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Venezuela ruma para um choque institucional, diz diretor do ‘El Nacional’

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CARACAS – Em entrevista ao jornal colombiano “El Tiempo”, Miguel Henrique Otero, diretor do diário “El Nacional” afirmou que a Venezuela caminha para um “choque institucional forte”, e comentou a crise no país, destacando o conflito entre a Assembleia Nacional que aprova leis e o governo que não as acata.

Como o senhor vê atualmente a situação na Venezuela?

A maneira como Nicolás Maduro responde à crise é aumentando a repressão e o controle sobre a população. A importação que nunca acaba na Venezuela é a de instrumentos repressivos: tanques, bombas de gás lacrimogêneo, esse tipo de coisas. Se antes ele era um pouco mais permissivo com as manifestações espontâneas, agora as reprime com veemência. E o que acontece? Todos os que têm procedimentos judiciais abertos estão sob medidas cautelares. Não têm julgamentos nem sentenças.

Esse é um dos pontos da “guerra de Poderes” entre a oposição na Assembleia Nacional (AN) e o governo, que se incomodou muito com a Lei de Anistia apresentada pelo Legislativo. Como enxerga essa situação?

A estratégia de Maduro é não acatar nenhuma lei que venha da AN. Não se trata somente da anistia. A Assembleia aprovou uma Lei de Propriedade Horizontal, aprovou uma Lei de Produção Nacional, já que na Venezuela não se produz nada. Também uma Lei de Proteção à Indústria Nacional, que Maduro classificou como uma lei neoliberal e não acatou. A Lei de Anistia, que era uma promessa muito forte por parte da oposição, foi rechaçada e levada ao Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), que a declarou inconstitucional. No dia em que ela foi aprovada, o TSJ já tinha em mãos a sentença para decretá-la inconstitucional. Maduro aumentou o número de magistrados do TSJ depois de perder as eleições parlamentares em 6 de dezembro. Incorporou magistrados que haviam sido candidatos pelo PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela, legenda do presidente) e perdido as eleições.

Por que o governo resiste a reconhecer as assinaturas coletadas para o referendo revocatório?

Estamos numa ditadura que não respeita a independência dos Poderes. Então, sua estratégia é não respeitar a Assembleia Nacional, onde a oposição tem uma maioria absoluta conquistada honestamente. Além disso, a única saída que há para o problema institucional enfrentado pela Venezuela é o referendo revocatório, porque todas as outras soluções dependem do TSJ, que se comporta de uma maneira absolutamente arbitrária. O referendo revocatório passa pelas mãos do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), que tem quatro de seus cinco principais membros filiados ao PSUV, e que atrasam o processo para que o ano que vem chegue e ele se torne absolutamente irrelevante.

Para onde está indo a Venezuela?

Rumo a um choque institucional forte. Na medida em que a AN comece a aprovar leis, o que se pode fazer? Aprovar mais e mais. A AN conquistou uma popularidade muito grande. Seu presidente, Henry Ramos Allup, se transformou numa figura mais popular que Henrique Capriles e Leopoldo López. É mais popular porque é o presidente da Assembleia e mantém a oposição trabalhando. Mas se continuam aprovando leis que o governo não acata, essa popularidade despencará, porque o povo ficara desencantado com a Assembleia.

Maduro insinuou que poderia dissolver o Parlamento. Isso é possível? O que aconteceria?

Maduro governa com quem? Governa com o TSJ e o alto comando militar. Esse é seu mecanismo de governar com todas as arbitrariedades de um governo autoritário, absolutista e que pode fazer o que tiver vontade. Se ele perder um de seus apoios… bem, é muito difícil que o TSJ o abandone, pois colocaram lá magistrados totalmente fiéis ao processo, e o alto comando também não irá rachar. É muito difícil que isso aconteça, mas restam os militares institucionais que em algum momento, como aconteceu milhares de vezes na América Latina, podem atuar.

Como está a situação do “El Nacional” e da imprensa em geral na Venezuela?

A situação é dramática porque já começaram a fechar jornais. Os que conseguiram se manter são regionais, basicamente, porque a Corporación Maneiro (distribuidora de papel) lhes vendeu algumas bobinas para a paginação, mas, ainda assim, foram obrigados a reduzir seu tamanho, e chegou um momento em que também pararam de lhes vender papel. Logo, o “Carabobeño” deixou de circular, assim como o “Correo del Caroní”. Nós só conseguimos sobreviver graças à solidariedade internacional.

Até quando é possível resistir?

Até que não haja mais papel, e então seremos um site na internet.

Tudo na Venezuela está em decadência, e o setor elétrico é um exemplo disso. O que acha da decretação de folgas durante 60 dias para poupar energia?

Os venezuelanos acreditam que a energia que consomem depende exclusivamente da represa de El Guri, mas isso não é verdade. El Guri é muito importante, mas a infraestrutura elétrica da Venezuela está completamente desmantelada. A distribuição e a manutenção das usinas elétricas que foram compradas, mas nunca foram inauguradas, também são parte do problema. Parte disso se deve à falta de chuvas, mas, caso chova, o racionamento seguirá sem mudanças.

*O “El Tiempo” faz parte do Grupo de Diários América (GDA)


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