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As histórias de quem conta a história: os pesquisadores do IBGE

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RIO – Rabeta, popopô, canoa, cavalo, búfalo, quadriciclo, jipe, moto e a pé. Num país continental como o Brasil e com geografia tão diversificada, funcionários do IBGE recorrem a variados meios de transporte para dar conta do desafio de pesquisar a população em cada canto do território. Nas oito décadas de história, os chamados “ibgeanos” colecionaram muitas casos para contar do dia a dia do instituto de pesquisas.

Os episódios vão de carros atolados nas estradas do Pantanal, obrigando a longas caminhadas, a um recenseador desaparecido por 14 dias na Ilha de Marajó. Mas também há casos de questionários que caíram na água e tiveram de ser passados a ferro ou ficaram manchados de sangue, além de assaltos com direito à devolução dos itens roubados, na Zona Norte do Rio.

— Volta e meia alguém liga para pedir socorro e dizer que uma agência ficou sem carro porque um atolou na lama e o outro quebrou. Quem recebe o pedido de socorro deve agir, porque a unidade está parada e há prazos a cumprir. Um lugar está cheio de água, e o outro está seco. Nos dois casos, há problemas. O Brasil é grande demais. Ninguém morre de tédio no IBGE. Tédio aqui não existe — diz a presidente, Wasmália Bivar.

Que o diga um pesquisador do Rio, que, no início dos anos 1990, foi ameaçado com uma arma por um delegado de polícia. Ele visitou uma casa na Ilha do Governador no início da semana e entrevistou o homem. Três dias depois, em Jacarepaguá, encontrou-o de novo, em outra residência — e também como o dono da casa. O delegado achou que o funcionário do IBGE o estava perseguindo a pedido da mulher, para descobrir o endereço da amante.

Funcionário do IBGE há 35 anos, Luiz Gonzaga Castro dos Santos guarda do Censo de 1980 sua experiência mais marcante. Ao entrevistar o morador de uma vila de Brás de Pina (Zona Norte), foi recebido com cordialidade, para, em seguida, ser ameaçado com uma arma para entregar crachá do IBGE, identidade, questionários, carteira e relógio. Ao sair da vila “com a roupa do corpo”, uma senhora veio em sua direção e não se conformou ao ouvir a história.

— Já falei para meu irmão não fazer mais isso — disse a mulher, que retornou minutos depois com os itens roubados.

QUESTIONÁRIOS DE PAPEL

Os antigos questionários de papel renderam muitas histórias para quem trabalhava em campo. Ao participar do Censo de 1970 na área rural de Itararé, em São Paulo, um recenseador perguntou o caminho mais fácil para chegar a um sítio. Recebeu a sugestão de usar uma pinguela, tora de madeira que faz as vezes de ponte sobre um rio. No terceiro passo, escorregou e acabou caindo na água, com a bolsa e os questionários, que ficaram molhados. A única solução foi virar a noite passando os papéis a ferro, ou teria que voltar a cada sítio quilômetros de distância um do outro.

Hoje coordenador da Pnad Contínua no Rio de Janeiro, José Vitor Neves Guimar era parte da equipe de coleta da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) nos anos 1980. Em um dia de chuva, conta, precisou entregar um questionário com manchas de sangue:

— Levei um tombo em Jacarepaguá, ralei a perna e acabei manchando o questionário, que já estava com a assinatura do informante. Acabei tendo que entregar o material daquele jeito mesmo, depois de secar.

Se os questionários de papel ficaram para trás, os carros atolados ainda são uma constante. Em agosto de 2013, o então chefe da unidade do IBGE de Aquidauana — no pantanal do Mato Grosso do Sul — Victor Guenka, recebeu o pedido de ajuda de um colega: o carro havia quebrado no distrito de Nhecolândia. Ao tentar socorrer o colega, o seu carro atolou:

— Era época de chuva, a picape atolou e tive que caminhar quilômetros até chegar à fazenda em que meu colega estava.

A ampliação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), que agora é contínua e traz quadro do mercado de trabalho mensal de todo o país estão fazendo os pesquisadores enfrentarem as intempéries climáticas com mais frequência. Algumas regiões do país têm duas estações do ano bem marcadas, o inverno com chuva e o verão com seca. E isso faz a diferença sobre as dificuldades encontradas para se chegar a um domicílio para completar uma pesquisa.

