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Conta de R$ 1,65 bi por antecipação de royalties de petróleo chega ao estado

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BRASÍLIA – Diante de uma grave crise fiscal, o Estado do Rio terá de arcar este ano com uma fatura de R$ 1,65 bilhão por ter antecipado receitas com royalties. Há três anos, o governo do Rio começou a adiantar participações governamentais pela produção de petróleo e gás para fechar as contas previdenciárias do estado. De lá para cá, porém, o cenário piorou. Combinada com a queda no preço do barril no mercado internacional, a situação leva a Rioprevidência a uma segunda renegociação, em menos de um ano, das debêntures (títulos de dívida) distribuídas, principalmente, a investidores estrangeiros em 2014. Esses papéis são títulos de crédito com lastro nas antecipações de royalties.

A penúria do estado, que tem atrasado pagamentos de aposentados e servidores, foi agravada pela conjuntura internacional, uma vez que, desde que as antecipações começaram, em 2013 — em negociações com Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, passando por emissões de debêntures no exterior com lastro nesses ativos em 2014 —, até hoje, a cotação do petróleo está em trajetória de queda. No caso dos títulos, emitidos num momento em que a Rioprevidência tinha investment grade — espécie de selo de qualidade aos investidores —, há condições previstas em contrato que podem levar à liquidação imediata das dívidas se a percepção de risco aumentar demais.

Com a queda do preço do barril no ano passado, as participações governamentais representaram apenas 6,7% da receita total do estado, ante uma média de 11,9% entre 2002 e 2014, segundo dados oficiais do governo. O valor absoluto dessas receitas caiu de R$ 8,7 bilhões em 2014 para R$ 5,3 bilhões no ano passado. Os pagamentos por essas antecipações também vêm resultando em uma receita líquida de royalties ainda menor para o estado atualmente, uma vez que, além de o barril de petróleo ter despencado, os pagamentos do empréstimo ajudam a corroer as receitas do governo.

‘vendi receita futura’

Segundo levantamento do deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), presidente da Comissão de Tributação da Alerj, dos R$ 5,7 bilhões levantados pelo Rio entre 2013 e 2014 com as negociações com Caixa e Banco do Brasil e uma emissão de debêntures no exterior, em 2016 deverão ser pagos R$ 1,652 bilhão. Ao fim do período de amortizações, em 2025, o Rio terá pago R$ 9,754 bilhões referentes a esses empréstimos, mas esse valor oscila conforme as condições de mercado. Consideradas outras negociações de debêntures, a conta será ainda maior.

— Vendi receita futura para gerar liquidez, que liquidou passivos, pagando folha. Se não tivesse feito isso, as operações seriam devidas pelo Tesouro Estadual que é obrigado, em última instância, a pagar as contas daqui. Economicamente, faz sentido — afirmou Gustavo Barbosa, presidente da Rioprevidência.

Na origem dessas operações, estava a situação já grave da Rioprevidência em 2013, que havia recebido em seu caixa os direitos sobre as receitas do estado com royalties e participações governamentais. Ao transferir esses recursos a bancos e demais credores, a instituição de previdência dos servidores do estado conseguiu levantar cerca de R$ 10 bilhões à vista, segundo o presidente da Rioprevidência, em uma operação prevista na Lei Orçamentária Anual do estado, aprovada na Assembleia Legislativa (Alerj).

efeito no atraso do pagamento de aposentados

Ocorre que essas antecipações foram negociadas quando o barril do petróleo era negociado perto dos US$ 100 e, neste ano, a cotação já caiu abaixo de US$ 35. Combinada com a situação da Petrobras — levada em conta, por exemplo, no rebaixamento da nota de crédito das debêntures em janeiro pela Fitch Ratings —, a percepção de risco de crédito dos papéis aumentou, levando-os a serem negociados com significativo desconto no mercado secundário. Ou seja, para assumir os direitos, os investidores agora querem pagar menos. Em setembro do ano passado, a emissão já tinha perdido o grau de investimento pela agência de classificação de risco Fitch. A Standard & Poor’s também rebaixou a nota das debêntures.

Para Edmar Almeida, professor do Grupo de Economia da Energia da UFRJ, a operação de antecipação de receitas governamentais trouxe ao caixa do Rio um risco “horrível”, o da variação do petróleo, o que piora a qualidade do planejamento tributário ou atuarial.

