma empresa que oferece itens com valor reconhecido. No Brasil, por exemplo, a JBS usou essa estratégia ao criar a Friboi, associando a marca a um produto de maior qualidade. Nos EUA, também estão sendo criadas marcas próprias de carnes para grandes redes de supermercados como a Cosco, e já estão sendo oferecidos aos americanos cortes de frango e porco diferenciados e temperados.

– Com produtos de maior valor, que oferecem margens de ganho maiores, reduzimos a volatilidade para os acionistas – diz o brasileiro Fabio Sandri, diretor financeiro da Pilgrim’s.

No escritório central da JBS nos Estados Unidos, na cidade de Greeley, no Colorado, próxima à capital do estado, Denver, a presença dos brasileiros é cada vez maior. Ali trabalham quase mil pessoas e costuma-se dizer que há sotaques de todas as regiões dos Estados Unidos, mas o português está entre os mais disseminados.

– Os brasileiros estão acostumados a trabalhar com cenários mais voláteis, são criativos e se adaptam a situações diferentes. Com a disciplina dos americanos, o resultado é muito positivo – afirma André Nogueira.

Funcionários locais da JBS, que já trabalharam para a Pilgrim’s ou para a Swift, reconhecem mudanças na cultura da empresa e dizem que hoje há um jeito mais informal nas relações, marca trazida pelos brasileiros. E se admiram com o fato de que Wesley Batista, o presidente da empresa, circular pelas unidades, conversar com empregados, fazer perguntas e ouvir sugestões. Wesley vai pelo menos uma vez por mês aos EUA onde passa uma semana. Não é raro ele visitar duas ou três unidades da empresa em apenas um dia.

– Antes, não era muito comum que os proprietários da empresa circulassem por aqui e conversassem com os empregados. Agora isso mudou – diz Donna Estrada, que vai completar 30 anos de empresa e passou pela administração da Swift na cidade de Cactus, no Texas.

*Enviado especial. O repórter viajou a convite da JBS


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