Brasília Amapá |
Manaus

Com orçamento apertado, consumidor recorre ao reparo

Compartilhe

RIO – Do mouse com defeito ao blazer dos anos 1990 esquecido no armário, passando pela bota de inverno de outras temporadas, quase tudo foi parar nas lojas de consertos. Na crise, com o orçamento apertado, o desemprego alto e o crédito escasso levaram a um aumento na procura por reparos em roupas, sapatos, eletrodomésticos e aparelhos celulares. Para economizar, vale reformar, adaptar ou customizar. De acordo com a Associação Brasileira de Autorizadas em Eletroeletrônicos (Abrasa), que representa quase 11 mil assistências técnicas em todo o país, o volume de reparos aumentou 28% no primeiro trimestre em relação a igual período do ano passado.

No caso do celular, a demanda cresceu ainda mais, passando de 30% de janeiro a março. Se antes o primeiro sinal de falha já era um gatilho para a troca do aparelho, agora o consumidor pensa duas vezes e, geralmente, opta pelo reparo.

– Quando a tela do smartphone quebrava, o cliente retornava à loja da compra, dava o aparelho quebrado, complementava com uma certa quantia e saída de lá com um novo. Agora, ele conserta a tela – afirma Clarisse Ganley Christoce, gerente da Rede CTI de Consertos, na Barra da Tijuca.

Pedidos de reparo de notebooks e de videogame, antes raridade, também são mais frequentes. A loja tem sido requisitada até para consertos menos usuais.

– As pessoas aparecem aqui com mouse e carregador de celular para consertar. Mas o conserto é praticamente o preço de um novo. Daí não fazemos – conta Clarisse.

A Tec-Lar, de Ipanema, teve de contratar quatro funcionários no fim do ano passado para dar conta do aumento da demanda, principalmente pelo reparo de televisores. Cresceu até a procura por conserto de geladeiras. Antes o interesse por esse tipo de serviço acabava com a chegada do orçamento. O reparo mais comum, no motor, sai por mais da metade do preço médio de um produto novo.

– Hoje, toda economia é bem-vinda. Mas ainda há produtos que as pessoas desistem de consertar porque não compensa, como o ferro de passar roupa. Um conserto sai por R$ 30, enquanto dá pra comprar um novo por R$ 60 – observa a gerente da loja, Maria Nazareth Fernandes da Rocha.

Celular, aparelho de som, geladeira, fogão, máquina de lavar roupa e televisor são os produtos que mais chegam às autorizadas, de acordo com o presidente da Abrasa, Norberto Mensorio. Justamente os que, em anos anteriores, tinham desaparecido das prateleiras das assistências técnicas.

– Os eletroeletrônicos, linha branca, ficaram muito barato de 2010 para cá. Era fácil parcelar em vários pagamentos sem juros no cartão. Hoje, a realidade não é mais a mesma – observa Mensorio.

A 99Celulares, start-up criada em setembro do ano passado, nasceu na carona da crise. Alexandre Oliveira, diretor-geral e idealizador da empresa de consertos, identificou que aquele era o momento certo para abrir o negócio:

– Usei a recessão, que historicamente beneficia o setor de consertos, como argumento para atrair investidores. Há claramente uma maior preocupação em aumentar a vida útil dos aparelhos, adiando um investimento maior num novo.

Nos seis primeiros meses desse ano, o volume de serviços aumentou 50% na loja. Oliveira observa, também, que parte da demanda é de aparelhos que estavam fora de uso:

– Tem muito pai que tira o iPhone 4 da gaveta e manda consertar para dar para o filho, em vez de comprar um novo.

O valor do conserto depende do reparo a ser feito. Varia entre 15% e 45% do valor atual do aparelho.

Apesar de forçada pela situação econômica, essa mudança de comportamento do consumidor pode se tornar permanente, analisa o coordenador da pós-graduação em Comportamentos de Consumo da Universidade Positivo (UP), Filipe Bordinhão:

– Quando mexe no bolso, a gente tende a se tornar mais consciente. Ainda mais quando não há perspectivas de melhora, como agora. É o momento de os indivíduos se conscientizarem sobre a economia que pode ser feita prolongando a vida útil de um produto.

Ainda que mais timidamente, o efeito crise também beneficiou pequenos comércios de conserto de roupas e sapatos.

A costureira Marta Garcia e o alfaiate Narash Ramacharitan abriram há três anos uma alfaiataria de alta costura numa galeria do Flamengo. Desde o início do ano, a confecção de roupas sob medida vem dividindo espaço com as reformas. Segundo Marta, clientes que prezam pela qualidade, mas estão com o orçamento apertado para investir em novas peças, estão tirando do armário roupas que estavam guardadas há décadas para um atualização:

– Recentemente reformei um terno masculino dos anos 1980 e uma calça de pregas e blazer dos anos 1990. As pessoas trazem para que eu deixe com uma cara atual. São clientes de maior poder aquisitivo, que não abrem mão de usar produtos de qualidade, mas também foram pegos pela crise.

Na Sapataria do Beto, no Catete, o aumento do movimento é visível. A fila em frente ao balcão de atendimento, que fica na calçada, tem sempre de três a quatro pessoas. O frio ajuda, pois muita gente tem tirado botas velhas do armário para consertar, explica Maria Helena Tavares Rodrigues, que administra o comércio com o marido. Mas aumentou significativamente a procura por restauração de bolsa de couro. Enquanto o serviços sai por R$ 100, uma nova pode custar, no mínimo, o dobro.

– Nesse momento não dá para comprar uma nova. O jeito é reformar – conta Francisca Gélido, que levou uma bolsa preta com mais de cinco anos de uso para o conserto.

Glória Fernandes vai pagar R$ 80 para consertar as solas de duas sapatilhas. Fez a contas e avaliou que valia a pena:

– Com o dinheiro do conserto só daria para comprar uma. Já tenho o hábito de consertar os sapatos que gosto, mas agora isso se tornou necessidade.

Uma reclamação é comum entre todas as empresas do segmento. O aumento das receitas não acompanhou o do volume de serviços. Isso ocorre porque os comerciantes estão segurando o repasse do aumento de custos do último ano ao consumidor final.

De acordo com o presidente da Abrasa, enquanto o volume de consertos cresceu 28% no primeiro trimestre do ano, em relação ao mesmo período de 2015, o faturamento cresceu apenas 6%. No caso dos eletroeletrônicos, pesou a alta do dólar:

– Como a maior parte das peças para conserto foi afetada pela alta do dólar, os ganhos não acompanharam o aumento do movimento. As autorizadas não têm como repassar todo o aumento porque temem que o consumidor desista do serviço.

Os dados da inflação oficial de consertos e manutenção, medido pelo IBGE por meio do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), comprovam o represamento. No primeiro trimestre, os preços desses serviços acumularam alta de 1,89%. Praticamente a metade da variação acumulada no mesmo período do ano passado, de 3,66%.

Já as peças tiveram acréscimo médio de 25% nos preços, mas a alta chegou a 50% para algumas delas, diz Mensorio.


...........

Siga-nos no Google News Portal CM7