Nesse sentido, a nova Pnad Contínua exige coletas frequentes em locais que antes só eram visitados uma vez por ano, na Pnad antiga, ou a cada dez anos, no Censo Demográfico.

— O inverno na Amazônia é muito chuvoso, enquanto o verão é seco. Cada época exige um tipo de meio de transporte. Sabemos as condições ambientais e conseguimos nos programar, mas a questão é que, em alguns anos, temos surpresas — diz o chefe da unidade estadual do Acre, Marco Esteves.

Como em 2014, quando uma enchente interditou a BR-364 e deixou o Acre isolado do resto do país. O combustível passou a ser racionado no estado, e o IBGE teve dificuldade para abastecer seus veículos. Ou em 2015, quando a unidade de Brasileia foi inundada e acabou ficando sem condições de uso.

PERDIDO EM MARAJÓ

As longas distâncias também tornam mais difícil o trabalho do IBGE. No município acriano de Cruzeiro do Sul, há domicílios na área rural que exigem deslocamentos de até um dia de barco. Na Ilha de Marajó, um recenseador ficou perdido por 14 dias no Censo de 2010, como conta o gerente de Planejamento da unidade do IBGE no Pará, Antonio Naia:

— Ao voltar do município de Ponta de Pedras, o recenseador se perdeu e não soube usar o GPS. A sorte é que encontrou uma pessoa que o ajudou, e mandamos um teco-teco para buscá-lo.

No Norte e Centro-Oeste, o caminho é o rio. Rabeta, popopô e canoa são tipos de barcos usados desde a Floresta Amazônica até o Pantanal, passando pela Ilha de Marajó. A escolha do barco se deve às chuvas ou à ausência delas. A rabeta leva o nome do motor e é mais indicada para períodos secos, quando nem todas as embarcações conseguem atravessar. Já o popopô é o barco com um motor mais potente e recebe o nome pelo barulho que faz.

Na Ilha de Marajó, os cavalos são uma forma de atravessar as longas distâncias durante o período de seca. Mas alguns funcionários tiveram de recorrer aos famosos búfalos da região, diz o chefe da agência de Soure, Bruno Francisco Pamplona Freire:

— Eu mesmo nunca andei de búfalo, tenho medo, prefiro o cavalo. Mas já tivemos casos de colegas que andaram.

Leudo Júnior e seu quadriciclo

O agente de pesquisas Leudo Júnior é obrigado a utilizar um quadriciclo para conseguir chegar às casas e aos sítios no Acre, porque os carros atolam nas estradas de terra precárias da região. As chuvas constantes tornam os caminhos praticamente intransitáveis, mas as pesquisas têm data de divulgação fixada no ano anterior e não podem atrasar. O pesquisador tem de chegar de qualquer jeito.

De cavalo no Pantanal

Funcionários do IBGE no Pantanal usam cavalos para conseguir chegar à região do Passo da Lontra e do Abrobal, no município de Aquidauana, em Mato Grosso do Sul. No Pantanal, com as cheias constantes, usa-se de tudo para chegar às casas dos brasileiros. Funcionários contam que, para socorrer colegas que ficaram com o carro atolado em estradas precárias, acabaram também presos na lama.

Entrevistando no agreste

No meio do semiárido nordestino, uma pesquisadora do IBGE entrevista produtores rurais durante o trabalho de pesquisa para o Censo Demográfico de 2010, no município de Riacho da Cruz, no Rio Grande do Norte. Para chegar lá, ela teve de andar por muitos quilômetros, já que a cidade fica a 350 quilômetros da capital, Natal.

Veronisa Viana no Acre

A pesquisadora do IBGE empurra a canoa que vai usar para chegar aos domicílios, no Acre, na Região Amazônica. O inverno na Amazônia é muito chuvoso, enquanto o verão é seco. Cada época exige um meio de transporte. Segundo o chefe da unidade estadual do Acre, Marco Esteves, é possível saber as condições climáticas e conseguir fazer um planejamento para não enfrentar intempéries que atrasem o trabalho de coleta de dados. Mas, em alguns anos, surgem problemas que não estavam previstos, como em 2014, quando uma enchente interditou a principal estrada que dava acesso ao estado


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