— Entendo que foi a estratégia do desespero, mas o normal é se criar um fundo estabilizador de receitas para ter estabilidade futura, e não para ser antecipada para gasto imediato — disse Almeida.

Para o deputado Luiz Paulo, as antecipações têm indícios de “gestão temerária” das finanças públicas, porque entregar as participações em 2013 e 2014 para investidores foi como negociar ações na Bolsa quando ela está na alta. Barbosa se defende, dizendo que, na época, nenhum analista diria que o barril do petróleo cairia a menos de US$ 30 em janeiro.

— Também não tinha analista dizendo que o barril ia a US$ 150 — retruca o deputado, acrescentando que as negociações foram feitas sem transparência. — Nenhum parlamentar teve conhecimento dessas negociações.

nova renegociação

Em setembro do ano passado, o governo do Rio conseguiu um waiver (um consentimento negociado que, neste caso, prorroga o pagamento de dívidas) até março deste ano para as debêntures emitidas no exterior. Neste momento, está em curso uma nova renegociação, sobre a qual a Rioprevidência não pode se manifestar imediatamente por causa das regras de mercado. As negociações normalmente implicam multas e outras formas de aumento do valor devido pela instituição. Se houver inadimplência no pagamento, ocorrerá um vencimento antecipado de todas as parcelas futuras.

A antecipação das participações governamentais ajudou a fechar as contas nos anos de 2013 e 2014, mas hoje colabora com os atrasos em pagamentos aos aposentados na Rioprevidência, que vem sendo alvo também de ações judiciais de arresto de ativos para cumprir com suas obrigações. Segundo Barbosa, porém, apesar de agravar, o pagamento das antecipações não é a maior parcela de pagamento nem é determinante para a situação da instituição.

No ano passado, a Rioprevidência já não pagou uma das doze folhas de pagamento, o que deixou quase R$ 2 bilhões de dívida de 2015 para 2016. Neste ano, a expectativa de receitas é de R$ 4,9 bilhões, enquanto as despesas em pagamentos de aposentadorias e pensões somam R$ 17,2 bilhões, o que deixa um buraco de R$ 12,3 bilhões, segundo Barbosa.

— Mesmo que não fosse pagar os bonds (debêntures), o buraco seria imenso — disse Barbosa.

No mês passado, o juiz Felipe Pinelli, da 10ª Vara de Fazenda, ordenou o arresto de R$ 661 milhões das contas do governo e da Secretaria de Fazenda ao aceitar ação civil pública, de autoria da Defensoria Pública, que pedia o pagamento imediato dos 137 mil inativos que ainda não haviam recebido seus benefícios.

‘Ritmo de alta de despesas previdenciárias’

Barbosa lembra que os royalties nunca tiveram o papel de zerar as contas da Rioprevidência, mas apenas de mitigar os déficits desde 2007, quando esses direitos foram transferidos à instituição. Desde aquele ano, porém, as dívidas atuariais (com aposentadorias e pensões), saltaram de R$ 5,7 bilhões para os R$ 17,2 bilhões previstos para este ano.

— O nosso grande problema hoje é o ritmo avassalador de crescimento da despesa previdenciária — disse o presidente da instituição.

Indagado se a Rioprevidência poderia lançar novas debêntures para antecipar mais receitas, o presidente da instituição afirma que as condições atuais são adversas. Ele cita o preço do barril de petróleo, que não atrai mais os investidores. Além disso, o Brasil está com problemas econômicos para captar recursos fora. Por último, há limites previstos para essas operações, disse Barbosa, ainda mais agora que as debêntures perderam o grau de investimento.

As medidas em curso pela Rioprevidência para mitigar os déficits e tornar seus fundos sustentáveis têm sido reestruturar o sistema de auditoria de benefícios; criar um novo fundo para preservar os entrantes, o que ocorreu em 2013; e permitir aos associados recolher recursos como previdência complementar junto à própria instituição.

— Mas eu tenho um legado que não posso deixar — disse Barbosa.

Para Almeida, da UFRJ, é preciso romper com esse ciclo vicioso em que as administrações regionais usam receitas futuras para quitar débitos de curto prazo. Até porque, no Rio, com uma possível retomada do pré-sal, a importância das participações governamentais tende a voltar a crescer em relação às receitas totais:

— Se não for feito um fundo de equalização, essas crises serão periódicas e sempre catastróficas.


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