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Venezuelanos no exterior enviam dez toneladas de produtos ao país por semana

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WASHINGTON — Imigrantes de todo o mundo geralmente enviam dinheiro para os familiares que ficaram em seus países de origem, mas não os venezuelanos. Com a situação econômica e social do país de Nicolás Maduro se agravando a cada dia, a necessidade impôs, agora, o envio de produtos básicos. O câmbio oficial descolado da realidade e, principalmente, a falta de bens nas prateleiras fazem com que produtos como arroz, enlatados, medicamentos, pasta de dente e até papel higiênico cruzem os oceanos em pequenas caixas para tentar reduzir as restrições que a população está passando na Venezuela.

Mais de cem empresas estão se especializando nisso. Já são mais de dez mil quilos enviados por semana dos Estados Unidos, o triplo do que era enviado há seis meses. E, cada vez mais, os produtos enviados são mais básicos, ao contrário do passado, quando o forte eram artigos de luxo. Este movimento está crescendo também na Europa.

— Estou tentando mandar produtos básicos para a minha mãe, para que ela sofra menos. Dinheiro não ajudaria, não há o que comprar. Mas isso não é fácil, comprei cerca de US$ 100 em produtos, e vou gastar mais que isso no transporte de navio, que demora até três semanas — contou Nesmely Giancarlo, de 35 anos, que vive com o marido em Washington e enviou uma caixa com 20kg de produtos básicos para sua mãe em Maracaibo.

Medo de produtos serem desviados

Atualmente, as pessoas na Venezuela só podem comprar, mesmo itens como alimentos, de acordo com o número de seu documento de identificação — final 1 e 2, segundas-feira, por exemplo. E mesmo nestes dias, após horas de filas, não há garantia que haverá produtos na sua vez.

— Eu estou enviando uma caixa com xampu, pasta de dente, escova, remédios e outros produtos para minha mãe que está em Caracas. Estou pagando € 8 por quilo desde Madri, da próxima vez vou tentar por uns amigos de Miami, parece que é metade do preço de envio. Mas a gente sempre tem medo por não saber se isso de fato chegará, se não vai haver desvios ou roubo na alfândega — conta Mariela Gómez, de 34 anos, moradora da capital espanhola, e que deixará de enviar dinheiro aos parentes. — Antes, já enviava só em espécie, pois a cotação oficial de envio é surreal. Mas agora nem o dólar vale muito, pois nem com ele você pode comprar produtos básicos.

Mariela afirma que tem amigos que passaram duas semanas apenas com pão para comer — sem nenhum outro tipo de alimento ou complemento. E uma amiga sua, grávida, andava com a cópia do ultrassom, nas primeiras semanas de gravidez, quando sua barriga ainda não estava aparente, para tentar ter mais acesso aos produtos básicos.

— Dá muita raiva e impotência ver o que precisamos fazer e o que a nossa família está vivendo lá. Gastei agora US$ 300 para enviar US$ 250 de produtos. Se fosse possível enviar este dinheiro e eles comprarem produtos lá a preço normal, imagina quanta coisa poderiam ter — lamentou Joanna Estrella, de 38 anos, que mora em Washington e lembra que, mesmo cara, essa solução não resolve o envio de produtos perecíveis.

Nelson Dubis, que há 30 anos é dono em Miami da Dubis Cargo Express, nunca viu um movimento como este. Ele conta que a necessidade fez surgir este mercado:

— Soube que não há mais absorvente feminino em Barcelona e Valencia. É muito triste você estar num país que tem tudo e ver seus familiares passando necessidade — conta.

De olho na demanda, ele criou uma caixa com 25 produtos dos mais enviados ao país — como café, açúcar, sardinha enlatada, sabonete e macarrão — por US$ 180 dólares (R$ 648), já incluída a entrega. Outro empresário no ramo há 13 anos fala da mudança no perfil das mercadorias enviadas.

— No começo, enviava produtos de luxo, como móveis, roupas e perfumes, para venezuelanos endinheirados que vinham à Flórida fazer compras. Depois passei a mandar peças de carros, coisas que estavam faltando, mas produtos específicos, algo mais supérfluo. Agora tenho enviado cada vez mais alimentos. E a escassez afeta a todos os venezuelanos, dos ricos aos pobres — disse John Gutiérrez.

Esta via, além de cara e demorada, amplia ainda mais a desigualdade: quem não tem parente no exterior fica sem esta opção. Mas algumas ONGs, como a Movimento de Venezuelanos no Exterior (Move), recolhem produtos e dinheiro para enviar a orfanatos e asilos.

— Para nós, o dinheiro ainda ajuda, pois podemos pagar pelo serviço de transporte. Mas também aceitamos produtos. Muitas pessoas querem ajudar os venezuelanos, mas não sabem como — afirmou Marina Alcalá, uma organizadora da ONG, que pede ajuda a voluntários na página no Facebook.

E enquanto a situação política não se resolver, este tipo de envio, cada vez mais com caráter humanitário, tende a crescer.

— É muito triste o que vemos na Venezuela, como um dos países mais avançados da América do Sul hoje pode ser comparado, em alguns pontos, com as mais pobres regiões africanas — afirmou Jason Marczak, especialista em Venezuela do Atlantic Council.


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